Na madrugada de 06 de abril de 1979 um roubo traumatizou a histórica cidade de Castelo do Piauí, o antigo lugarejo Racho dos Patos e sucessivamente Vila de Marvão: a imagem multissecular da padroeira Nossa Senhora do Desterro desapareceu, roubada por pilantras, aproveitando um descuido dos administradores do templo católico.
Considerada uma das mais valiosas peças da arte sacra brasileira, é esculpida em madeira no estilo barroco, datada de 1684, tendo sido trazida ao Brasil por colonos portugueses. Possui uma coroa de ouro de alto valor, encravada com pedras preciosas e com o Menino Deus no colo. Estava avaliada na época do roubo pela fortuna de Cr$ 2 milhões. Seu desaparecimento abalou toda a população de Castelo do Piauí e este clamor comoveu as autoridades estaduais, que passaram a empenhar intensas diligências no sentido de prender os larápios e recupera a imagem.
IGREJA DE N.S. DO DESTERRO, EM CASTELO DO PIAUÍ.
IMAGEM ATUAL DA SANTA. FONTE: FACE DA PARÓQUIA DE N.S. DO DESTERRO-CASTELO DO PIAUÍ.
O furto da imagem foi comunicado formalmente ao gabinete da Secretaria de Segurança pelo Bispo Diocesano de Campo Maior, o espanhol Dom Abel Alonso Nuñez (1921-2003), que pediu sigilo no caso, para não atrapalhar as investigações.
O próprio prefeito de Castelo do Piauí, João da Cruz Belo, veio pessoalmente a Teresina e solicitou das autoridades policiais o maior empenho no sentido de que a imagem fosse recuperada no tempo mais breve possível, ante o trauma causado na população do seu Município.
Todo o aparato policial do Estado se mobilizou no sentido de recuperar a peça sacra. Foi comunicado às delegacias regionais do Piauí, distritais, ao antigo DOPS, Polícia Rodoviária, Polícia Federal e ainda às secretarias de segurança de outros estados. Naquela década houve muitos furtos de imagens preciosas de igrejas como a de Sobral-CE, levando a polícia a suspeitar de uma quadrilha especializada, com ramificações internacionais.
O chefe de gabinete da Secretaria de Segurança do Piauí, advogado Macário Galdino de Oliveira entrou imediatamente em contato com a Polícia Federal e relatou o ocorrido, solicitando providências, no que foi prontamente atendido.
A princípio as autoridades da Secretaria de Segurança do Piauí apuraram que a imagem de Nossa Senhora do Desterro fora furtada por dois homens altos e louros, que viajavam numa caravana azul, modelo novo para a época e fugiram em alta velocidade. Como veremos, de louros não tinham nada. É possível que usassem perucas para disfarçar.
Também as autoridades policiais não conseguiram saber a princípio como os gatunos penetraram na igreja matriz. Era o pároco da igreja o Padre Expedito.
Segundo algumas investigações da época, apuradas pela Polícia federal, os ladrões fugiram para o estado do Ceará através do município cearense de Crateús.
Chegou a ser noticiado que a imagem teria sido localizada em 09 de abril na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Porém nada de recuperação da imagem nem prisão dos gatunos. Chegou a correr o boato de que a santa estaria no gabinete da Secretaria de Segurança daquele Estado. O investigador Luís Gonzaga de Oliveira (o “Duzentos”, falecido em 27.03.2004) chegou a embarcar em voo para Fortaleza e de lá de ônibus para Natal para recuperar a imagem que não estava lá. O fato era tratado com sigilo, pois se temia o resgate da preciosa imagem durante seu eventual retorno por parte de bandidos.
A evolução das investigações, porém, apontou o destino do furto para a cidade de São Luís, capital do Maranhão. Certo é que, em ação conjunta das polícias do Piauí e do Maranhão, os investigadores resolveram o caso em meados de julho de 1979.
A peça estava em poder de um antiquário de São Luís, que afirmou desconhecer sua procedência ao compra-la de José Ribamar Freitas de Oliveira, misto de beato e macumbeiro. O antiquário foi identificado como Francisco das Chagas Sales e a polícia apurou que o mesmo pretendia revender a peça por Cr$ 3 milhões ao antiquário carioca Chagas Malta. Descobriu-se também que a Santa já estava sendo preparada para ser embarcada para o Rio de Janeiro. Por pouco conseguiram recuperá-la em São Luís. Na verdade, como veremos abaixo, o receptador pretendia enviá-la para a Europa.
Os dois gatunos foram identificados. José Ribamar Freitas de Oliveira e seu filho, detidos pela polícia e confessaram o crime, sendo recambiados para Teresina junto com a peça roubada, que foi guardada na Secretaria de Justiça e Segurança Pública. Outra versão consta que os dois foram capturados na cidade piauiense de Nossa Senhora dos Remédios.
Nesta ação criminosa Oliveira foi ajudado pelo seu filho José Augusto de Carvalho Oliveira, sendo eles o falso padre e o falso sacristão, como passaram a ser jocosamente conhecidos. José Oliveira era maranhense de Brejo dos Anapurus, mas residia no lugarejo Itaim, município de Pedreiras, onde tinha um templo de macumba.
