A enigmática pintura rupestre “pedra do esqueleto” no município de São José do Divino – Piauí

O município de São José do Divino está localizado no norte do estado do Piauí, na Macrorregião Meio-Norte, Território de Desenvolvimento dos Cocais. Possui uma área de 318 km2 e fica a cerca de 233 km de Teresina, capital do estado do Piauí. A cidade apresenta os seguintes limites territoriais: Caraúbas do Piauí, Joaquim Pires e Batalha ao Norte, Piracuruca e Batalha ao Sul, Batalha e Joaquim Pires a Oeste e Piracuruca a Leste. Sua população era de 5.148 habitantes, de acordo com o Censo realizado em 2010 [1]. Dentro dos seus limites, assim com em toda a região circunvizinha, ocorrem diversos sítios arqueológicos com arte rupestre, de acordo com o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), são 47 os sítios catalogados no município de Piracuruca [2], nesse cadastro não se encontram incluídos os sítios arqueológicos de São José do Divino, o que leva a crer que esse levantamento é anterior à emancipação do município de São José do Divino que se desmembrou de Piracuruca em 1992.

A arte rupestre é o conjunto de desenhos pintados (pictogramas) ou esculpidos (petróglifos) nas rochas, nas paredes e nos tetos das cavernas pelo homem pré-histórico. Para produzir esses desenhos, esses indivíduos utilizavam ossos, penas de animais e pedras como pincéis e fabricavam suas próprias tintas utilizando sangue de animais e outros elementos. É um patrimônio pré-histórico importante devido à quantidade e relevância de informações que ela pode fornecer sobre os nossos antepassados. Essas representações, por serem imóveis e visíveis, são fontes notáveis de simbolização, pois são testemunhos das atividades individuais e/ou coletivas, do cotidiano das populações que as produziram. Com relação à semântica dos desenhos, as artes rupestres podem ser figurativas ou geométricas abstratas. As três principais categorias de representação da arte rupestre são: as figuras humanas, os animais e os sinais [3]. É o tipo de arte mais antigo da história, com início no período Paleolítico Superior e é encontrada em todos os continentes. O estudo desta arte permite que os pesquisadores conheçam mais e melhor os hábitos e a cultura dos povos da antiguidade, fornecendo informações preciosas acerca da pré-história [4] (Figura 1).

Figura 1 – Ilustração do homem primitivo e a arte rupestre Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_yuw__HrXOFI/SeZNsYclyII/AAAAAAAAABU/CrDajnLnfaM/s320/Digitalizar0003.jpg

No Brasil existem três estilos predominantes de arte rupestre, classificadas pelas tradições Nordeste, Agreste (pictogramas) e Itacoatiara (petróglifos). Estas representações datam de aproximadamente, entre 3.000 e 10.000 anos atrás. Ao longo deste tempo muitas destas gravuras já foram destruídas e algumas continuam ameaçadas [5]. De acordo com [10] As pinturas da tradição Nordeste apresentam-se compostas por figuras conhecíveis, sendo frequentes as figuras humanas, de animais e, em uma frequência menor, as representações de plantas. São pequenas, medindo entre cinco e quinze centímetros. Apresentam cenas dinâmicas, com movimento e com uma grande variedade de temas dentre os quais a luta, a caça, a dança e o sexo. A cor predominante é a vermelha, aparecendo em várias tonalidades. Já as pinturas da tradição Agreste são registros rupestres em dimensões maiores que a Tradição Nordeste, com técnica gráfica e riqueza temática inferior aos da Tradição Nordeste. Na maioria das vezes representam seres estáticos ou com pouco movimento. Os antropomorfos apresentam-se isolados ou acompanhados de grafismos reconhecíveis. O registro rupestre é a primeira manifestação estética da pré-história brasileira, especialmente rica no Nordeste. Além do evidente interesse arqueológico e etnológico das pinturas e gravuras rupestres como definidoras de grupos étnicos, na ótica da história da arte representa o começo da arte primitiva brasileira [6].

Nesse contexto, diante de uma observação em, pelo menos, três sítios arqueológicos visitados em São José do Divino, podemos classificá-los com predominância na Tradição Agreste, em toda a região do município ocorrem afloramentos rochosos que são conhecidos pelos moradores como “mocosal”, nome esse dado devido esses locais serem o habitat de um roedor chamado mocó. Aqui destacamos o sítio da pintura do esqueleto, também conhecido pelos moradores como “pedra do esqueleto”, esse intrigante registro fica localizado na coordenada geoespacial 3°47’49.0″S e 41°46’05.0″W(Figura 2), é um extenso bloco de composição arenítica com torres de aproximadamente 8m de altura (Figura 3).


