A Pré-história dos municípios do norte do Piauí é muito rica, notadamente na arte rupestre. Piripiri, Piracuruca, Caxingó, Pedro II e Capitão de Campos, são os principais polos.
No local Catarina, em Piracuruca, um agricultor descobriu há alguns anos uma estranha estatueta, que ficou conhecida como “Pedra do Macaco”, pela grosseira semelhança com um símio. Não sabemos as circunstâncias da descoberta. É uma rocha maciça, densa, já bastante escurecida e polida pela ação do tempo, com alto conteúdo ferruginoso inclusive com algumas concreções cimentadas naturalmente. As imagens foram divulgadas neste portal em sua primeira fase.
O fato é que um comerciante de nome Manoel Filho Adquiriu a estranha peça de um agricultor das cercanias. O caboclo diz que achou a peça durante uma caçada nas proximidades da porção norte do Parque Nacional de Sete Cidades, que fica perto de Piracuruca. Porém por algum motivo nunca mais foi visto no comércio de Sr. Manoel. Talvez tivesse ficado com medo de vazar a informação de que estivera caçando, e ainda próximo ao Parque. Especulou-se até que a peça teria sido encontrada nos domínios da Unidade de Conservação Federal.
Hoje nós não temos nenhuma dúvida de que se trata de uma peça pré-cabralina muito antiga. É uma “escultura” humanoide e de feições grotescas. Porém se delineia facilmente o rosto, com testa, nariz, olhos e boca. Talvez não quisessem representar uma feição bem estética, mas o rosto é humano e não símio. Possui um alongado corpo de animal quadrúpede.
Na iconografia lendária do antigo Egito os híbridos geralmente eram representados o contrário da “Pedra do Macaco”, pois a cabeça era de animal e o corpo humano. Na mitologia assíria, o Touro Alado era um ser fantástico com corpo bovino, asas e cabeça humana.
A mitologia grego-romana era uma das mais ricas no tocante a fantásticos seres híbridos, homem-animal. Os centauros eram seres mitológicos híbridos com cabeça, braços e dorso de um ser humano e com corpo e pernas de cavalo, muito presente nas lendas e narrativas gregas. Os sátiros eram fantásticos seres com o corpo metade humano e metade de bodes. Os romanos, que herdaram a cultura e mitologia grega, os chamavam de faunos.
As assustadoras harpias eram um misto de aves com cabeça humana. O terrível Minotauro povoava o imaginário greco-cretense, romano e etrusco. A Esfinge é uma imagem de um leão estendido com a cabeça de um falcão ou de uma pessoa, inventada pelos egípcios do império antigo também presente na mitologia grega.
A estatueta se apresenta claramente como um ser híbrido, com corpo animal quadrúpede, que parece ter sido esculpido em posição de repouso, como define bem a imagem abaixo.
Sendo uma peça pré-colombiana substanciaria o pensamento de que nossos antepassados indígenas eram mais desenvolvidos do que se supõe? Uma obra de antigas civilizações que por aqui passou? Lamentavelmente não sabemos as circunstâncias exatas de seu achado. Estava enterrada? Em alguma furna? Num riacho? Foi encontrada durante as práticas agrícolas? Não sabemos, pois o agricultor que a encontrou não apareceu mais onde frequentava em Piracuruca.
O que sabemos é que povos antigos aqui no Brasil, muito antes da chegada dos portugueses já faziam esculturas, algumas incrivelmente complexas e inexplicáveis, como a coleção de cachimbos pré-históricos do Museu do Crato (Ceará), incontestavelmente pré-colombiana, que mostra feições humanas ostentando fartas barbas, o que elimina a hipótese de serem indígenas.
As peças, bem torneadas, foram descobertas há muito tempo em Pernambuco e sul do Ceará durante obras de construção de rodovias e açudes. Certamente não eram indígenas. Que povo era aquele? O mesmo da Pedra do Macaco? De onde vieram? Como desapareceram? Para algumas poucas pessoas que tiveram a oportunidade de conhecer os cachimbos mistérios do Crato, a arte parece ser andina ou até de civilizações de outros continentes.
