Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a testemunha da história de Piracuruca

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, 1940.
Fonte: Acervo fotográfico Casa de Cultura de Piracuruca
Foto colorizada: Piracuruca Túnel do Tempo

“Dois portugueses – Manuel Dantas Correia e José Dantas Correia, em príncipios do século XVIII, se internaram nos sertões piauienses, explorando o vasto território da então capitania ainda sem autonomia. Riquíssimos, os dois aventureiros, depois de muito andarem e sem que receassem perigos sem conta, que lhes poderiam sobrevir, cairam inesperadamente em mãos dos selvagens que os aprisionaram.” – O Piauhy no Centenário de sua Independência – 1922.

Assim o historiador Anísio Brito descreve os irmãos portugueses, símbolos da história de Piracuruca. Mas, se eram riquíssimos, por que ingressaram nessa aventura pelos sertões piracuruquenses? Qual o destino de José Dantas Correia após a morte do irmão? E, ainda, onde estão os descendentes dessa família? Esses são apenas alguns dos mistérios relacionados ao passado local.


Pintura de Hans Nöbauer (1893: Viena, Áustria – 1971: Rio de Janeiro, RJ), datada de 1928. Existente na Coleção do Museu Histórico Nacional.
Fonte: http://zone47.com/crotos/?q=62096673 – Contribuição: Thiago Alves

Jureni Machado, autor do livro Apontamentos Históricos de Piracuruca, também apresenta algumas suspeitas relacionadas à construção da igreja. De forma superficial, ele cita a hipótese de que os irmãos Dantas tivessem ligações com os jesuítas. “Nessa condição vieram prestar um serviço relevante construindo o templo, em louvor a Nossa Senhora do Monte do Carmo e gerir negócios de fazendas para o suporte financeiro de um projeto mais ambicioso: a instalação de um seminário no sopé da Ibiapaba.” afirma Jureni.

Outro historiador, Pe. Cláudio Melo, afirma que a edificação do templo em homenagem à Nossa Senhora do Carmo marca a origem da cidade, mas não o povoamento dessa região. Ele afirma que muito antes dos Dantas, aventureiros e missionários jesuítas se instalaram aqui. “Não apenas missionários visitaram as populações que se instalavam. O pároco do Piauí, Pe. Tomé de Carvalho, por vários vezes esteve ali, tendo inclusive uma fazenda de gado nas proximidades de Piracuruca.” escreve o autor.


Pe. Cláudio defende a tese de que a data em algarismos romanos refere-se ao ano da benção do templo feita pelo bispo do Maranhão.

A LENDA DA CONSTRUÇÃO DA IGREJA DE N. S. DO CARMO

Conta a lenda que os irmãos José e Manoel Dantas Correia, portugueses, aventureiros em busca de ouro e pedras preciosas, ao entrarem nos limites do então lugarejo (Piracuruca), foram aprisionados por índios antropófagos. Apelaram, então, para a fé e fizeram uma promessa à santa de sua devoção: Nossa Senhora do Monte do Carmo. Caso fossem libertados pelos índios, construiriam um templo em sinal de gratidão à graça recebida. Logo após serem soltos, trataram de cumprir a promessa.
Ainda segundo a lenda, a construção do templo foi iniciada em outro local. Porém, a imagem da Santa desaparecia, à noite, e era reencontrada na manhã seguinte no tronco de uma carnaubeira. Após a repetição desse acontecimento por várias noites, decidiram erigir a igreja onde a imagem reaparecia.

Nesse conjunto de incertezas, o que se pode afirmar, sem dúvida, é que a história de Piracuruca é resultado da edificação do templo à Virgem do Carmo.

CONSTRUÇÃO E REFORMAS

Transformada em verdadeiro canteiro de obras, a fazenda Sítio – antiga denominação do local – organizou-se com residências. De origem incerta, vieram obreiros que foram empregados na extração e talhamento das pedras – retiradas do leito do rio Piracuruca – que eram transportadas em carros de boi até o local da construção.

Citando o piracuruquense Josias de Moraes Melo, Pe. Cláudio afirma que, por volta de 1750, a igreja estava com reboco e não tinha as torres. Ele ainda diz, no livro Fé e Civilização, que em 1784 surgiu a Irmandade de Nossa Senhora do Carmo, organização leiga responsável pelo patrimônio deixado pelos irmãos Dantas e pela promoção da realização de eventos religiosos.

