A origem do nome Sete Cidades

Uma pergunta simples e objetiva dirigida a qualquer pessoa que conheça o Parque Nacional de Sete Cidades, no norte do estado do Piauí recebe, geralmente, uma resposta uníssona e simples, porém, errônea: Por que o nome Sete Cidades? A resposta generalizada é sempre: por causa das sete “formações” rochosas do local, que dão a impressão de sete conjuntos ruínas desoladas.

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AFLORAMENTO ROCHOSO RUINIFORME DA “PRIMEIRA CIDADE”.

Ilhas misteriosas no Atlântico

A bem da verdade, não existe ali exatamente sete conjuntos de afloramentos areníticos com descontinuidade entre si que justificasse o nome atual do Parque. A denominação Sete Cidades perde-se na bruma dos tempos coloniais, sendo originário da Europa Medieval.

Uma lendária ilha a oeste povoava o imaginário das populações da Europa Medieval. Seria uma ilha perdida na imensidão do Atlântico, repleta de mistérios e fantasias. Seria um paraíso abarrotada de riquezas e povoadas por todos os tipos de criaturas, normais e aberrações. Na figura abaixo, reprodução de um mapa de do obscuro cartógrafo genovês Albino de Canepa (?-?) de 1489, apresenta a lendária Ilha de Sete Cidades (desenho maior), inclusive apresentando a distribuição destas sete Cidades e, em menor escala, a oeste da primeira, outra ilha mítica, uma tal de Rollio.

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ILHA LENDÁRIA NO ATLÂNTICO. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Chart_of_Albino_de_Canepa

As referências na nomenclatura geográfica à existência da “Insula Septem Civitatum”, que significaria Ilha das Sete Tribos ou Ilha dos Sete Povos, mas acabou fixada nas línguas modernas em Ilha das Sete Cidades, cujos nomes são Aira, Antuab, Ansalli, Ansesseli, Ansodi, Ansolli e Con, datam das fontes clássicas latinas, provavelmente incorporando tradições mais antigas dos povos mediterrâneos, nomeadamente dos maiores navegadores da antiguidade europeia, os fenícios. No latim, civitas não significa apenas cidade, mas a colectividade dos cidadãos de determinada comunidade, segundo ensina o pesquisador austríaco Ludwig Schwennhagen.

O primeiro documento ibérico referente às Sete Cidades é uma crónica em latim da cidade de Porto Cale (a moderna cidade do Porto), aparentemente escrita, cerca de 750 DC, por um clérigo cristão. Nessa época, o reino ibérico dos visigodos já tinha entrado em colapso, sob a pressão da invasão muçulmana (iniciada em 711 DC) que avançara inexoravelmente até ao norte peninsular. O arcebispo de Porto-Cale, querendo esquivar-se à dominação muçulmana, deliberou partir para a grande terra das Sete Cidades (Sete Civitates) que os marítimos lhe asseguravam existia no meio do oceano ocidental. No ano de 734, o arcebispo, acompanhado por outros prelados, aos quais se juntaram cinco milhares de fiéis, embarcou-se numa frota de vinte veleiros.

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O MAPA DE BARTOLOMEU PARETO DE 1455 APRESENTA VÁRIAS ILHAS LENDÁRIAS A OESTE DA EUROPA. UMA DELAS É A ANTILIA. FONTE: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda_das_Sete_Cidades#/media/File:Pareto_1455.jpg 

Apesar de a crônica narrar que a frota chegou sã e salva ao seu destino, e que muita gente se preparava para segui-la, na verdade o rasto do bom arcebispo, se alguma vez ele existiu, perdeu-se totalmente na noite dos tempos.

Segundo http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda_das_Sete_Cidades, apesar da inexistência de contatos comprovados com a ilha das Sete Cidades, a crença na sua existência deu origem a uma das lendas mais divulgadas da Idade Média europeia, existindo múltiplos relatos de registos visuais fortuitos e de expedições organizadas para o seu achamento. Quase todas as cartas e portulanos medievais onde se representava o Mar Oceano, o atual Atlântico, a apresentam, embora com posições e formas variadas. A par da ilha do Brasil ou da Ilha de Man; a Antília, no contexto da tradição brendaniana referente a (Saint Brendan, ,que navegou por estas plagas em tempos idos), a Ilha das Sete Cidades é uma das referências geográficas mais persistentes da proto-geografia atlântica.

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OS MAPAS E PORTULANOS ANTIGOS APRESENTAVAM MONSTROS E PERIGOS INSUPERÁVEIS NO DISTANTE OCEANO A OESTE DA EUROPA. NESTA IMAGEM DE 1621, SÃO BRANDÃO E A BALEIA. FONTE http://lounge.obviousmag.org/anna_anjos/2012/11/as-raizes-celtas-do-brasil.html  

Com o advento da idade dos descobrimentos, os relatos de registos visuais e as tentativas de posse da ilha multiplicam-se. Um dos casos mais consistentes foi a carta apresentada em 1473 ao rei D. Afonso V de Portugal pelo açoriano Fernão Teles (1431-1477). Do roteiro que então mostrou constava uma longa costa, com várias ilhas, baías e rios, que ele declarava ser parte das Sete Cidades. Embora se acredite que pudesse ser a costa do Norte do Brasil, entre o Maranhão e o Ceará, com o delta do rio Parnaíba, apenas se pode afirmar com certeza que aquele território se situaria na margem ocidental do Atlântico.