J. de Figueiredo (1904-1973), no seu artigo Influência incaica no Nordeste, publicado no jornal cearense O POVO (26/27 janeiro de 1963) assim descreve os achados:
“Há no Museu do Instituto Cultural do Cariri, sediado em Crato, duas peças que têm chamado a atenção de todos os visitantes de certo nível cultural. Uma delas é um cachimbo, bem trabalhado, com desenhos curvos, esmeradamente entalhados, tudo fazendo lembrar imediatamente a arte incaica. A sua parte posterior dá a impressão exata de cabeça humana, meio monstruosa, muito comum nas ilustrações de revistas que se referem à antiga civilização que dominou o Peru até a conquista espanhola. Foram os cassacos, como são chamados trabalhadores das obras do governo, que acharam nas escavações de estrada de rodagem, na ladeira da Gameleira, perto de Exu, em Pernambuco.”
O artista plástico cearense Estrigas, pseudônimo de Nilo Firmeza (1919-2013), que cita Figueiredo, também ficou impressionado com os cachimbos e escreveu sobre a imagem anterior na sua obra Arte-aspectos pré-históricos no Ceará:
Este cachimbo, um dos mais bem executados, apresenta em si, trabalhada no barro, uma cabeça humana masculina muito bem proporcionada e da qual os traços fisionômicos, porém muito mais próximos da raça branca do que da indígena.
A seguir Estrigas faz uma longa e minuciosa descrição da peça, nos seus mínimos detalhes, ele um perito em arte, nascido em 1919 e falecido em 2013 aos 91 anos de idade! Diz o artista sobre o rosto modelado no cachimbo:
Este relevo põe uma barba cujas extremidades dividem-se em ramos que vão se dilatando e, finalmente, fecham-se se concluindo em ponta e cobrem o queixo, parte do resto da mandíbula e abrangendo, além disso, todo o espaço próprio do pescoço.
Habilíssimo pintor e escultor, conhecedor de fisionomias humanas, Estrigas viu naquela estranha arte influência externa:
Provieram esses cachimbos de diferentes locais do Ceará, às vezes bem distantes uns dos outros, como é o caso do de maior tamanho, cujos traços fisionômicos da figura assemelham-se muito aos dos primitivos habitantes mexicanos, encontrado em Campos Sales, enquanto outros foram recolhidos em Messejana, Parangaba e Maranguape, lugares relativamente próximos entre si.
Finalmente, após discorrer sobre a relação entre os cachimbos e os astecas e incas, conclui Estrigas:
Os exemplares encontrados poderiam ter sido executados aqui mesmo ou trazidos de outras regiões por povos para quem esses objetos eram indispensáveis. No primeiro caso, como eles parecem ser fruto de um povo mais adiantado, deve haver, perdido no Ceará, algo mais pertencente ao mesmo grupo humano. Se, no segundo caso, eram objetos indispensáveis e foram trazidos de outras regiões, não se explica bem que eles tenham sido deixados por aqui. Perdidos? Objetos indispensáveis não se perdem assim. Teriam seus donos sido dizimados por outros povos ou doenças? Neste caso seus restos deveriam ter sido encontrados nos locais dos achados. Ou sairiam apenas apressados demais para poderem juntar tudo? Ora, eles foram encontrados em regiões diversas, às vezes uma bem longe da outra, não sendo viável, portanto, a hipótese de dizimação ou fuga precipitada atuando como fator de abandono desses objetos nos diferentes locais.”
Ao longo dos últimos 300 anos têm sido descobertas inúmeras estatuetas que mostram vestígios de civilizações misteriosas no território brasileira. Mas a Arqueologia Ortodoxa, convencional, quando não se consegue mais encontrar as peças, é porque eram inventos; quando se encontram, duas soluções: a primeira é procurar desmistificar, jogar no domínio dos embustes; a segunda solução é relegar os achados ao esquecimento completo. Se alguém procurar os cachimbos do Crato na internet dificilmente vai achar algo. Quanto a “Pedra do Macaco”, bem, vamos aguardar o futuro…
Referência:
Estrigas. Arte-Aspectos pré-históricos no Ceará. 1989