Moto contínuo made in Piauí

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Um sonho fantástico persegue mentes obcecadas há séculos: a construção de uma máquina de movimento perpétuo, ou seja, produz energia sem combustível, uma vez dada a sua partida! Quantas pessoas simples ou cultas, mecânicos, cientistas, químicos, filósofos e outras, terminaram seus dias enlouquecidos ou na miséria ante projeto tão grandioso e mirabolante…

Consta que o primeiro cientista a inventar um moto-contínuo seria o indiano Bhaskara Akaria (1114-1185), no século XI dC. Era uma roda com recipientes de mercúrios ao longo da borda. Uma vez acionada a roda, ela giraria perpetuamente pelo peso dos recipientes com mercúrio.

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A RODA DE BHASKARA. REPRODUÇÃO. 

O que seria das companhias petrolíferas, das companhias de eletricidade, dos postos de combustível, das centrais nucleares… As pessoas teriam em sua casa, sítio ou no condomínio máquinas que trabalhariam continuamente sem necessidade de eletricidade ou óleo combustível; sem pilhas ou sem bateria; sem vento ou energia solar… A sua geladeira se desmancharia em ferrugem ou suas peças se carcomeriam… Mas você não teria que renovar consumo de energia… Seria o paraíso para as indústrias… E talvez para os consumidores. Seria o fim do racionamento e dos apagões…

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OUTRO MOTO-CONTÍNUO DA ANTIGUIDADE. FONTE: roberto-furnari.blogspot.com275 

Mas, infelizmente, nenhum dos loucos ou visionários ao longo dos últimos séculos conseguiu ainda a máquina fantástica, o Moto-Contínuo. Mas nem o fracasso maciço de antecessores parece desestimular os predecessores, pois os superidealistas continuam neste fantástico e inalcançável labor. E note-se que a maioria absoluta não tem conhecimento de outros idealizadores, pretéritos ou atuais. Parece ser um sonho, que atinge a muitos de maneira independente. Alguns chegam mesmo a ser analfabetos… Trabalhariam por inspiração divina?

Assim, ao longo de séculos algumas centenas de cientistas ou curiosos vêm tentando criar uma máquina de energia perpétua, ou seja, que funciona sem energia, uma vez dada a partida. Isso, segundo os cientistas, viola as leis da física. Muitas pessoas chegaram à ruína psíquica e financeira tentando construir o Moto-Contínuo, das mais diversas formas.  Vale salientar que a maioria dos sonhadores da máquina de movimento perpétuo são definidos discretamente pelos cientistas como ligeiramente loucos.

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MOINHO DE CICLO FECHADO, DE ROBERT FLUDD, 1618. REPRODUÇÃO.

O tema é nos dias de hoje tratado de maneira tão ridicularizada, que matéria do gênero está num site de humor de ciência, ao lado de outras invenções curiosas e ridículas como uma máquina chutador de bunda, patenteada nos Estados Unidos em 2006.  Um Moto-contínuo de primeira espécie é uma máquina de movimento perpétuo que viola a Primeira Lei da Termodinâmica, fornecendo ao exterior mais energia (sob a forma de trabalho ou calor) do que aquela que consome.

No filme brasileiro Kenoma (1998), de Eliane Kaffé (n. 1961), o ator José Dumont (n. 1950) interpreta um sonhador, Lineu, que também quer construir seu Moto-Perpétuo.

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O MOTO CONTÍNUO DO FILME BRASILEIRO KENOMA. FONTE: http://www.filmologia.com.br/?page_id=1495

Uma tentativa relativamente recente foi feita no vizinho estado do Maranhão, precisamente na deltaica Ilha Canárias, nos anos 2000. Ali o maranhense Pedro Oliveira Costa, mecânico autodidata tentou realizar um sonho antigo, de construir um motor de funcionamento ininterrupto, sem fonte de energia. Dizem que na época o inventor conseguiu até convencer a Prefeitura Municipal de Araioses, a qual a Ilha Canárias está subordinada, com a ajuda de custo de R$ 30 mil para o seu ambicioso projeto.

Isolada do mundo, a Ilha Canárias possuia apenas na épocas um gerador que fornece apenas algumas horas de energia durante a noite.

