A misteriosa Serra da Prata de Valença do Piauí

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A misteriosa Serra da Prata situa-se próximo ao fabuloso conjunto de sítios arqueológicos de Buritizal, na zona rural do município piauiense de Valença do Piauí, porção central do Estado. Marmotas, fenômenos e assombrações variadas são o que não falta naquela modesta elevação. Soubemos até que o local também é conhecido como Serra do Carneiro, pois ali se vê ocasionalmente um Carneiro de Ouro, fenômeno luminoso e arisco comum no folclore de nossos sertões.

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A MISTERIOSA SERRA DA PRATA, NAS SOLIDÕES RURAIS DE VALENÇA DO PIAUÍ.

Visitamos o local nos idos de 1999. Nos serviu de guia o senhor Zé Preto, caboclo típico da região, muito desinibido, tagarela e afeito ao sobrenatural. Ele nos contou um  interessante causo a respeito do Carneiro de Ouro, durante uma caçada:

Eu vi um veado de ouro, branquinho. Eu ia atirar nele e ele me pediu pra não atirar, que era visão da noite…Eu num atirei e ele se transformou num carneiro de Ouro, também muito branco e brilhante que só algodão no sol.

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ZÉ PRETO, CONTADOR DE “CAUSOS” CABELUDOS. IMAGEM DE 1999.

Outras pessoas das redondezas dizem que ali ocorrem incríveis e inexplicáveis ventanias, tochas brilhantes, uivos assustadores, uma lâmpada se mexendo no céu ou uma luz moderna, tropel de gado, arrastar de correntes, etc.

As tradições abundam na Serra da Prata, fazendo um local também rico em metais preciosos como ouro e prata além de salitre. Não faltam as formidáveis botijas enterradas á espera de algum predestinado…

Salitre: a riqueza mineral pretérita

A riqueza de salitre (nitrato de sódio ou potássio) pode ser atestada na conversa com os caboclos ou numa pesquisa local. O Sr. Josias, morador no sopé da elevação nos contou (em 1999) que há mais de 30 anos, um tal de Saló, morador da  cidade de Valença do Piauí extraía dali o salitre, com o qual fabricava fósforos, bombinhas e foguete. Seu Saló obtinha o nitrato raspando manchas do minério sobre a superfície rochosa. Daí jogava tudo em um balde com água, onde os sais se dissolviam e a terra era jogada fora. O próximo passo era evaporar a água por aquecimento e estava ali obtido o precioso salitre.

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SR. JOSIAS MORADOR DAS PROXIMIDADES DA SERRA DA PRATA, FOTOGRAFADO EM 1999.

Antigos relatos falam da riqueza do nitrato nos sertões valencianos. Em 1878 o Padre José Pereira, vigário de Valença, ofereceu, ao Governador do Estado do Maranhão, D. Fernandes Antônio de Noronha, umas amostras de salitre de excelente qualidade. Segundo o historiador pernambucano F.A. Pereira da Costa (1851-1923), destas supostas jazidas poderiam se extrair todos os anos muitas arrobas de salitre.

O historiador José Martins Pereira de Alencastre (1831-1871) escreve que o padre descobriu abundantes minas em Valença do Piauí em 1796.

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GRAVURA ANTIGA MOSTRANDO TRABALHADORES ENSACANDO SALITRE NO CHILE. FONTE: biblioteca.duoc.cl.

A importância do salitre valenciano parece não ter se restringido aos tempos históricos. Segundo o diligente pesquisador austríaco Ludwig Schwennhagen (1870-1934), da região de Valença do Piauí foram retiradas …grandes quantidades de chumbo, prata e principalmente salitre. Em tempos pré-colombianos, segundo o austríaco, o salitre valenciano foi exportado por comerciantes fenícios por volta de 1.000 A.C. O nitrato seria chamado em tupi nitinga e teria sido transportado comercialmente para o Egito, onde era largamente utilizado no processo de embalsamamento de cadáveres.

A misteriosa porta de pedra

Sempre acompanhados por nosso guia, o irreverente Zé preto, rasgamos alguns quilômetros de matas da região, até chegarmos a um flanco da Serra da Prata. Cruzamos um riacho e, a cerca de 200 ou 300 metros do curso d’água, achamos o monumento pétreo natural conhecido como porta. Trata-se de uma enorme superfície lisa de um paredão rochoso vertical, arenítico, onde uma porção substancial da rocha sofreu desplacamento, deixando uma moldura natural à maneira de uma enorme porta. 

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A MISTERIOSA “PORTA SECRETA” DA SERRA DA PRATA.

O povão conta sobre a misteriosa porta da Serra da Prata histórias horripilantes. Nosso guia Zé Preto nos disse que a porta é o local mais encantado e assombrado da região:

Aqui acontece muitas coisas, doutor, de arrepiar os cabelos do pé. Uma noite eu tava caçando aqui sozinho, perto da porta, quando duma vez ela se abriu e de dentro saíram cobras enormes. Brilhavam feito fogo e vieram em minha direção.

E o que você fez Zé Preto? Agarrou-as e deu um nó nelas? –  Perguntamos brincando.

Que nada. Me tremi todo. Corri apavorado me rasgando na mata até chegar numa casa das proximidades. – Respondeu.

E você voltou ao local? – Indagamos.

Voltei com o povo das casas. Mas quando nós chegamos aqui, a porta já tava fechada. Aí o povo num acreditou em mim, porque não viram as cobras brilhantes. Mas eles sabem que o local é encantado, pois nenhum caçador  chega perto da porta. Todos têm medo dela.

Sempre irreverente, seu Zé Preto diz hoje possuir a receita para desencantar a misteriosa porta da Serra da Prata e ficar com as suas ricas botijas:

Na época eu num sabia. Por isso corri das cobras. Mas quem ver essas marmotas tem que furar o dedo e pingar três gotas de sangue sobre as cobras. Elas ficam moças, prontas para casar. Tudo ali vira um plano e a pessoa fica rica…

Podemos concluir que a porta e a Serra são um cabedal de folclore sobrenatural e de fenômenos misteriosos.

E a porta misteriosa? Não é com certeza a porta da esperança…nem tampouco a porta do abre-te sésamo…quem sabe talvez, um portal esquecido da enigmática Atlântida…ou possivelmente a porta das percepções assombrosas…

Fontes:

Alencastre, José Martins Pereira de. Memória cronológica, história e corográfica da Província do Piauí. Ed. Original de 1885.

Coutinho, Reinaldo. Antiguidades Valencianas. Teresina, 2000.

Pereira da Costa, F.A. Cronologia histórica do estado do Piauí. Edição original de 1908.

Schwennhagen, Ludwig. Antiga história do Brasil. Teresina, 1928.