Luiz Mandy: um caso de reescravização na Parnahiba

O Jantar. Debret, Jean-Baptiste.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:A_Brazilian_family_in_Rio_de_Janeiro_by_Jean-Baptiste_Debret_1839.jpg

Com importante trabalho de pesquisa para a sua tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, a professora Francisca Raquel da Costa mostra que a escravidão no Piauí teve o seu lado violento.

Como capitania e província, o Piauí baseou sua economia na criação de gado, fato que deixou o escravo mais livre no campo e sujeito a pouco castigo por parte do fazendeiro. Mas isso não o fez ficar longe dos abusos e violências praticados pelos senhores de escravos e seus feitores, principalmente quando o cenário era urbano, ou no interior da casa grande. Um exemplo disso, é a carta da escrava Esperança Garcia, que escreveu ao governador da então capitania, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, relatando os maus-tratos e abusos físicos contra ela e seu filho, praticados pelo capataz da Fazenda Algodões, termo pertencente a capital Oeiras.

Luiz Mandy nasceu na então vila de São João da Parnahiba no ano de 1821, filho do grande negociante Manoel Antônio da Silva Henriques e de sua escrava Joaquina. Longe ainda da Lei do Ventre Livre (1871), Luiz Mandy seria escravo do senhor que tinha a posse de sua mãe, mas Manoel Antônio, apesar de nunca ter oficialmente reconhecido o filho, batizou o menino na Matriz de Nossa Senhora da Graça, sendo o ministro o padre Domingos de Freitas e Silva, e padrinho o escravo Ignacio Mavignier. Mesmo já existindo a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Luiz Mandy foi batizado na Matriz da Paróquia da vila de São João da Parnahiba, templo construído para os parnaibanos de posse.

Manoel Antônio era português, negociante de grosso trato, chegando a Parnahiba por volta de 1760. Atraiu o tio Domingos Dias da Silva, então morador no Rio Grande do Sul, para o litoral do Piauí, pelas boas condições de comércio oferecidas pelo lugar. Apesar de português, juntou-se aos parnaibanos da Independência, chegando a remeter armas, munições e fardamentos escondidos dentro de sacos de farinha para os patriotas que estavam estacionados nas vilas cearenses de Granja e Viçosa, aonde buscavam reforços militares para as lutas pela emancipação do Brasil no Piauí. Acusado de manter contatos sigilosos com os parnaibanos no Ceará, Manoel Antônio foi preso em 1823 por forças portuguesas de Carnaubeiras no Maranhão, sendo remetido para São Luís no brigue Infante Dom Miguel. Faleceu em 1825.

Com o casamento de sua filha, Angelica Rosa Umbelina da Silva Henriques, Manoel Antônio deu como dote a Jose Francisco de Miranda Ozorio, a escrava Joaquina que provavelmente carregava o filho Luiz no ventre.

Miranda Ozorio veio da capital Oeiras em 1800 para a vila de São João, com apenas treze anos de idade, passando a trabalhar nas empresas de seu tio Manoel Antônio. Logo tornou-se caixeiro e em 1820, casou-se com a prima Umbelina. Ozorio também nunca considerou Mandy um escravo, que aprendeu a ler e escrever, caso raro entre os negros cativos, trabalhava como carpina, mas também como matador de bois nos açougues do seu senhor.


Jose Francisco de Miranda Ozorio.

Imagem do livro Jose Francisco de Miranda Osorio e seus descendentes, 1980. Motta de Menezes, Maria Luiza.

Mandy já adulto, assinando Luiz Antônio da Silva Henriques, era morador da casa de Miranda Ozorio que o colocou como eleitor da agora cidade da Parnahiba (1844) e membro da Guarda Nacional. Tinha consciência do cruel sistema servil no Brasil Império, e já lutava pelo fim da escravidão: bafejaram no mulato, ideias de liberdade.

Luiz Mandy tinha apenas um ano de idade, quando a vila da Parnahiba proclamou a Independência, no dia 19 de outubro de 1822. Miranda Ozorio começou a sua vida política participando das lutas pelo Brasil. Participou da sublevação na vila da Parnahiba, alinhada com os pernambucanos da Revolução de 1817. Na Batalha do Jenipapo, comandou uma tropa de cearenses contra as tropas piauienses de Fidié. Participou do grupo político parnaibano que proclamou a Confederação do Equador, em 1824, e lutou em refregas pelo fim da Balaiada no Piauí. Passou a assumir a liderança política do município com a morte de Simplício Dias da Silva, falecido em 1829.

A relação entre Ozorio e Mandy permaneceu tranquila até este se passar para o lado político de oposição ao de seu senhor, que não perdoou a traição. Mandy passou a sofrer açoites e castigos. Protegido pelos políticos contrários a Ozorio, foi levado para uma fazenda em Valença, Centro-Sul da província do Piauí. Inicia-se aí uma batalha judicial que passou pelos tribunais da capital Teresina, até Ozorio recuperar o direito de posse sobre o agora reescravizado Mandy.

Luiz Mandy não desistiu e lutou durante anos contra a sua sujeição, processo que passou pelos tribunais de Teresina no Piauí, e São Luís, Maranhão. Depois de mais de vinte anos, em 1876, a vitória coube a Luiz Mandy. Vindo a falecer em 1874, não viu a sua liberdade ser garantida pela justiça, que requereu: se ponha a causa em perpetuo silêncio. Mas a História um dia vem revelar.

Escravidão e liberdade no Piauí oitocentista: alforrias, reescravização e escravidão ilegal de pessoas livres (1850-1888), 2017. Costa, Francisca Raquel.
Disponivel em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/35342/5/2017_tese_frcosta.pdf