O sistema do inventor Costa funciona com a força da água, armazenada numa caixa com capacidade para quatro mil litros, a 13,5 metros de altura. Um cano de pvc despeja a água sobre a maior da rodas da engenhoca, de 6,5 metros de raio. Aí estaria disparado o mecanismo que faria girar a roda com suas 47 canecas, que podem receber cada uma, 25 litros de água. Carregadas sucessivamente, as canecas fazem a roda girar. 

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O MOTO-CONTÍNUO DA ILHA CANÁRIAS (FOTO: ROBSON FERNANDES). FONTE: http://www.humornaciencia.com.br/invencoes/perpetuo.htm

As canecas descem cheias e sobem vazias. Segundo o inventor, a partir de 20 canecas, a roda passa a mover-se sozinha. É aí que começaria o processo de Moto-Contínuo. O processo é complexo e de difícil entendimento. Afinal, estamos falando de algo de uma complexidade quase incompreensível. 

Mas o inventor explica que a energia resultante do processo vai acionar um gerador, e por aí vai…

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O INVENTOR DA ILHA CANÁRIAS, PEDRO COSTA. FOTO: ROBSON FERNANDES. FONTE:  http://www.humornaciencia.com.br/invencoes/perpetuo.htm

Visíveis do porto da ilha, as rodas de Costa de fato parecem saídas da ficção do filme Kenoma. A maior, já pintada de prateado, destaca-se inesperada entre a vegetação e as casas simples dos pescadores. A obra é o orgulho e a esperança dos moradores, os primeiros a acreditar no inventor, talvez desesperados pela gravíssima falta de energia elétrica na ilha. Para tirar a idéia do papel, juntaram entre eles R$ 4 mil. A partir daí a prefeitura resolveu financiar o experimento – se funcionar pode resolver um dos maiores problemas de Araioses, o déficit de energia, fornecida à cidade pelo Piauí. 

Costa levou mais de 15 anos para convencer alguém a financiar o projeto. Ele teve a ideia de criar o Moto-Contínuo em 1983, quando perdeu uma safra de feijão por falta de água. Queria montar um sistema de irrigação alimentado por uma fonte de energia economicamente viável. Petróleo ou eletricidade convencional eram muito caros. Começou então a desenvolver seu modelo, com a ajuda de físicos, matemáticos e professores universitários, consultados quando havia chance.

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PARTE DAS ENGRENAGENS DO MOTO-CONTÍNUO DA ILHA CANÁRIAS. FOTO: ROBSON FERNANDES. FONTE: http://www.humornaciencia.com.br/invencoes/perpetuo.htm

O inventor diz ter estudado os erros e acertos dos inventores que já tentaram desenvolver o aparelho fantástico ao longo da História, e por isso acredita que agora vai funcionar. No seu material de pesquisa Costa guarda um desenho de um dos primeiros modelos de Moto-Contínuo da antiguidade, desenvolvido há 400 anos.

É a invenção mais pesquisada do mundo inteiro, diz o inventor. Mas os antigos nunca conseguiram porque não existia o que existe hoje. A bomba hidráulica, por exemplo, segundo o inventor. O que era o mundo há 400 anos?

Antes de executar a obra de Canárias, Costa produziu pequenos protótipos, para demonstrar o princípio, com rodas de no máximo 3,60 metros de diâmetro. Ele conseguiu colocar as miniaturas em funcionamento, mas nenhuma gerou energia. Não deram força porque eram pequenas justifica. Não dá para usar a mesma alavanca para levantar um fusca e uma carreta, argumenta. 

O segredo de sua Máquina de Movimento Perpétuo, segundo o autor, é justamente a dimensão do sistema. Usando a força da alavanca e da gravidade com uma roda de raio tão grande nunca tentaram, garante. Se o experimento der certo, ele pretende partir para proporções ainda maiores. 

O inventor diz ter pedido um gerador de 120 KWAs, segundo ele, suficiente para abastecer as 300 casas da ilha, a mais populosa do Delta do Parnaíba, com quase 2 mil habitantes. 

Nós passamos alguns meses nesta ilha sete anos antes do início da construção da pretensa Máquina de Energia Perpétua. A ilha Canárias é pobre, não tem rochas, só areia e dunas. A população vive exclusivamente de pesca e pequenas plantações. É um lugar selvagem e impoluto, mas no lugarejo Caiçara há nuvens de insetos que nos lembram as pragas bíblicas. Quem não estiver protegido com roupas adequadas, é incomodamente picado centenas de vezes. Não há locais adequadas para banhos .Não obstante, recentemente foi construído um hotel na ilha para incrementar o turismo.

