A Barra do Longá foi testemunha dos tempos áureos da hidrovia do Rio Parnaíba
A Barra do Longá é um tradicional povoado piauiense localizado no município de Buriti dos Lopes, norte do Piauí. É um lugar que guarda um grande legado de histórias e tradições, foi no passado e mantem-se como um importante entreposto fluvial, estrategicamente situado onde o Rio Longá joga as suas águas no Rio Parnaíba.

No final de setembro de 2025, acompanhado do fotógrafo parnaibano Helder Fontenele, fiz uma visita ao povoado para conhecer um pouco das suas memórias, principalmente com relação à época em que a hidrovia do Rio Parnaíba estava em pleno funcionamento. Fizemos alguns registros fotográficos, entrevistas e anotações, as quais compartilharei aqui neste texto.
Aspectos históricos da Barra do Longá
Localizado a cerca de 8 km da área urbana do município de Buriti dos Lopes, o povoado Barra do Longá é uma das maiores comunidades da zona rural de Buriti dos Lopes. Historicamente, conforme (1), citando o historiador Pe. Cláudio de Melo em seu livro “A Prioridade do Norte no Povoamento do Piauí”, é dito que no ano de 1712, um dos habitantes da Barra do Longá era o Capitão Sebastião de Oliveira Costa. Ainda segundo a mesma fonte, o Capitão Sebastião teria auxiliado o Mestre de Campo Bernardo Carvalho de Aguiar, na conquista do Piauí.
Ainda destacando alguns aspectos históricos da Barra do Longá, em (1) também é citado o historiador Odilon Nunes. Segundo a mesma fonte, Odilon cita em seu livro “Pesquisas para a História do Piauí”, que em 1824 a Barra do Longá se destacava por ser morada de carpinteiros e calafates que trabalhavam no feitio e manejo de embarcações, também cita o morador da Barra do Longá João Francisco dos Santos, como proprietário de um estaleiro, que por volta do ano de 1825 construía Sumacas e Escunas (embarcações de dois ou mais mastros).

Percebemos, portanto, que a vocação da Barra do Longá para a navegação, é algo que transcende gerações.
O apogeu e a decadência da navegação no Rio Parnaíba
O Rio Parnaíba é um rio genuinamente nordestino, nasce na Chapada das Mangabeiras, no extremo sul do Piauí. De lá, percorre cerca de 1400 km até desembocar no Oceano Atlântico. O “Velho Monge”, como é carinhosamente conhecido, serve de divisa entre os estados do Piauí e do Maranhão.
Em tempo 1: logo abaixo deste texto tem o link para uma matéria que fiz, durante a minha visita às nascentes do Rio Parnaíba.
Segundo (3 e 4), a navegação em larga escala no Rio Parnaíba se deu a partir da segunda metade do século XIX, depois da criação da Companhia de Navegação do rio Parnaíba. Em seguida, várias outras empresas foram constituídas e passaram a operar na hidrovia, transportando passageiros e mercadorias “rio abaixo e rio arriba”.

A hidrovia do Rio Parnaíba ganhou tanta notoriedade, que em julho de 1906, o Presidente eleito do Brasil Afonso Pena, fez uma viagem de Teresina a Parnaíba e Tutóia a bordo do navio a vapor Therezinense (4). Teve o seu auge entre as décadas de 1920 a 1940, sendo uma importante rota de comércio, ajudando no desenvolvimento do Piauí, Maranhão e Goiás; nesta época, os rebocadores a vapor cruzavam o rio, conduzindo chatas de ferro ou barcaças de madeira (4).

O movimento na hidrovia do Rio Parnaíba motivou o surgimento de vários núcleos populacionais ribeirinhos e estimulou o desenvolvimento dos já existentes (3). Como é o caso do Povoado da Barra do Longá.

O declínio da hidrovia começou ainda nos anos de 1950, motivado pelo aumento no número de rodovias e o consequente crescimento do transporte rodoviário (3). Aliado a isto, tivemos no início dos anos 1970, a operacionalização da Barragem Hidroelétrica de Boa Esperança, que foi construída sem as eclusas, o que impossibilitou a navegação no local (4).
Contudo, um tentativa de retomar as atividades de navegação do Rio Parnaíba, foi feita no final da década de 1980, quando a Barca do Sal fez a sua primeira e última viajem entre Parnaíba e Teresina. Infelizmente, foi uma tentativa frustrada de reviver os bons tempos da navegação do Rio Parnaíba.

Em tempo 2: logo abaixo deste texto tem o link para uma matéria de autoria de Reinaldo Coutinho, sobre a Barca do Sal.
Apesar de tudo, ainda existem promessas de retomada da navegação em grande escala no Rio Parnaíba. Um fator sério que impossibilita esta retomada, é a questão grave do assoreamento do rio, que em alguns trechos torna impossível a navegação, mesmo com embarcações de pequeno porte.
Em tempo 3: logo abaixo deste texto tem o link para a matéria de uma expedição de caiaque que participei em 2018, entre a Barra do Longá e a cidade de Parnaíba.
Enquanto isto, atualmente o trânsito pelas águas do velho monge, se limita a pequenos trechos e leves embarcações, servindo às comunidade ribeirinhas e travessias entre o Piauí e o Maranhão.

