A Guerra do Paraguai foi um embate sangrento ocorrido no vizinho território paraguaio, onde a valente nação paraguaia pelejou com destemor contra a Tríplice Aliança (Brasil, Uruguai e Argentina). Essa guerra é considerada o maior conflito da América do Sul. A guerra começou em dezembro de 1864, terminando em março de 1870.
O Império brasileiro, para arrebanhar o maior número de voluntários, usou de diversos artifícios, como convocar escravos (com a promessa de liberdade, se porventura sobrevivessem) e anúncios patrióticos, em que se valorizava a participação de cada brasileiro com coragem e capacidade de guerrear contra os paraguaios.
Os jornais, em todo o Brasil, apelavam para o sentimento nativista brasileiro. Um exemplo disso foi publicado na edição de nº 02767 do “Correio Paulistano”.
→ Veja o conteúdo do anúncio acima: Com effeito, é preciso vencer o Paraguay, e vencer já para que a victoria por tardia não seja tão desastrosa como a derrota, para que a victoria por tardia não seja atribuída ao tempo e aos recursos do Império, em vez de ser devida ao patriotismo e ao gênio da nação brasileira. Na época da Guerra do Paraguai, Franklin Américo de Menezes Dória era o Presidente da Província do Piauí.
O Presidente Dória recebeu um comunicado do Ministro dos Negócios da Justiça, em que se requisitava a convocação da Guarda Nacional da Província do Piauí, que deveria seguir para o Paraguai (1.160 guardas), acompanhada de tantos voluntários quantos pudesse conseguir. Para ajudá-lo nessa missão, contou com a ajuda de recrutadores.
Lívio Lopes Castelo Branco e Silva foi recrutador-geral em algumas vilas do norte piauiense.
O Padre Freitas em carta, dirigida ao Presidente da Província do Piauí (endossada pelo Capitão da Guarda Nacional da região a que Piripiri estava subordinada), indica, entre outros piripirienses, o nome de Raimundo Gomes das Neves.
Alguns trechos da carta (“desvendados”):
Raimundo Gomes das Neves, valente piripiriense, ofereceu-se voluntariamente para defender o Brasil na temida Guerra do Paraguai. Raimundo não estava só, embarcou para a guerra acompanhado de quatro de seus irmãos.
Segundo Dona Maria de Lourdes Sousa e Silva, seu avô, Raimundo Gomes das Neves, ao partir para a guerra, prometera à jovem Anna Joaquina Raimunda da Silva que, se vivo voltasse, casar-se-iam tão logo colocasse os pés em sua amada Piripiry.
Raimundo Gomes das Neves e seus irmãos embarcaram no 1º Distrito Militar que compreendia os municípios de Parnaíba, Pedro II, Piracuruca, Barras, Campo Maior e União.
Há algumas curiosidades a respeito da atuação de Raimundo Gomes das Neves em território paraguaio. Dizem que Raimundo levara um tiro no pé, e mediante um boato espalhado de que os soldados feridos seriam sacrificados (para não serem torturados pelos soldados paraguaios), o piripiriense acompanhava a tropa, pulando em um só pé. Fez isso até ser socorrido.
Já sua neta, Dona Maria de Lourdes, desconhece esse episódio e diz que ouvira várias vezes de sua mãe Anna Jovita (Dona Donana) a história de que seu avô sabia orações fortes e que, por isso, não se feriu. Uma das histórias que ouviu de sua mãe era a de que seu avô sabia uma oração, que ao rezá-la, tornava-se invisível aos olhos paraguaios. Diz Dona Maria de Lourdes que ele se escondia atrás do fuzil e os soldados inimigos passavam dos dois lados, não o enxergando.
Dona Tó, outra Filha de Raimundo Gomes das Neves, informara à sua filha Francisca das Chagas Gomes (neta de Raimundo) que seu pai fora ferido na guerra (no pé) e que sabia uma forte oração, que depois de feita, transformava-se em um toco, sendo ignorado pelos soldados inimigos.
Raimundo Gomes das Neves retornou são e salvo da guerra e casou-se, em Piracuruca, com Anna Joaquina Raimunda da Silva. A mesma sorte não tiveram seus quatro irmãos, que faleceram na guerra.
Raimundo trouxe da guerra uma “bola de ouro” e um penico de porcelana (que se encontra com sua neta Maria de Lourdes). Segundo Francisca das Chagas Gomes, Dona Tó gostava de contar que seu pai Raimundo ganhara muito ouro na guerra.
O 2º Sargento do Exército Raimundo Gomes das Neves casou-se, como prometera, com Anna Joaquina Raimunda da Silva. Tiveram treze filhos (relação em ordem alfabética): Anna Jovita da Silva (Dona Donana), Antônio Gomes da Silva, Benvindo Gomes das Neves, Claudianor Gomes da Silva (“Coló de Anor”, o mais velho), Estolina Raimunda da Silva (Dona Tó), Isabel Gomes da Silva, Joaquim Gomes das Neves, Jovelina Gomes da Silva, Maria Joana da Silva (Dona Mariquinha), Sergismunda Gomes da Silva (Dona “Xis”), Senhorinha Gomes da Silva e Venina Gomes da Silva (a mais nova). A última filha nasceu morta.