Retroagindo no tempo, ao que se sabe o primeiro piauiense a tentar construir um destes aparelhos fantásticos foi o revolucionário e intelectual Leonardo de Carvalho Castelo Branco (1789-1873), que posteriormente adotou o nome de Leonardo da Nossa senhora das Dores Castelo Branco. Este ilustre piauiense, de família tradicional, nasceu na fazenda Taboca, pertencente na época à Vila de São João da Parnaíba, depois Vila de Nossa Senhora da Conceição de Barros e hoje pertencente ao município de Esperantina.

Homem de cultura autodidata e certa erudição, aprendeu o latim, geografia, física, mecânica e astronomia. Liberal, fervoroso católico, aventureiro e revolucionário, envolveu-se no movimento político da Guerra da Independência (1822-1823) e na Confederação do Equador (1824). 

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LEONARDO NO BICO DE PENA. FONTE: http://www.youblisher.com/

Poeta e escritor deixou para a posteridade inúmeras obras como o poema filosófico O Ímpio Confundido (1835) e o poema científico A Criação Universal…,  entre outros.

Arremedo de gênio científico que nos lembra ligeiramente o célebre Leonardo da Vinci (1452-1519), Castelo Branco agitou a Província e o Governo Imperial para conseguir proventos para seus mirabolantes e muitas vezes incompreendidos projetos científicos. Eram, em geral, muito avançados para época, geralmente envolvendo a mecânica.

Por volta de 1850 construiu um barco de rodas impelido por propulsores mecânicos, experimentado com sucesso no rio Parnaíba. Havia também um cavalo mecânico (?) para facilitar suas andanças; um motor para navegação fluvial e um pilão movido a mãos por uma máquina de madeira. Não sabemos se chegou a funcionar.

Mas a obsessão de Leonardo era mesmo a construção de um fantástico Moto-Contínuo. Escanteado por uns e outros, que o consideravam socialmente na faixa de excêntrico a louco, o ilustre cientista dedicou os últimos anos de sua tumultuada vida a construir essa máquina misteriosa. Diz Valdemir Miranda (Cadernos de Teresina-1994):

Não se entende perfeitamente o que seria o moto-contínuo de Leonardo. Alguns afirmam tratar-se de um mecanismo que disparado sobre a matéria em estado de repouso, sairia do estado de inércia sem desprender energia. O que é impossível pelas leis físicas.

No seu A Criação Universal, Leonardo já manifestava a lástima de não conseguir construir sua estranha máquina e nem publicar seu tratado de astronomia, principalmente em decorrência da ausência de auxílio oficial:

Estes meus obtidos conhecimentos, desenvolvidos em uma obra mechanico-astronômico, em cuja composição gastei muitos anos, que foram outros tantos de assíduos estudos, me habilitaram a inventar várias máquinas interessantes: mas, nem esta, nem a impressão daquela obra pude realizar por meios próprios e de proteção alheia que em vão tenho solicitado. Eu disto não me admiro; pois não tenho condiscípulos, nem mestres que me abonem…

No prefácio do seu gigantesco poema A Criação Universal, Descrita Poética e Filosoficamente, Poema Dividido em Seis Cantos, Segundo a Ordem da Criação Relatada no Gênesis, com seus 4247 versos e inúmeras notas explicativas, Castelo Branco se referiu ao seu ignoto livro sobre mecânica e astronomia, o qual parece nunca publicou. O que é uma pena. Astronomia e Mecânica Leonardina teria consumido muitos anos de pesquisa, segundo o escritor piauiense Lucídio Freitas (1894-1921).   Talvez a obra pudesse nos explicar melhor e com detalhes em que consistia a máquina fantástica.

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PRIMEIRA PÁGINA DO POEMA “A CRIAÇÃO UNIVERSAL”.

O historiador pernambucano Pereira da Costa (1851-1923) assim nos narrou um pouco da saga e dos infortúnios do cientista piauiense com relação ao Moto-Contínuo:

Preocupado sempre com essa ideia fixa, ele procura aprofundar seus conhecimentos científicos, e com esse intuito deixa o Piauí, demora-se algum tempo no Maranhão, e em 1833 segue para Lisboa. Aí reside algum tempo, habitando na casa do conselheiro Drumond, ministro brasileiro naquela corte. Desse diplomata era amigo íntimo.