No dia 25 de julho de 1979 o Diretor do Departamento de Polícia do interior, coronel Adail Jales de Carvalho apresentou, em seu gabinete, o falso padre e curandeiro José de Ribamar Freitas de Oliveira e seu filho José Augusto de carvalho Oliveira.
Foi então que José Oliveira confessou como se deu a ação criminosa: antes do roubo, participaram de uma novena na igreja de Nossa Senhora do Desterro e, ao sair, deixaram uma das portas abertas. Às 03 da madrugada levaram a imagem.
OS DOIS GATUNOS QUE ROUBARAM A IMAGEM DE CASTELO DO PIAUÍ. FONTE: JORNAL O DIA.
PAI E FILHOS UNIDOS NO ROUBO. FONTE: JORNAL O DIA.
Na mesma noite do roubo, pai e filho levaram a imagem para a cidade de Campo Maior e depois para Teresina, depois embarcando para São Luís, onde entregaram a imagem recebendo em troca 10 mil cruzeiros.
Contrariando a alegada inocência do colecionador de São Luís, José de Ribamar disse que roubou a imagem cumprindo orientações do mesmo, o qual lhe dissera sobre o grande valor da peça e que seria vendida para o exterior.
FOTO DA SANTA NA ÉPOCA DE SUA RECUPERAÇÃO. FONTE: JORNAL O DIA.
Foi descoberta então a verdade sobre o receptador maranhense. O autor intelectual do roubo da imagem da padroeira de Castelo do Piauí, o colecionador maranhense Francisco das Chagas Sales também foi processado pelo crime, pois a imagem estava no porão de sua loja de antiguidades, já embalada num caixote pronto para ser levado para a Europa, onde teria sido comprada por um colecionador francês.
A ação de recuperação foi coordenada pelo Diretor do Departamento de Polícia da Capital, José Carlos Mousinho e pelo advogado Macário Oliveira, chefe de gabinete do Secretário de segurança João Clímaco D’Almeida (1910-1995), conhecido como Joqueira, ex-governador do Estado no período 1970-1971.
MACÁRIO OLIVEIRA COORDENOU AS INVESTIGAÇÕES DO ROUBO. FONTE: http://www.diariodopovo-pi.com.br
Ao fazer a comunicação à imprensa sobre a recuperação da Santa, o Secretário de segurança destacou o exaustivo trabalho do investigador Luís Gonzaga de Oliveira (o “Duzentos”), afirmando que …desta forma prestamos mais um serviço ao nosso povo, preservando os bons costumes do Piauí.
IMAGEM DA SANTA RECUPERADA, JÁ NA SECRETARIA DE SEGURANÇA DO PIAUÍ. DA ESQUERDA PARA DIREITA: SECRETÁRIO JOÃO CLÍMACO D’ALMEIDA, O BISPO DON ABEL NUÑEZ E TALVEZ O INVESTIGADOR “DUZENTOS”. FONTE: JORNAL O ESTADO.
Também em 25 de julho de 1979, após entendimentos com o secretário de segurança João Clímaco D’Almeida, o bispo de Campo Maior, Dom Abel Alonso Nuñez compareceu a Secretaria para receber a imagem roubada. Radiante de alegria, o religioso levou a imagem de volta a Igreja de N.S. do Desterro em Castelo do Piauí no dia 28 do mesmo mês.
DOM ABEL NUÑEZ RECEBEU A SANTA REPRESENTANDO A DIOCESE DE CAMPO MAIOR. FONTE: diocesedecampomaior.blogspot.com.br
Dom Abel preparou uma recepção da imagem em Castelo do Piauí com grande pompa. Foi uma carreata popular de 110 km, de Campo Maior a Castelo do Piauí, embora a população campo-maiorense visse o movimento com uma certa apatia. Neste trajeto, milhares de fiéis vindos de Castelo do Piauí acompanharam a imagem de N.S. do Desterro, para assistirem solenemente a reintronização da padroeira na igreja matriz da Cidade. Foram convidadas autoridades estaduais, desde policiais, advogados e secretários que participaram da recuperação da peça, até o governado Lucídio Portela (n. 1922), que foi representado pelo secretário de Governo Freitas Neto (n. 1947). A imagem seguiu para Castelo do Piauí numa viatura do Corpo de Bombeiros.
IMAGEM DA VIATURA DO CORPO DE BOMBEIROS COM A SANTA NA ENTRADA DE CASTELO DO PIAUÍ, SEU DESTINO FINAL. FONTE: JORNAL O ESTADO.
Houve um grande clamor de alegria na cidade, com foguetórios e vivas a Santa por parte da entusiasmada população.
Teve um final feliz o episódio, com a escultura sacra recuperada, a prisão dos dois meliantes e a identificação dos atravessadores que alegaram ridiculamente desconhecer a origem da Santa.
Fontes:
Jornal O DIA, Teresina, 26 de julho de 1979.
Jornal O ESTADO, edições de: 07, 08-9 e 11 de abril de 1979; 26 e 31 de julho de 1979.