Eram aproximadamente umas 16:30, do dia 27 de maio de 2009, algumas horas antes do anoitecer; a cidade subitamente é surpreendida com a notícia do inevitável. O rompimento da barragem algodões! Em poucos minutos, a notícia foi repassada através de celulares, rádio e de boca a boca. A barragem rompeu! E para aumentar o pânico dos moradores da pequena cidade, um motorista de nome, José Tijoba, circulava em seu veículo, uma D-20, de cor vermelha, pelas ruas de Cocal, e sobre a carroceria, levava uma amplificadora, d’onde o mesmo fazia questão de anunciar o ocorrido, bradando, em um pequeno microfone, a triste cena.
José Tijoba dizia: “Atenção povo de Cocal, acabou de arrebentar a parede do Açude Algodões. Ondas de mais de 15 metros de altura vem destruindo tudo pela frente. Todas as casas que estavam próximas, já foram arrastadas. Não sabemos o tanto de mortos. Atenção Cocalenses, a barragem algodões acabou de arrebentar a parede…“. E assim deu os primeiros alarmes.
A população inquieta e temerosa foi para ruas. Muitos motoristas e, principalmente motoqueiros, sabendo do acontecido, deslocaram-se, rapidamente, para as áreas que ainda seriam devastadas, com o objetivo de alertar e ajudar no socorro e na retirada emergencial dos moradores das comunidades mais distantes, ainda não atingidas. Não há tempo a perder! O rio de morte descia descontroladamente. E não havia como prevê exatamente o tamanho da devastação que seria feita pelo efeito do poder das águas.
O morador de nome Chiquinho disse: “Vou ao tabuleiro avisar para todos saírem o mais rápido possível”. E assim partiu em acelerada sobre sua moto. Era uma ação arriscada frente ao turbilhão. Várias pessoas são alertadas pela rádio local, onde, instante em instante, o locutor, Raimundo Martins, repetia o alerta, incessantemente. O alerta é que todos deviam se retirarem de suas casas e procurassem abrigo nos pontos mais altos.
Por volta das 18 horas começavam a chegar os primeiros carros carregados de homens, mulheres, idosos e crianças. Eram em sua maioria pequenos caminhões, D-20, C-10. Em seu interior ouvia se o pânico, o medo, os relatos e o choro de alguns moradores. Trouxeram muito pouco de uma vida. O resto ficou para traz.
Por volta das 18:30, à Av: Joaquim Vieira de Brito, presenciou a chegada de centenas de pessoas das mais diversas partes da região que seria assolada Assustados, relatavam ouvir o barulho das águas. Muitos vinham a pé, trazendo pequenas trouxas de roupas, animais e crianças. Eram os moradores da redondeza do rio pirangi. As calçadas estavam repletas de curiosos que presenciavam o flagelo. Histórias eram contadas em cada esquina. Narravam-se enredos mirabolantes e trágicos. Cada um com riquezas de detalhes acompanhados de pânico.
As 19 horas o pároco da cidade, Padre Everaldo, convocou os fiéis da igreja matriz; para que naquela noite, iniciassem uma corrente de orações em sufrágio das vítimas. Rapidamente, a igreja ficou lotada por fieis que pediam clemência a Deus, e em suas orações a prece e os pedidos de socorro. O ritual religioso era seguido por terços e missas que adentraram a madrugada, guiados pelo padre Everaldo. Em todos os momentos era invocado a mão de Deus e de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro para aliviar e ajudar tantos cocalenses que poderiam naquele momento estarem perdendo suas vidas.
As 19 horas e 15 minutos, as luzes da cidade começaram a piscar. O rio de morte já estava próximo. Em poucos minutos, a pequena cidade mergulhava numa profunda escuridão. As luzes se apagaram. A região era envolvida em um grande suspense. As últimas notícias afirmavam que as águas já tomaram o prédio da escola agrícola, a menos de 2 km da sede do município. Provavelmente, os postes teriam tombados com as forças das águas.
Sem estrutura e nem forma de pedir socorro, a população aguardava apreensiva o desenrolar da triste cena. Alguns homens do guarda civil, e voluntários se deslocaram para a região próxima à cidade, já que não tinha como adentrar para a região mais crítica, num intuito de salvar alguém. Um dos guardas, ao presenciar tamanha destruição e ao acompanhar com uma pequena lanterna, a cena dantesca, exclamou! “Meu Deus! podemos ter centenas de pessoas mortas!”. Dava para ver e ouvir o barulho de animais que se contorciam e berravam; eram rebanhos inteiros lutando pela vida, enquanto eram levados pelas águas, sem nada poder fazer. A única certeza naquele momento era que as primeiras comunidades rurais, mais próximas ao açude, já não mais existiam. Tinham sido arrastadas centenas de casas das localidades: Franco, Cruizinha, Boiba, Angico Branco, Tabuleiro e outros ainda no caminho da destruição, esperando pelo seu algoz.
Pais desesperados contavam os membros de suas famílias na ânsia de todos estarem vivos! Eram levados para escolas. Único local que dispunha de uma certa comodidade. Não havia redes e nem camas. Apenas banheiros e cozinhas. As crianças dormiam amontoadas nos cantos das salas, enquanto os moradores, entorpecidos e extasiados, passavam a noite em vigília. Somente, no dia seguinte iniciaram campanhas de arrecadação de roupas, colchões e agasalhos. A população atendeu rapidamente o pedido de socorro e logo as escolas se transformaram em casas coletivas dos flagelados do Açude Algodões.
O dia amanheceu para os sobreviventes, mas a noite da agonia marcaria para sempre a vida do povo cocalense.