 E mais adiante:

Fatigado e sem nada conseguir, regressa Leonardo Castelo Branco para o Piauí em 1850, mas, preocupado sempre com a sua ideia, encaminha-se logo no ano seguinte para o Maranhão, a fim de promover a construção de sua máquina, já então obedecendo o seu plano a novas orientações, a novos moldes. Parte depois para a Bahia, e consumidos dois anos de um trabalho de negativos resultados, segue enfim para o Rio de Janeiro, onde, graças ao prestígio e animação do imperador Don Pedro II, obteve tudo quanto podia depender do governo para a construção de sua máquina. No Arsenal da Marinha, por exemplo, encontrou ele tudo de que precisava, mas, como sempre, malograram-se as suas tentativas.

Leonardo Castelo Branco retornou… velho, alquebrado e empobrecido  ao Piauí em 1859, sem nunca ter deixado de ter em mente seu projeto do Moto-Contínuo. Para tal, requereu à Assembleia Provincial um empréstimo de 5 mil réis para por em prática a construção de uma barca destinada a navegar no Rio Parnaíba. Em 1849 o poder público da Província do Piauí já o tinha atendido em financiamento vultoso para seus engenhos. Entretanto, desta vez, já decrépito e desacreditado, não conseguiu o dinheiro.

Dizem que ao falecer, em 12 de junho de 1873, com a idade avançada de 85 anos incompletos, já teria concluído uma enorme máquina de madeira e metal, que seria o seu tão sonhado Moto-Contínuo. Suas invenções e pesquisas consumiram todo o seu patrimônio, o que o levou a morrer na miséria e, possivelmente, ligeiramente louco.

Ignora-se tudo a respeito desta máquina, sua funcionalidade, seus planos, instruções e o seu fim. O protótipo desapareceu de vez, talvez nas mãos de pessoas inabilitadas em conhecimentos científicos e mecânicos.

Assim o historiador campo-maiorense Monsenhor Joaquim Chaves (1913-2007) resumiu toda a obra pseudo-científica de Castelo Branco:

Para a ciência propriamente dita, sua obra não trouxe qualquer contribuição. Mas, por ser obra de um homem nascido e criado numa das mais rústicas Províncias do Norte do Império, é de reconhecer-se que ele se superou a si próprio e honrou a terra natal.

Ao longo de séculos algumas centenas de cientistas ou curiosos vêm tentando criar uma máquina de energia perpétua, ou seja, que funciona sem energia, uma vez dada a partida. Isso, segundo os cientistas, viola as leis da física. Muitas pessoas chegaram à ruína psíquica e financeira tentando construir o Moto-Contínuo, das mais diversas formas. 

Mais de 120 anos se passaram desde o falecimento de Leonardo e do seu sonhado Moto-Contínuo, quando tivemos notícia de outra desta mirabolante geringonça. È evidente que não acreditamos que neste longo hiato temporal ninguém tenha tentado feito semelhante no nosso Estado. Mas o que nos propomos a descrever é algo que presenciamos. 

Em 1996 soubemos de um amigo que certo cidadão havia procurado uma professora de arqueologia da Universidade Federal do Piauí no intuito de que ela lhe fornecesse indicações sobre uma determinada pintura rupestre do Parque Nacional de Sete Cidades.

O caso era o seguinte: o dito cidadão, residente em Teresina estava construindo uma destas máquinas de energia contínua. Para o seu término, faltava apenas uma peça. E o seu autor não a conseguia idealizar. Ao assistir um material de propaganda de Sete Cidades na televisão, o rapaz ficou obcecado por uma pintura rupestre a qual, segundo ele, seria o esboço da peça mecânica que faltava para seu Moto-Contínuo. Ou seja, a peça estava representada, sabe-se lá como, na antiquíssima arte parietal de Sete Cidades…

Achamos o caso pelo menos muito curioso. Afinal, nós nunca havíamos nos deparado com um construtor ou com uma suposta Máquina de Movimento Perpétuo. Assim, nos deslocamos até o bairro popular onde residia o mecânico, ao qual passaremos a chamar de José, nome fictício. Para lá nos dirigimos acompanhados de amigos pesquisadores.

