A trajetória da destemida Cesarina, um ícone da cidade de Cocal-PI
Na região rural do município de Cocal existe uma lenda viva! O nome dela é Cesarina. Contam os moradores mais velhos que esta senhora, atualmente, com mais de 70 anos de idade, tem uma história intrigante. Hoje, é matriarca de uma grande família. Mesmo assim, prefere morar sozinha em sua pequena choupana. O que se sabe é que a senhora tem um currículo invejável. Ainda jovem, resolveu sair da casa de seus pais e construir a sua própria moradia. Com esta decisão, teria sossego dos “infelizes” que lhe arrodeavam. Era destemida – e sem nenhuma ajuda – resolveu construir seu casebre. Do mato, retirou as forquilhas e a palha, e com o barro em abundância, não foi empecilho para a tarefa. Carregou água em uma grande cabaça, colocando em uma “rodia” de pano sobre a cabeça para amassar o barro, e dele, confeccionar as paredes de sua residência. A casa era de taipa. Feita de vara e cipós, cuidadosamente, amarradas e preenchidas com barro. Em poucos dias, a casa estava pronta.
Era vista com admiração pelos moradores do lugar, mas temida. Ninguém se atrevia a pedir lhes para ajudá-la, pois já sabiam a resposta. Ela queria era distância de todos. Sua casa era de chão batido, feita de forquilhas, revertida de barro e coberta com palhas. Não havia trancas, apenas capembas das palmeiras e panos fechava a humilde residência. Acreditava que ninguém se atreveria tentar roubar sua residência. Logo, tinham vários cachorros ferozes, que vigiavam a casa. Poucos moradores da região se atreviam a passar perto daquela casa. Pois, seriam facilmente atacados pelos cães com o apoio da proprietária que não mediria esforços para instigá-los. Sem falar dos palavrões e maldição proferidos pela proprietária. A velha eremita morava sozinha!
Em sua companhia, apenas alguns cachorros, galinhas, porco e nada mais. Os moradores da região evitavam passar de frente a sua residência. Era motivo de xingamento e risco – tanto por parte do ataque dos cachorros como da própria senhora – que era hábil em um facão. Livre e desimpedida, não perdia um forró na região. Encostava-se ao balcão dos bares, junto a outros homens, e aquecia o corpo com a mais genuína das bebidas: Um bom trago de cachaça. De vez em quando, aproveitava a liberdade e saciava seu fogo sexual com algum dos homens da região. Nada que a comprometesse.
Nas redondezas onde morava Cesarina, houviam-se comentários que quando aceitava deitar-se com algum homem que ela mesmo escolhia, fazia lhes dois pedidos: O primeiro é que o homem não se atrevesse a tocar em seus seios; ela alegava que eles pertenciam aos seus filhos; o segundo pedido, é que o cabra não gozasse antes dela. Caso isso acontecesse, poderia transformar o momento de prazer num ataque de fúrias ou até mesmo numa facada. Pois antes do coito, avisava ao pretendente. ____Se gozar antes de mim, arranco o teu saco, Maldito! ___Eram insinuações e palavras que aumentavam a pressão psicológica sobre o homem na hora do coito. A peixeira de Cesarina era colocada, estrategicamente, ao lado do casal. Motivo facilmente entendido. Ela não confiava em ninguém. Alegava que a peixeira era sua companheira fiel.
Destas relações sigilosas; fez com que muitos homens casados a procurassem – no intuito de um coito satisfatório – longe dos olhos das más línguas. Destas relações, algumas gravidezes indesejáveis. Mesmo que praguejasse o “maldito do filho” que se formava em seu ventre.
Ela não fazia esforços de retirá-los. Na noite do parto, ela se virava sozinha. Dias antes, preparava o gume da faca deixando bem amolado. Esterilizava-a, com cachaça, quando sentia a aproximação do momento de parir. As contrações amiudavam. A garrafa ao seu lado tornava-se sua injeção de forças. De longe, ouvia seus gritos de dor e gemidos, que só eram cortados com o choro do bebê, recém-nascido, que era ouvido na madrugada. Com a faca bem afiada, cortava o cordão umbilical, logo após expelir a criança. Amarrava o umbigo do bebê com uma fita especialmente guardada para a ocasião. Encontrava forças nos tragos da cachaça, seu ingrediente para todas as ocasiões. Limpava o menino com alguns trapos de pano e o aconchegava em seu peito, deitado dentro de uma rede.
A terra de chão batido amenizava o cheiro forte do líquido amniótico que penetrava no solo deixando apenas a mancha avermelhada abaixo da rede. Os restos do parto eram jogados para fora, onde os cachorros, prontamente, faziam a faxina. Para sobreviver sozinha, contava com seus cachorros que a auxiliava nas caçadas. Mas agora, não! Era hora de esperar. Muitas vezes, os cachorros traziam para casa alguns animais como: preares, cotias, rabudos, etc, que eram depositados aos pés da nossa heroína. Pareciam saber o que estava acontecendo.