Aparentemente o rei não terá acreditado totalmente na descoberta, ou não considerou Fernão Teles suficientemente digno, pelo que da carta de doação concedida não consta referência às Sete Cidades, mas apenas a uma grande ilha ocidental que se pretenderia povoar.

Insatisfeito com a carta de doação, Fernão Teles insiste no pedido das Sete Cidades. Consultado o cosmógrafo genovês Paolo del Pozzo Toscanelli (1398-1492), que declarou que a Antília (designação dada às ilhas do Mar das Caraíbas) e a Ilha das Sete Cidades seriam naquela margem do Atlântico, finalmente em 1476 a carta solicitada foi concedida, mas não se conhece a existência de qualquer expedição subsequente por parte daquele donatário.

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O COSMÓGRAFO TOSCANELLI ACREDITAVA NA EXISTÊNCIA DA ILHA DAS SETE CIDADES. FONTE: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/87/Engraving_of_Christopher_Columbus_from_Th e_World%27s_History_(1901%E2%80%931907).jpg 

Contudo, entre as expedições melhor documentadas conta-se aquela que o flamengo Ferdinand van Olm (conhecido na historiografia açoriana por Fernando de Ulmo ou Fernão Dulmo) capitaneou. Aquele aventureiro flamengo, em tempos residente nos Açores e ali casado com uma filha de Fernão Teles, recebeu em 1486 autorização do rei D. João II de Portugal para achar o paradeiro da ilha onde estaria localizado o reino cristão perdido das Sete Cidades, o mesmo que o seu sogro teria reconhecido anos antes. De parceria com Afonso do Estreito, um madeirense, organizou uma expedição, com co-financiamento real, destinada à conquista das ilhas e terras firmes das Sete Cidades.

Infelizmente Fernão Dulmo não teve melhor sorte que os seus antecessores, mas, ainda assim, já em pleno século XVII, organizou-se na Terceira uma expedição para explorar o oceano a noroeste do arquipélago, onde teria sido avistada uma ilha desconhecida.

Nos Açores sobrevive até aos nossos dias a lenda da ilha encantada que apenas pode ser avistada por volta do dia de São João (24 de Junho), sendo naquele período frequente o registo visual de ilhas desconhecidas a pontuar o horizonte insular, na realidade bancos de nevoeiro (os temidos nevoeiros do São João que levam ao encerramento dos aeroportos por dias seguidos) e nuvens distantes a emergir do horizonte.

Sobre a Ilha das Sete Cidades, parafraseando a observação aposta no mapa-múndi do holandês Johannes Ruysch (1460-1533) publicado em 1507 sobre a Antília, bem se pode ainda dizer: esta ilha foi descoberta, antigamente, pelos portugueses; agora, quando a procuramos não a encontramos. Como consolação ficou-nos o nome de um dos maiores vulções do Atlântico, o vulcão das Sete Cidades, na metade ocidental da ilha de São Miguel, Açores, com as suas lagoas e a freguesia das Sete Cidades anichadas no interior da caldeira; o lugar das Sete Cidades na ilha do Pico, Açores; o Parque Nacional de Sete Cidades, no sertão do Piauí, Brasil; e múltiplas lendas e histórias em permanente recriação.

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LAGOA DAS SETE CIDADES, NA ILHA DE SÃO MIGUEL, ILHAS DOS AÇORES. FONTE: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda_das_Sete_Cidades,_Terra_de_Atlantes

Quivira e Cíbola

Quivira e Cíbola são duas das fantásticas Sete Cidades de Ouro, que existem somente como um mito que se originou por volta do ano 1150 quando os mouros conquistaram Mérida, na Espanha.

De acordo com a lenda, sete bispos abandonaram a cidade, não só para salvar suas próprias vidas como também para prevenir os muçulmanos de obterem relíquias sagradas religiosas. Anos depois, um boato circulou de que, em uma terra distante – um local desconhecido para as pessoas da época-, os sete biscos haviam fundado as cidades de Cíbola e Quivira.

A lenda diz que ambas enriqueceram-se muito, principalmente graças a pedras preciosas e ouro. Por isso, muitas expedições foram organizadas em busca das cidades ao longo dos séculos.

Eventualmente, a lenda cresceu a tal ponto que ninguém mais falava a respeito de Quivira e Cíbola apenas. Referiam-se a sete cidades magníficas feitas de ouro, uma para cada um dos bispos que deixaram Mérida (http://pt.wikipedia.org/wiki/Quivira_e_C%C3%ADbola).