Chegamos então na modesta casa do Sr. José. Este, na época, nos aparentava uma pessoa de 45 anos, mecânico de profissão, magro, esquisito, cheio de traquejos e tagarela.

Explicamos que conhecíamos todas as pinturas de Sete Cidades e que talvez o pudéssemos ajudar na sua busca. Para tal havíamos levado um álbum com todas as fotos de pinturas rupestres do Parque Nacional.

O dono da casa se mostrou muito agradecido e receptivo e, após alguns momentos observando as fotografias, identificou a que tanto procurava para seu labor. Trata-se de uma estrela de seis pontas da Pedra da Inscrição, na Quinta Cidade. No nosso livro Enigmas de Sete Cidades (1995) nós a havíamos identificado com uma simbologia solsticial-equinocial.

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A ESTRELA DE SEIS PONTAS DESENHADA NO PARQUE DE SETE CIDADES-PI ERA A “PEÇA” QUE FALTAVA AO MOTO CONTÍNUO DO SR. JOSÉ.

Após observar a foto, José nos contou que aquela pintura era um modelo de uma peça que deveria confeccionar em metal para completar sua estranha máquina. Esta, como sempre, seria uma engenhoca que funcionaria perpetuamente sem combustível, ou seja, o chamado Moto-Contínuo.

 Eu agora vou levar vocês para conhecer a máquina. – Nos disse orgulhoso o nosso anfitrião.

Imaginava-nos encontrar num cômodo da casa uma máquina enorme, repleta de peças, engrenagens, chapas, tubos e fios.

Na verdade, a máquina estava sobre a mesa da cozinha, não possuindo mais do que uns 20 centímetros de altura e, no máximo, 30 centímetros de diâmetro. O peso seria talvez de dois quilos. Era composta por uma estrutura metálica, com peças coladas com massa epóxi, onde se destacavam engrenagens e parafusos em três estratos, que giravam ao se rodar uma manivela lateral…Muito esquisito mesmo…

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 O MOTO-CONTÍNUO DO SR. JOSÉ.

Estou querendo anular a força da gravidade e construir esta máquina que acabará com a dependência de combustível ou de energia elétrica. Cada casa terá uma destas para geração de eletricidade. E cada eletrodoméstico já terá a sua acoplada. Também os carros funcionariam com minha máquina, sem nunca precisar abastecer. – Nos disse com autoridade e altivez seu José.

Cá entre nos pensamos profundamente noutra coisa. Até que a humanidade absorvesse um invento tão fantástico, em caso de ser praticável, teríamos desemprego em massa: petroleiros, frentistas, eletricitários…

Durante muito tempo ouvimos pacientemente as confusas e pseudo-técnicas explicações do Sr. José sobre o funcionamento de sua máquina. Não podemos negar que não entendemos absolutamente nada…

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 O SR. JOSÉ NOS MOSTRA COMO FUNCIONARIA A  GERINGONÇA.

Ficamos um tanto quanto decepcionados quando ouvimos dele a fonte de inspiração do seu Moto-Contínuo:

Recebi estas informações dum povo de outro planeta. – Nos disse.

De que planeta?- Quisemos saber.

Eu tenho um sítio em Timon, aqui vizinho no Maranhão. E lá eles aparecem de vez em quando. Descem da nave e ficam rodando em círculo, de mãos dadas, e eu no centro.

De repente, o Sr José é tomado de um sobressalto e interrompe o que nos relatava, dando em si próprio um tapinha no rosto e sorri desolado dizendo:

É sempre assim, quando começo a falar neles dá um branco e esqueço o que falava. São eles que fazem isso. Parece que eles não querem que eu conte nada pra ninguém.

 O Sr. estava nos dizendo que o seu conhecimento vem das estrelas, dos Ets.- Dissemos.

Ah! Sim, é isso mesmo. Foram eles que me iluminaram para construir a máquina e ajudar a humanidade, reduzindo a dependência de energia e combustível. Agora eu fico muito ruim quando eles me visitam ali em Timon, porque é muita luz, muita zona que eles fazem ao meu redor.

E é só o Sr. que os vê em seu sítio?- Indagamos.

Novamente vem o lapso do Sr. José. Franze a testa, cerra os olhos, dá um tapinha na testa e um sorriso de resignação.