Aliás, a Irmandade foi responsável pela recuperação do teto da igreja que desmoronou, aproximadamente, em 1920. Com o dinheiro da venda de uma das fazendas deixada por Manoel Dantas a obra foi realizada.

TRECHO DO TESTAMENTO DE MANOEL DANTAS

Certifico que revendo o livro de Registro de Testamento dos que fallecem nesta Freguezia e Termo, nelle achei Registrados o Solene Testamento com que falleceo na Matriz da Piracuruca, Manoel Dantas Correia e no mesmo as folhas dezesseis verso a verbo de que o requerimento retro faz mensão a qual he da maneira theor seguinte: Declaro que pagas as minhas dívidas e satisfeitos os meus legados, declaro nomeio e instituo por minha universal herdeira de todo o restante dos meus bens assim moventes como semoventes, a Virgem Nossa Senhora do Monte do Carmo desta freguezia de Piracuruca, Capitania do Piauhy deste Bispado do Maranhão com obrigação de se dizerem todos os annos na sua matriz duas Capelas de Missas por minha alma e o anno para esta obrigação terá seu princípio no dia da minha morte, e quero que para se dizerem prefira sempre o Parocho da Freguezia. Declaro que as duas ditas fazendas Viado e Boqueirão se conservem sempre com o meu ferro e signal e que tenhão de Fazendas de Nossa Senhora do Monte do Carmo, minha universal herdeira como dito tenho e he minha vontade.
(…)
Pois com verbas esta certidão conferi e assinei nesta Vila de Sam João da Parnaíba aos quatro dias do mez de Janeiro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil e oitocentos annos. Em fã da verdade o escrivão Domingos de Freitas Caldas. E nada mais se continha na referida certidão e ao original me reporto. O referido é verdade e dou fé. Câmara Eclesiástica do Bispado de Sam Luiz do Maranhão, 16 de Setembro de 1896. E
eu o Cônego Antônio Rodrigues Sodré, Escrivão, a escrevi e assignei Cônego Antonio Rodrigues Sodré.


A Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo é o marco da fé dos piracuruquenses, sendo que seus festejos atraem uma grande quantidade de pessoas, de 07 a 16 de julho.


Procissão de Nossa Senhora do Carmo,16 de julho de 1964.
Imagem colorizada: Piracuruca Túnel do Tempo.


Procissão dos vaqueiros, 15 de julho de 1958.
Fonte: Domingos Machado.
Imagem colorizada: Piracuruca Túnel do Tempo.

PATRIMÔNIO NACIONAL

Declarado patrimônio nacional, em 1937, pelo presidente Vargas, o templo mede cerca de 39 metros de extensão por 18 metros de largura. Apresenta em sua parte frontal, linhas barrocas, com cercaduras e ornatos de cantaria de pedra. Possui três capelas e cinco altares, elegante e artisticamente dispostos, primando pela escultura, pintura e obras de talha.


Piracuruca maio de 1910.
Fonte: Piracuruca Túnel do Tempo

Uma das mais belas e antigas da região, a igreja também presenciou vários fatos relacionados à história do estado. Em 18 de agosto de 1762, por exemplo, o primeiro governador da capitania, João Pereira Caldas, assinou, dentro da matriz, o decreto de instalação da vila de São João da Parnaíba.

Foi diante do templo, também , que o revolucionário Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, no dia 22 de janeiro de 1823, leu um documento proclamando a independência do Piauí. Precursor do movimento, à frente de 600 homens, ele prendeu um destacamento português que guarnecia a cidade. Isso tornou Piracuruca, segundo Odilon Nunes, o mais poderoso acampamento de separatistas do Piauí.

Em outro episódio importante da história brasileira, a balaiada, a Igreja Matriz serviu de abrigo aos piracuruquenses. Os balaios haviam se instalados a oito léguas de distância da sede do município. Lá entraram em confronto com as tropas federais comandadas pelo Major Joaquim Ribeiro. Com os arredores transformados em palco de guerra, coube ao padre Sá Palácio organizar o interior da igreja como ponto de refúgio para a comunidade.


Durante o cerco dos balaios, vigias posicionaram-se na parte mais alta do telhado, junto ao cruzeiro de pedra, para fiscalizar as entradas da vila.

Com tudo isso, a igreja segue cumprindo seu papel; sendo não só uma valiosa testemunha da história; mas, acima de tudo, um pilar que sustenta o amor dos piracuruquenses pela sua terra.

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Matéria divulgada originalmente na Revista Ateneu – janeiro de 2003.