Buriti do Sobrado: conheça a fascinante história do místico e lendário Sobrado Velho

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Distante 25 km da sede do município de Castelo do Piauí, a região do povoado Buriti do Sobrado apresenta belezas naturais ainda inexploradas, uma rica vegetação, formações rochosas de variadas formas e tamanhos, cachoeiras, o final do cânion do rio Poti (Pedalta), currais e um sobrado de pedra edificado pelos escravos à época do Brasil-Colônia, que serviu como núcleo de povoamento na expansão das fazendas de gado da então província do Piauí, além dos muitos mitos, lendas, “causos” e histórias ainda desconhecidos.

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PALMEIRAS DE BURITI, ÁRVORE QUE DEU NOME AO LUGAR

Contam os mais antigos moradores da região do povoado Buriti do Sobrado que o lugar possui esse nome por causa das muitas palmeiras de Buriti (http://pt.wikipedia.org/wiki/Buriti) e de uma edificação antiga construída pelos escravos que remonta à época colonial e servia de sede da fazenda no período de expansão da pecuária extensiva no Nordeste brasileiro. Seria o lugar uma filial da Casa da Torre?

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FOTO DA PAREDE ANTERIOR DO SOBRADO DE PEDRA, TIRADA EM MARÇO DE 2009 QUANDO ESTE LOCAL AINDA ERA ACESSÍVEL; HOJE SE ENCONTRA TOMADO PELA MATA.

Com uma arquitetura colonial marcante, o Sobrado Velho se destaca imponente em meio a uma vegetação fechada, com arcadas, torres imponentes, salas grandes e muitos quartos, paredes robustas erguidas com enormes blocos de rocha. O piso era em ladrilho com o mesmo estilo das construções portuguesas antigas e o telhado feito com telhas grandes e resistentes. O que se pode perceber é que houve sim trabalho escravo pela estrutura das paredes e o grande trabalho deve ter dado para ser concluído.

Segundo Estevão Alves Mineiro, que é descendente de umas das famílias mais antigas da região, um dos últimos donos do Sobrado Velho foi o coronel Irineu Gomes Côrrea, senhor de posse que tinha muito gado na região circunvizinha, conhecido por coronel Zizuíno.

Mas há muitas histórias e lendas que circundam o imaginário popular local, como a de que no sobrado havia rei e muitos súditos, um dos que a história oral não apagou foi o Rei Jhelis. Segundo o historiador Paulo Clímaco, nas tribos africanas era comum os líderes serem chamados de reis, e como o local tinha muitos escravos, possivelmente tinha um rei descendente de sua pátria mãe.

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FOTO DO ESCRAVO TOMAZ ALVES, QUE VIVEU 104 ANOS NA REGIÃO DA FAZENDA MANSINHO. NASCEU NA VIGÊNCIA DA LEI DO VENTRE LIVRE, SENDO, PORTANTO, FILHO DE ESCRAVO MAS LIVRE DE DIREITO. NA REALIDADE ESSA LIBERDADE NÃO EXISTIA, POIS ELE NÃO TINHA PARA ONDE IR, TENDO QUE PERMANECER NA FAZENDA AJUDANDO SEUS PAIS NA LIDA DIÁRIA. IMAGEM: FAMÍLIA ROCHA NONATO.

Acrescentou ainda o historiador que pelas características arquitetônicas o sobrado se assemelha muito com a casa da pólvora da então capital da província do Piauí, e que possivelmente Zizuíno seria de Oeiras, como apontam os relatos dos moradores mais antigos da região.

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RUÍNAS DAS PAREDES INTERNAS DO SOBRADO VELHO

  • CORONEL ZIZUÍNO “O PERVERSO” 

No Sobrado Velho, residência do coronel Zizuíno, uma negra de nome Virgínia trabalhava como mucama para a família. Quando o coronel a viu pela primeira vez encantou-se logo pela beleza da negra. A partir de então começou o calvário da pobre moça com as perseguições de temido coronel, que queria possuí-la de qualquer jeito.

Um dia quando estava sozinha em casa arrumando as coisas e sem a presença da sinhá, Virgínia foi surpreendida com uma tentativa do coronel em agarrá-la tentando beijá-la. Astuta, a negra conseguiu escapar. Enfurecido Zizuíno correu atrás da mucama indefesa que, não tendo outra opção, se jogou do alto da janela do sobrado, caindo e machucando a coluna sem ter condições de se levantar, ficando paralítica para o resto de sua vida. Mesmo sem ter condições de andar novamente a mucama teve um sentimento de alívio por não ter sido possuída pelo coronel perverso.