Apagou de novo. – Nos disse o inventor.

Na nossa entrevista, de umas duas horas, ele apagou uma quatro vezes…

Agora, eu recebi alguns poderes dos Ets. Um deles eu posso mostrar pra vocês. – Nos disse o mecânico.

Gostaríamos muito de conhecer tais habilidades. – Respondemos.

Na mesma mesa em que estava a pequena geringonça, o Sr. José colocou um isqueiro comum e um canudinho plástico sobre o mesmo, de maneira perpendicular. Concentrou-se, esfregou a cabeça e moveu as mãos ao redor das extremidades do canudinho, que passou a se mover acompanhando o ritmo de suas mãos. Estas sempre eram mantidas a uns 10 centímetros do objeto movido.

Agora vou chamar meu filho mais novo, para ele fazer o mesmo. Disse o Sr. José.

O mecânico chamou então o garoto, de uns 8 anos de idade até a cozinha onde estávamos.

Da mesma maneira que o pai fez o canudo girar sobre o isqueiro, sem tocá-lo, apenas com os giros das mãos ao redor do canudinho de plástico.

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O GAROTO FAZ GIRAR UM CANUDINHO SEM TOCÁ-LO.

Este fenômeno eletrostático, que não tem nada de paranormal, de modo algum nos impressionou, mas não o dissemos ao Sr. José.

E o que mais o Sr. tem de poderes extraterrestre?- Indagamos.

Ah! Eu curo qualquer tipo de dor. Outro dia curei uma velhinha que tava torta de tanta dor na coluna. Ela saiu daqui de casa dançando lambada… – Nos disse com ânimo nosso anfitrião.

Nossa amiga que nos acompanhava disse então ao mecânico:

Estou com uma dor na coluna que se reflete na perna. O Sr. poderia dar um jeito?

O Sr. José ficou um tanto quanto constrangido com o súbito pedido e retrucou:

Eu esqueci de dizer pra vocês que eu só posso curar quem tiver o meu tipo de sangue, o A. Foi assim que os meus amiguinhos do espaço decidiram.

Pois o meu sangue é exatamente o tipo A. – Respondeu taxativamente nossa amiga.

Teve início então a cura espiritual, digo, extraterrestre. Nossa amiga ficou estática, no meio da sala, com a mão esquerda levantada, enquanto nosso amigo José a circundava, descarregando nela energias positivas. Ora se concentrava esfregando as próprias têmporas, ora apontava o braço para nossa amiga. Depois de muitos movimentos e concentração, cessou o tratamento.

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A TENTATIVA DE CURA “EXTRATERRESTRE”.

A Sra. está se sentindo melhor?– Perguntou José à nossa amiga.

Nem um pouco. Continuo sentindo dores na coluna. – Respondeu a moça sem esconder sua decepção com o tratamento.

Com um ar de derrotado, o Sr. José tentou nos explicar que naquele dia não estava com carrego suficiente.

E aí encerramos a visita ao mecânico José, mais um infausto construtor do fabuloso moto-contínuo. Sonhos e ilusões não faltam aos humanos… O problema é quando se indiferencia o limite entre realidade e fantasia…

As desilusões e a impossibilidade demonstrada ao longo dos séculos não puseram fim aos sonhadores de uma fonte de energia inacabável. Sabemos que a maioria esmagadora acabou seus dias loucos e/ou na mais extrema miséria.

Loucura ou excentricidade à parte, pelo menos o objetivo destes idealistas fantasiosos é o progresso, através de uma máquina que libertaria a humanidade da dependência energética… Que continuem os sonhos… Quem sabe algum dia alguém acerte…                     

Fontes:

Castelo Branco, Leonardo das Dores. Criação Universal. Século XIX, S/D.

-Castelo Branco, Leonardo das Dores. O Ímpio Confundido; Typografia S. de Bulhões; Lisboa, 1835.

-Chaves, Mons. Joaquim. Apontamentos Biográficos e Outros. Fundação MonsenhorL Chaves; Teresina, 1994.

-Costa, Francisco Augusto Pereira da. Cronologia do Estado do Piauí. 2 vols. Editora Artenova, 1974.

-Miranda, Waldemir. Leonardo de N. S. das Dores Castelo Branco, in Cadernos de Teresina, Agosto 1994