Segundo alguns especialistas, as duas míticas cidades seriam reais e teriam existido entre os “pueblos” indígenas do sul do atual território dos Estados Unidos ao México. Cíbola, Cibola ou Cebola seia uma região mítica contendo sete cidades. Quivira seria no atual Kansas. O fato é que o num anônimo mapa antigo sobre Cíbola aparecem as sete cidades encantadas, tremuladas pelas bandeiras da Coroa espanhola.

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AS SETE CIDADES DE CIBOLA SUPOSTAMENTE DOMINADAS PELA ESPANHA. Fonte: http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/C%C3%ADbola 

Assim, á medida que os espanhóis e portugueses devassavam seus territórios na américa foi se desvanecendo a esperança de se encontrar estes míticos lugares.

O sete cabalístico

O sete sempre foi um número místico, cabalístico e ritual para a as antigas civilizações. Eram sete as antigas maravilhas arquitetônicas da humanidade; são sete os pecados capitais; são sete os dias da semana e eram sete os corpos celestes conhecidos antigamente (incluindo Lua e Sol).

Segundo Antônio Zago (1979) O sete é o número místico por excelência. Ele goza de uma série de privilégios, não apenas entre os ocultistas como também em todas as religiões e seitas, das mais primitivas as mais modernas.

Não bastasse ser o número da Criação — 3 (o céu) + 4 (a terra) = 7  é também o número que indica a relação viva entre o divino e o humano. Isso está mais ou menos implícito na estrela de Salomão, onde dois triângulos se cruzam: um ascendente e outro descendente. As seis pontas, mais o ponto central, somam o sete místico, simbolizando a união do céu e da terra, do Bem e do Mal, do divino e do humano.

O sete é o único número simples para o qual não existe regra fácil se quisermos saber se ele é fator de um determinado número. O sete é um número primo e o único a não ser aritmeticamente nem múltiplo nem divisor de outro número entre 1 e 10. O sete é, sem dúvida alguma, um número diferente. Parece que o seu segredo é propriedade dos deuses.

Assim, não de se estranhar que se ligasse esta numerologia a lugares místicos, distantes, inacessíveis e misteriosos.

As Sete Cidades do Piauí

Quem noticiou primeiro essa enorme riqueza histórica e cultural foi o jornalista Jácome Avelino, no artigo Cidade petrificada no Piauí, publicado em 09 de dezembro de 1886, na gazeta Constituição, do Ceará, órgão do Partido Conservador, fundado em 1862 pelo Conselheiro Tristão Alencar Araripe (1821-1908). O jornal publicou uma série de andanças de Avelino pela Serra da Ibiapaba, Piripiri e Castelo do Piauí (PI) além de Sete Cidades.

“Cidade Petrificada no Piauí. Sete Cidades. – Na Província do Piauí, ao sul da vila de Piracuruca, na distância de 05 léguas, à vista da fazenda do Bom Jesus, em uma Grande Planície, acha-se o lugar denominado Sete Cidades, que os moradores adjacentes tem por encantado, e dele contam muitas versões que não passam de superstições, e por isso deixo de mencioná-las.

“Não há por ali mais do que a cidade petrificada ou construída por um povo antiquíssimo e civilizado, de que já não temos notícia, existindo somente aqueles vestígios.

“Tem nela sete praças, e é claro que dali lhe venha o nome de Sete Cidades, confundindo-se com os das sete praças.

“Oitenta e cinco léguas não me obstaram a ir visitar aquele lugar, onde demorei três dias. A sua vista pitoresca inspirou-me desejos de maior demora, mas…a cidade não fala! Não se move! Mesmo assim faz cismar!”

O incansável austríaco Schwennhagen que estudou aquela maravilha pétrea no ano de 1927 procurou justificar aquela denominação, confeccionando um mapa onde enumerou os conjuntos de afloramentos do atual Parque como 1ª. 2ª, 3ª…7ª cidades. Entretanto, o pesquisador europeu percebeu que o número verdadeiro de conjuntos de afloramentos rochosos com descontinuidade entre si era maior do que as sete “cidades” da lenda medieval. O que fez ele então? Procurou separar aqueles conjuntos de afloramentos que ele não julgava “cidades de pedra’, surgindo assim, além das sete “cidades”, também “muralhas”, “tanques’, “fortalezas”, etc. Em suma, há mais conjuntos de afloramentos do que os tradicionais sete.

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PLANTA DAS SETE CIDADES INDIVIDUALIZADAS, SEGUNDO SCHWENNHAGEN (1928).

Eis aí a origem do nome Sete Cidades para os afloramentos rochosos do Piauí. Uma herança confusa da Idade Média que foi adaptada pelos primeiros colonos do norte do Piauí para suas fantásticas e bizarras “cidades” de pedra, que na verdade não são propriamente sete!