Apesar de estar localizada em área tombada pelo IPHAN desde 26 de janeiro de 2012, percebe-se que nos últimos 20 anos, houve um processo acelerado de descaracterização e abandono da Rua da Goela. De fato, esse é um exemplo claro da ineficiência do processo de tombamento, justamente um fator preponderante, que deveria servir para promover e incentivar a manutenção e a valorização do centro histórico.
A cidade de Piracuruca se caracteriza também pelo perfeito delineamento de suas ruas e praças, principalmente no seu centro histórico, uma expansão planejada a partir do seu marco inicial: a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo. Essa organização urbana começou ainda em meados do século XIX e teve como vetor principal dessa expansão a chamada Rua do Goela, oficialmente Rua João Martiniano. De fato, o reconhecimento de sua importância para a cidade está eternizado no Hino Municipal da cidade de Piracuruca.
Recorte do mapa urbano de Piracuruca, com destaque em branco para o alinhamento da Rua do Goela, ligando a Igreja Matriz ao Cemitério “Campo da Saudade”.
A Rua da Goela recebe essa denominação devido à sua largura apertada, tendo sido planejada antes do advento dos automóveis, foi nela onde funcionou o primeiro mercado da cidade. Ela faz a ligação em linha reta lateral, da frente da Igreja de Nossa Senhora do Carmo ao cemitério “Campo da Saudade” (2).
Rua da Goela, ao fundo o cemitério “Campo da Saudade”.
Esse cemitério foi construído em 1856, na época fora dos limites da cidade. Assim, a expansão urbana foi direcionada para esse novo espaço de devoção, sendo então um corredor constantemente usado pela população (1).
O cemitério foi construído pela Paróquia de Piracuruca, em seguida houve a transferência dos restos mortais dos sepultados no interior da Igreja para esse cemitério (1,2).
Dada à sua importância para a cidade, estando inclusive situada em área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, aqui destacarei três momentos da sua história, pontuarei alguns atores históricos e também alguns elementos que mostram a sua decadência.
Aqui, três registros fotográficos aproximadamente no mesmo enquadramento:
Em “a” 1913 (aproximadamente), em “b” 2000 e em “c” abril de 2020.
A primeira foto histórica, mostra um lampião na rua ainda sem calçamento e uma carnaúba ao fundo. Casas com eira, beira e tribeira, era uma demonstração de posse dos seus moradores. Algumas pessoas nas portas e calçadas, aparentando ser um dia normal, retrata o cotidiano da Piracuruca do início da segunda década do século XX.
Na primeira vista, do lado direito, em frente ao comércio Abílio Mello & Compª, estão: Amandina de Moraes Melo, Abílio de Morais Melo (pai de Amandina), com o neto Agenor de Moraes Meneses (filho de Amandina) no colo, mais ao lado, de chapéu, está Lino de Morais Melo (também filho de Abílio).
Amandina de Moraes Melo (21/07/1894 – 29/09/1960) era casada com José de Morais Meneses (26/05/1890 – 01/02/1927). A datação dessa fotografia é estimada em virtude da data de nascimento de Agenor de Moraes Meneses, que se deu em 27/11/1912.
José de Moraes Meneses e Amandina de Moraes Melo são meus bisavós, pais do meu avô Durval de Moraes Meneses.
Outra foto histórica, sem datação, mas que mostra alguns elementos existentes na primeira foto: o lampião na rua também sem calçamento, a carnaúba ao fundo e as eiras, beiras e tribeiras das casas.
Supõe-se que o comércio Abílio Mello & Compª não existia nesse momento, pois não havia a pintura na fachada. Interessante observar a vestimenta das pessoas. Aparentemente era uma ocasião especial.
Aqui uma procissão na semana santa, também sem data, essa foto já apresenta postes de madeira para a fiação e a vestimenta mais moderna do que nas fotos anteriores. Provavelmente já se trata da década de 1930.
Em um segundo momento destaco o limiar do novo século, no ano 2000 a Rua da Goela ainda preservava uma grande parte do seu casario. Tanto em arquitetura como em ocupação, a rua ainda se mantinha com a aparência bem original.
Cerca de 90 anos depois da primeira foto. Já com postes modernos do lado contrário aos antigos lampiões e o tradicional calçamento. O comércio de Abílio de Morais Melo deu lugar ao comércio do Sr. Argemiro Avelino, que funcionou por muitos anos no mesmo local.
Percebe-se no entanto, pelo formato dos detalhes das bordas de portas e janelas, que já tinha havido mudanças na arquitetura.
Finalmente, nos tempos modernos, em abril de 2020, com o mundo passando por uma das maiores crises de saúde da sua história, enfrentando um vírus que está matando milhares de pessoas, confinando a humanidade e parando a economia mundial, a Rua da Goela tem uma grande parte do seu casario comprometido, a situação se agrava ao perceber que boa parte dos imóveis estão fechados e assim, sucumbindo ao sabor do tempo.
Onde antes era o comércio de Abílio de Morais Melo e depois de Argemiro Avelino, a casa foi demolida e construído um prédio, sem a mínima preocupação em respeitar a arquitetura original. Se antes a rua tinha a frente do comércio, hoje tem somente uma parede, sem vida.
Situação atual de partes do casario da Rua da Goela.
Aqui, a casa mais comprometida, já abandonada.
Antiga Casa Paroquial, cruzamento da Rua Senador Gervásio com a Rua da Goela, há alguns anos sem moradores e já apresentando um alto sinal de desgaste.
Rua da Goela, ao fundo a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
Apesar de estar localizada em área tombada pelo IPHAN desde 26 de janeiro de 2012, percebe-se que nos últimos 20 anos, houve um processo acelerado de descaracterização e abandono da Rua da Goela. De fato, esse é um exemplo claro da ineficiência do processo de tombamento, justamente um fator preponderante, que deveria servir para promover e incentivar a manutenção e a valorização do centro histórico.
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Referências:
1 – Dossiê de Tombamento de Piracuruca
2 – Apontamentos Históricos da Piracuruca – Jureni Machado Bitencourt