No outro dia, ainda exausta, a guerreira estava de pé. Amamentava o pequeno ser, depositava-o em uma pequena rede de pano grosso e partia para os afazeres domésticos. O tempo foi passando e a prole aumentando. Os maiorzinhos já a auxiliava, nos serviços de casa. Varriam o terreiro, a casa, buscavam água no cacimbão, banhavam os menorzinhos, etc.
Para sustentar a prole, todos os anos, a nossa protagonista roçava uma área de terra para plantar. Cortava o mato – fazia a coivara – cercava e cuidava da plantação donde colheria o feijão e o milho que armazenaria para os períodos posteriores. Caso não houvesse inverno, recorreria aos frutos típicos do sertão como: tucum, côco babaçu, mandacaru, croatá. De vez e outra aproveitava a caça para comerem as iguarias da região como: mambira, cotia, preá, rabudo, peba, e outros animais de pequeno porte.
A família foi crescendo! Inúmeros filhos já habitavam a pequena casa. Sem pai, Cesarina extraia da terra os alimentos necessários para a sobrevivência do grupo. Várias noites deixavam os filhos dormindo em casa e se deslocava mata adentro. Só retornava nos primeiros raios de sol. Em seu cofo de palha – confeccionada com folhas da carnaúba – feitas por ela mesma, trazia inúmeras iguarias. Seriam tratados e salgados para não apodrecer, dariam para alimentar seus filhos por muitos dias. Da roça tirava a mandioca e dela preparava farinha, o beiju, a tapioca, a goma, e muitos confessam que ela destilava uma bebida conhecida como tiquira feita da própria mandioca. Seu trabalho braçal ia desde a colheita até o preparo na casa de farinha. Colhia, arrastava o produto até sua casa, descascava, ralava e torrava até o produto final. Levava semanas. Contava apenas com a ajuda dos filhos maiores. Sua história ainda é relatada na época dos festejos da pequena cidade. Quando moça, descia para os forrós e só voltava quando as festas terminavam. Mas agora é diferente! Tem uma marreca de filhos. Nada que a impedisse.
Nos dias de festa, da padroeira Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira da cidade de |Cocal, preparava os meninos e as meninas, ainda de madrugada; colocava neles, suas melhores roupinhas, penteavam os cabelos da “curuminzada” e vinham para a cidade. O grupo era formado por uma senhora de aproximadamente uns 50 anos de idade e seus dez filhos – além dos cachorros – que a acompanhavam na romaria, deslocando se pela estrada de piçarra rumo ao pequeno município. Eram mais de 15 quilômetros de distância. Paravam de vez em quando para descansarem, quase sempre à sombra das árvores que a encontravam no trajeto. Levava consigo, algumas mudas de roupas, água em cabaças, frito de galinha caipira, e uma garrafa do famoso aguardente de tiquira, que venderia nas barracas dos festejos ou trocaria por alimentos para os menores.
Exímia artesã, levava também cofos, peneiras, abanos, espanadores feitos, caprichosamente, das palhas da carnaúba. Os itens garantiriam a manutenção do grupo na estadia dos festejos. Cena esta que chamava a atenção dos moradores das localidades por onde iam passando. Ao entardecer, entrava na cidadezinha de Cocal e procurava os quiosques de palhas, construídos, estrategicamente, para servir aos visitantes que queriam saciar o cansaço. Nos quiosques, vendiam se de tudo. Desde o café com pães, bolos, comidas e bebidas. Dançavam e bebiam, ao som das vitrolas de disco de vinil. Enquanto isso, os meninos a circundavam meio a distância. Já alcoolizada, tornava-se uma senhora alegre – apesar da grande peixeira que levava na cintura – por debaixo do vestido. Qualquer ofensa seria resolvida na ponta da faca. Não esquecia os pequeninos e com o pouco dinheiro que trazia, ou da venda de suas peças de palha, alimentava os, com tudo que pedissem. A noite chegava e a nossa protagonista não aguentando o ritmo da farra, deitava-se em qualquer calçada. Os pequeninos se aproximavam e dali amontoava-se em torno da senhora. Meio ao frio, dormia serenamente. Ninguém se atreveria mexer com a família, pois do lado, seus ferozes cachorros mantinham-se vigilantes. Só eram acordados com os raios do sol. Levantavam-se, procuravam um barraco e servia um café para todos. Em seguida iniciavam o retorno à sua casa.
Ao longo do tempo, seus filhos foram casando-se, e construindo famílias. Alguns foram para terras distantes. Outros continuaram residindo na localidade. O tempo passou! A nossa protagonista, agora, é uma senhora de idade avançada, no entanto com a mesma vitalidade de sempre. Vive cercada de netos e bisnetos. No entorno de sua casa foram erguidas outras residências. Uma grande prole! Ainda hoje, podemos encontrar a nossa destemida heroína – vendendo na feira livre de Cocal – seus produtos oriundos da palha da carnaúba e tudo aquilo que ela desenvolveu como técnica pessoal de sobrevivência. O grande mistério é que ninguém sabe quem são os verdadeiros pais dos meninos e ninguém ousa a perguntar, pois a resposta pode vir na ponta de sua peixeira que nunca deixou de usar por debaixo da roupa, ou mesmo de sua língua afiada: “Não é da conta de filho da égua nenhum. Os filhos são meus!”