Antes de partir para a Guerra do Paraguai, Raimundo e seus irmãos moravam na localidade Serrinha, próximo ao Recurso (Posto da Polícia Rodoviária Federal). Ao retornar, só, da guerra, Raimundo Gomes das Neves construiu uma casa na Rua Padre Domingos, atrás do Grupo Escolar Padre Freitas. Essa casa seria comprada muitos anos mais tarde por Raimundo Horácio (Raimundo Babão). Nessa casa (que hoje se encontra dividida em três) morreu Raimundo Gomes das Neves, no dia 28 de janeiro de 1911. Sua esposa Anna Joaquina faleceria vinte e seis anos depois, em julho de 1937.
Raimundo Gomes das Neves, sua esposa Anna Joaquina e seus filhos Benvindo e Joaquim foram sepultados no Cemitério “Nossa Senhora dos Remédios”. Hoje, não mais existe o cemitério. A Paróquia doou o terreno do cemitério à Prefeitura Municipal de Piripiri, que construiu no lugar a Capela Ecumênica Mortuária (inaugurada em 1º de julho de 2010). Seus corpos não mais existem apenas placas com a indicação de seus nomes.
Diz Dona Maria de Lourdes que seu avô era um homem endurecido pela guerra. Muito bravo com os filhos. Certa vez, dera uma violenta surra no filho Claudianor, que, revoltado, fugiu de casa, nunca mais retornando.
O Prefeito Nélson Rezende, representando alguns filhos de Raimundo Gomes das Neves, procurou o Sr. Alarico José da Cunha (Poeta, jornalista e maçom, residente na Cidade de Parnaíba) que conseguiu localizar o prontuário de Raimundo Gomes das Neves, no arquivo central do exército, possibilitando assim que as filhas (dele Raimundo) recebessem uma pensão (vitalícia).
Anna Jovita da Silva, filha de Raimundo Gomes das Neves, recebeu a pensão até 2007, ano em que faleceu.
Pelo santinho do sétimo dia de falecimento, Anna Jovita da Silva (Dona Donana) teria vivido 108 anos. No entanto, o ano oficial de seu nascimento é 1897, como se vê na certidão de casamento civil abaixo, o que aumenta sua idade para 110 anos.
Dona Donana pode ter sido, pela idade, a última pensionista dos combatentes da Guerra do Paraguai e uma das piripirienses mais longevas.
Dona Estolina Raimunda da Silva (Dona Tó), outra filha de Raimundo Gomes das Neves, faleceu em 14 de fevereiro de 1993 (meses antes de completar 97 anos). Era casada com Gonçalo do Carmo Santiago. Hoje, os filhos de Dona Tó (Francisca e Gonçalinho) residem ao lado do prédio do INSS, nesta cidade, na esquina das ruas Major Antônio Albino e Dr. Antenor de Araújo Freitas.
Decerto, outros piripirienses, além de Raimundo Gomes das Neves e seus irmãos, combateram em solo paraguaio. Outros nomes de piripirienses foram apontados, mas as famílias, ao serem procuradas, esclareciam não se tratar da Guerra do Paraguai, mas da 2ª Grande Guerra.
Há alguns anos, Dona Maria de Lourdes jogou fora os contracheques da pensão que sua mãe recebia. Não há fotos de Raimundo Gomes das Neves, pelo menos em poder de Dona Maria de Lourdes e Francisca das Chagas Gomes.
Piripiri, terra de artistas, políticos famosos, intelectuais… também é a terra do esquecimento. Raimundo Gomes das Neves foi um autêntico herói; foi recebido com honras pelo Imperador do Brasil, D. Pedro II, que, pessoalmente, agradeceu ao seu brioso desempenho na guerra.
A escritora Judith Santana, em seu livro “Piripiri”, faz a seguinte menção a Raimundo Gomes das Neves:
E Hoje? Em sua cidade natal, não há sequer uma rua em sua homenagem!
Não deixemos que o nome de Raimundo Gomes das Neves caia no esquecimento. Cabe às atuais autoridades municipais reparar esse descuido.
→ Crédito: Informações prestadas por Maria de Lourdes Sousa e Silva, Francisca das Chagas Gomes, Edivar Gomes de Araújo. Livros: Piripiri e O Padre Freitas de Piripiri – Judith Santana; Mons. Chaves Obra Completa – Monsenhor Chaves; Fotos: Arquivo de Maria de Lourdes Sousa e Silva, páginas escaneadas dos livros Piripiri e O Padre Freitas de Piripiri, de Judith Santana e arquivo pessoal; Acesso aos sites: http://www.brasilescola.com/historiab/guerra-paraguai.htm, http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai; Informações colhidas na Tese apresentada ao curso de pós-graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense: “Bravos do Piauí! Orgulhai-vos. Sois dos mais bravos batalhões do império: A propaganda nos jornais piauienses e a mobilização para a guerra do Paraguai 1865-1866” – Johny Santana de Araújo.
Postado originalmente na coluna Almanaque de Piripiri, do portal Clique Piripiri, em 24 de Junho de 2013.