Barra do Longá e a navegação
A Barra do Longá vivenciou o apogeu e o declínio da hidrovia do Rio Parnaíba. Onde era o antigo ancoradouro, hoje tem uma pequena praça, que fica em frente à Igreja de Santa Luzia.



Na comunidade, ainda vivem alguns remanescentes da época em que a navegação do Rio Parnaíba era intensa, um exemplo é o Senhor Jânio Luis Alves de Sousa, nascido e criado na Barra do Longá, o Sr. Jânio nasceu em 1959 e acompanhou de perto o movimento dos barcos que cruzavam o “Velho Monge”. Ele hoje trabalha na Igreja de Santa Luzia com a esposa, função antes exercida pelos seus pais. Foi com ele que tive um bom diálogo, em que rememorou os tempos da navegação.

Olhando para o encontro das águas, o Sr. Jânio diz:
“…eu nasci em 1959 e a navegação já existia, me criei vendo o movimento, por aqui passavam muitas lanchas, barcos à vela e grandes vapores de ferro…ainda lembro o nome de algumas, tinha a Madalena, o João de Altino, o Pedro Amaro, o Fogoió…tinham também as canoas grandes que se chamavam “pau na cara”, que transportavam coco babaçu, farinha, sabão, querosene, arroz… a Barra era muito movimentada na época, antigamente aqui havia até um Batelão, os carros que iam para São Luiz no Maranhão atravessavam o rio por aqui, não tinha a ponte do Jandira…aqui na Barra do Longá chegou um tempo que tinha a transporte pelo rio e os carros (pau de arara) por terra, atravessando o rio pelo Batelão, carros do Joãozinho, Inácio, Mariano Quaresma, aqui era cheio de gente, muito movimento.”

Uma informação que me chamou a atenção, segundo o depoimento do Sr. Jânio, é que antes da construção da Ponte do Jandira, os engenheiros foram até a Barra do Longá, diz ele:
“…a ponte do Jandira só não foi feita aqui porque do lado do Maranhão tem a lagoa Grande, se tivessem feito a ponte aqui, a Barra hoje estava desenvolvida. a primeira vez que os engenheiros vieram foi aqui na Barra.”

Sobre o encerramento do ciclo das grandes navegações pelo Rio Parnaíba, Sr. Jânio completa:
“…o movimento durou até 1974, foi mais ou menos no período em que uma das lanchas naufragou próximo à foz do Pirangi. A partir disso o rio foi secando e as lanchas não davam mais para viajar porque o rio passou a ficar muito seco.”
Sobre as promessas de revitalização da hidrovia, Sr. Jânio diz:
“…eu não acredito mais na volta da navegabilidade do Rio Parnaíba, por causa do assoreamento, eles vão ter que cavar o rio e quando eles cavarem o rio vai botar outro bocado de areia por cima, não tem condições …mas o homem tá muito inteligente, não se pode duvidar de nada.”
Ao ser perguntado sobre o local mais antigo da Barra do Longá, o Sr. Jânio foi categórico em apontar para uma antiga residência, chamada por ele de “Casarão”. E foi para lá que fomos.
O Casarão da Barra do Longá
De fato, salta aos olhos a imponência do Casarão da Barra do Longá.


O histórico prédio foi estrategicamente edificado em um alto, e mantém uma visão privilegiada do Rio Parnaíba.


Foi no Casarão que encontrei o Sr. Edmar, o cuidador do prédio, nos atendeu com muita atenção e nos mostrou a parte interna do prédio.

Sr. Edmar, diz:
“…sou eu quem cuido do Casarão, os proprietários moram em Parnaíba…esta foi uma das primeiras casas da Barra do Longá e vem de vez em quando algumas pessoas para visitar… poucas coisas foram mudadas da casa original, parte do teto ainda é de carnaúba e as paredes não são de tijolos e sim, de taipa”.

Sr. Edmar também lembra dos vapores que passavam pela Barra do Longá “…as vezes paravam aqui na Barra, quando tinham passageiros, as que demoravam aqui eram as barcas ‘pau na cara’ que traziam coisas para vender aqui”.
O rio segue
Ao juntarem as suas águas, Longá e Parnaíba seguem, para formar o único Delta em mar aberto das Américas. O Longá, como o último grande afluente do Parnaíba, cumpre o seu papel de abastecer o maior rio genuinamente nordestino do Brasil, o Velho Monge. Olhando para a união deles, a Barra do Longá é um testemunho vivo dos tempos áureos, em que a hidrovia pulsava cheia de vida e movimentos, fundamental para a economia de toda a região … hoje, só memórias.


Fontes consultadas:
1 – SILVA, G; NUNES, F. Buriti dos Lopes – Pré-história, história e memória. SIEART, 2021.
2 – NUNES, F. Barra do Longá. TECHNOGRAF EDITORA, 2019.
3 – BEZERRA, I. Patrimônio Cultural do Piauí – A navegação do Rio Parnaíba – Link: https://crcfundacpiaui.wordpress.com/2017/01/02/a-navegacao-do-rio-parnaiba-2/, 2017. Acesso em: novembro de 2025.
4 – TAVARES, Z. 100 fatos do Piauí no século 20 – HALLEY S.A, 2001.
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