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JANELA DO ANTIGO SOBRADO DE PEDRAS, DE ONDE A ESCRAVA VIRGÍNIA TERIA SE ATIRADO PARA FUGIR DAS INVESTIDAS DO CORONEL ZIZUÍNO, “O PERVERSO”.

  • LENDA DA SANTA DAS PEDRAS

Um dia uma escrava que vigiava a criação de bodes para que não fossem atacados por onças, encontrou no meio da vegetação e pedregulhos na região entre o atual Buriti do sobrado e Juazeiro do Piauí, uma imagem de uma santa muito parecida com imagens de santo da época do barroco.

A negra a pegou e a beijou colocando em seguida no mesmo lugar, fazendo orações e pedidos de proteção, sendo atendida. A negra, segundo se ouviu falar, era uma escrava que veio da antiga fazenda Pimenta, hoje Juazeiro do Piauí.

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 IMAGEM SACRA ENCONTRADA PELA ESCRAVA

Temendo contar essa história e ser mal interpretada, passando por mentirosa, a jovem decidiu ficar em silêncio. No dia seguinte ela convidou uma amiga para ir até o local e a santa continuava lá. Passados alguns dias a mulher que foi ver a santa com a escrava contou para o rei que morava no Sobrado Velho e juntamente com sua comitiva, o monarca foi averiguar essa informação. Quando todos chegaram ao local, a madona continuava postada lá. Foi aí que então resolveram retirá-la, mas para a surpresa de todos a imagem não saía.

Foram atrás da moça que a viu pela primeira vez e o rei ordenou que ela a pegasse. Obediente, a negra atendeu e pegou a imagem que saiu com estrema facilidade. Trouxeram-na e em seguida ergueram uma pequena capela para a imagem de pedra que passou a ser a santa de devoção da região do Sobrado Velho.

Segundo Raimundo Soares de Sousa, morador da localidade Cachoeirinha, a imagem da santa de pedra permaneceu com a dona Joana, irmã do Gabriel das Lajes. Hoje essa imagem está postada na capela das Lajes e recebe o nome de Nossa Senhora da Piedade.

  • CURRAIS DE PEDRAS

Encravado próximo a um penhasco e a antigas ruínas que os populares chamam também de sobrado e em meio à mata fechada na localidade Santo Antônio dos Gomes, antigo Santo Antônio Velho, estão os currais de pedra. Fortificações feitas com grandes blocos de rocha, utilizando a mão-de-obra escrava, os coronéis mandavam construir para o alojamento do gado.

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PARTE DE CURRAIS AINDA PERSISTEM EM FICAR DE PÉ, APESAR DAS INTERVENÇÕES DO HOMEM E DA PRÓPRIA NATUREZA

Essa prática de currais de pedra era comum nas antigas fazendas de gado do Piauí, iniciadas pelo sertanista Domingos Afonso Mafrense “O Sertão”, sendo o maior fazendeiro da província até então, e pelos Dias D’Ávila, da Casa da Torre da Bahia. A semelhança com esses currais no Santo Antônio dos Gomes é muito grande e ainda hoje vemos paredes em ruínas com mais de um metro de largura dispostas de forma retangular com mais de 20 metros de comprimento com 15 metros de largura. O que chama atenção é que no local tem currais de tamanhos menores ligados ao maior, caracterizando a divisão do rebanho.

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 PARTE DE CURRAIS AINDA PERSISTEM EM FICAR DE PÉ, APESAR DAS INTERVENÇÕES DO HOMEM E DA PRÓPRIA  NATUREZA

Ainda segundo Paulo Clímaco, a distância de uma fazenda para outra seria de uma légua (6 km) para que o rebanho tanto de um fazendeiro como do outro circulasse livremente pela área de pasto e era regra comum seguindo as orientações da carta régia da época. Além disso, não era permitido fazer nenhuma edificação próximo desta área, o que podemos perceber ao visitar a região entre as ruínas dos dois sobrados.

  • MAIS FOTOS

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 PROF. PAULO CLÍMACO FAZENDO ANOTAÇÕES NO QUE SERIA A PARTE INTERNA DO SOBRADO ANTIGO (FOTO DE  MARÇO DE 2009).

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 PARTE INTERNA DO SOBRADO DE PEDRA (2009).

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 PEDRAS GRANDES E PESADAS LEVANTADAS PELA FORÇA DO TRABALHO ESCRAVO.

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 VISTA FRONTAL DO SOBRADO, EM FOTO DE MARÇO DE 2009.

Matéria publicada originalmente no Portal CDP, de Castelo do Piauí.

Fontes: Paulo Clímaco Alves, Raimundo Soares de Sousa, Antônio Gomes, Estevão Mineiro, Projeto Conheça Minha Comunidade, do professor Antônio José, Manoel Gomes Milanez e Robson Lima.