Figura 2 – Vista da localização geoespacial do Sítio Arqueológico Pedra do Esqueleto
Fonte: Google Earth


Figura 3 – Vista dos afloramentos rochosos (mocosal) onde está localizada a Pintura do Esqueleto
Fonte: Autor

A pintura do esqueleto está localizada em uma área privada, fica a uma altura de aproximadamente 2,5m (Figura 4) é um registro antropomorfo que se encontra em meio a um conjunto de outros desenhos de diferentes formas, nesse cenário rupestre, também se observa logo abaixo, uma seta apontando para cima e outros adereços em volta (Figura 5), registros rupestres com representações humanoides são encontradas em sítios arqueológicos de todo o mundo (Figura 6).


Figura 4 – Bloco de arenito com painel de pinturas rupestres a uma altura de aproximadamente 2,5 metros
Fonte: Autor


Figura 5 – Pinturas rupestres da pedra do esqueleto, destaque para a pintura humaniforme rodeada por outras formas, abaixo observa-se a pintura de uma seta apontando para cima.
Fonte: Autor


Figura 6 – Outros registros humanoides espalhados pelo mundo “A” França, “B” Brasil, “C” África do Sul, “D” Espanha.
Fontes: http://cultura.culturamix.com/historia/pinturas-rupestres, http://anotacoesdeumaaula.blogspot.com/2012/11/um-resumo-sobre-as-artes-visuais-no.html, https://br.depositphotos.com/27918067/stock-photo-bushmen-rock-painting.html, http://www.arqueomas.com/peninsula-iberica-arte-rupestre-cueva-del-castillo-de-monfrague.htm

A figura humana começou a aparecer nos desenhos rupestres no período neolítico, quando os homens já praticavam a agricultura e domesticavam os animais [7]. Aparece tanto em cenas do cotidiano da pré-história como em cerimônias. A dança, os rituais e a caça são as ações humanas mais representadas nas pinturas rupestres [8]. Não pode ser interpretada somente como uma representação ilustrativa, é muito mais que isso. A cosmovisão dos povos nativos da América do Sul inclui seres animados e elementos inanimados, todos eles fazendo parte de um todo integrado que carrega o caráter do sagrado e o ser humano faz parte desse todo. Essa sacralidade estava enraizada no pensamento naturalista e místico das pessoas que também hierarquizaram e respeitaram profundamente as figuras de poder dentro da comunidade. A figura humana, na arte rupestre, está sempre em função de uma ideia concebida pelo pensamento naturalista dos povos nativos que consideravam sua espécie uma parte a mais na natureza [9].

O município de São José do Divino, por apresentar muitos outros locais com Geodiversidade e, como tal, potencialmente importantes para o Geoturismo, necessita de mapeamento para que se tenha conhecimento e assim possam ser planejadas e executadas ações para Geoconservação [1]. Algo que precisa ser observado é a degradação que a pintura do esqueleto vem sofrendo ao longo do tempo, na região é comum a ação de queimadas para preparar a terra para plantação e pelo fato da pintura estar muito exposta à ação do fogo isso está contribuindo para que a mesma fique cada vez mais “sem cor”, parte dos pigmentos estão perdendo a tonalidade e outros desenhos ao redor já foram danificados ou sumiram; há relatos de moradores de que já presenciaram essa pintura com bastante “visibilidade” e que ela vem perdendo a cor ao longo do tempo. Também ocorre no local o desprendimento do arenito em virtude do calor principalmente, a rocha se desprende e a arte rupestre se perde (Figura 7). Cabe uma ação por parte dos gestores do município para a preservação desse patrimônio tão relevante e com ações bem planejadas pode inclusive ser um dos cenários de um roteiro turístico a ser implementado no município de São José do Divino.

Figura 7 – Blocos de arenito desprendidos da rocha onde está a pintura do esqueleto
Fonte: Autor


Referências (setembro de 2018):
[1] Carvalho, D. S., Cerqueira, C. C, Santos, F. A. (2017). “GEODIVERSIDADE E GEOCONSERVAÇÃO NO SETOR NORDESTE DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO DIVINO ( PI )” – III Encontro de Geografia da Educação a distância – UFPI”.
[2] http://portal.iphan.gov.br/sgpa/?consulta=cnsa
[3] https://docplayer.com.br/40940018-Francisco-gerson-amorim-de-meneses-segmentacao-de-imagens-de-arte-rupestre-utilizando-o-sistema-de-coordenadas-estelares.html
[4] https://www.estudopratico.com.br/arte-rupestre/
[5] https://artebrasileirautfpr.wordpress.com/2012/06/01/arte-rupestre-no-brasil/
[6] http://www.globalrockart2009.ab-arterupestre.org.br/arterupestre.asp
[7] https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/arte-rupestre/
[8] http://elidecastroarte-artmanha.blogspot.com/2012/03/figura-humana-na-arte-corpo.html
[9] http://www.rupestreweb.info/figurahumanacuyo.html
[10] http://www.rupestreweb.info/lagoamari.html