Antes de começarem a leitura, se a entenderem como uma crítica, saibam que é mesmo, não a ninguém em específico, nem a governos específicos. Trata-se de uma crítica a todos nós cidadãos, sem exceção. Também não se trata de um recorte temporal, creio que o que está escrito abaixo, no geral, se aplica a qualquer período da história piracurucal*.
Parece impactante o tema deste artigo, mas não leve ao pé da letra, afinal, não há quem seja contra estes três “atletas”: história, turismo e cultura. Tão indefesos e tão relegados à beira de um campo, em um time cuja a bola pertence aos três, portanto, sem eles, provavelmente não teria jogo, eles têm que jogar e são colocados para completar o time, mesmo que passem o jogo todo pedindo bola e não recebam nenhum lançamento do craque distribuidor das “boladas”. Ficam lá, no silêncio e no obscurantismo de uma partida que ninguém sabe quando começou e ninguém sabe quando vai terminar, pois é algo cultural, agora sem trocadilho.
O placar do jogo acima já dá pra imaginar: muitos gols para o(s) adversário(s) e zero para uma cidade cujo muitos dos seus moradores não reconhecem a sua história, desse modo, não dão a ela o seu devido valor. São capazes de ficarem indiferentes à situação precária dos vários prédios históricos da cidade que estão desocupados e morrendo à míngua. Sem os cuidados necessários, esses imóveis ficam à mercê do tempo, ameaçados de virar escombros e talvez darão lugar a um edifício vazio de história. Ficará então só a lembrança do lugar, para aqueles que têm o dom de lembrar das coisas.
A conclusão metafórica acima é cheia de certezas, pois, o que observo, é que são poucas as mobilizações, seja do poder público, seja da sociedade, em prol de restaurações e uso de imóveis que fazem parte do patrimônio histórico da cidade de Piracuruca. Pelo contrário, com relação ao nosso centro histórico, recentemente, a afamada e histórica primeira RUA, foi obrigada a ver, descendo pela sua GOELA, um mar de pincho, para o bem da mobilidade urbana.
Algumas exceções sempre existem, o prédio da Unidade Escolar Anísio Brito é uma delas, porém, é uma restauração que poderia ter sido antecipada, pois, é melhor tratar o doente logo no começo da enfermidade. Deixar o prédio da escola ficar tão precário ao ponto de ter que precisar mudar a escola de prédio para continuar as aulas, com certeza não foi a melhor opção. Isso fez aumentar os gastos públicos com a obra, com certeza a quantidade de serviço ficou maior.
Daí vem a questão do turismo, convenhamos que ninguém sai de sua casa para fazer turismo por cidades ditas históricas, sendo que nelas existam prédios modernos e asfalto. Ora, se querem ver prédio moderno e asfalto, os turistas vão para uma metrópole, não é mesmo? Que tal um passeio por uma rua do começo do século passado, com o seu piso rústico de pedra e em que seus casarões mantém a sua arquitetura original e foram transformados em quiosques, pizzarias, bares, lojas de artesanato, uma rua ornamentada com luminárias de época, uma área além de turística, com entretenimento e geradora de renda para a comunidade. Pois é, era para ser assim, a nossa Rua da Goela.
Isso ajudaria a movimentar toda uma cadeia produtiva que envolveria: hotéis, restaurantes, comércios, pousadas, etc. Além do mais, o artesanato poderia ser explorado em sua plenitude, com um local onde os artistas da cidade poderiam expor e vender seus trabalhos. Em paralelo, jovens poderiam participar de oficinas, como por exemplo, o de artesanato em Pedra Sabão, historicamente comercializado nas Sete Cidades e cujos artesãos já estão bem resumidos. Sem interessados e incentivo para que seja multiplicada a técnica do artesanato em Pedra Sabão, a tendência é que dentro de alguns anos, também essa arte não exista mais. Além disso, tem os pintores com seus quadros, o artesanato em cerâmica, em tecido e em palha, e tantas outras peças e artes que deveriam ser expostas e comercializadas, seria uma forma de inserir a cultura na vida dos jovens, além de possibilitar um meio de poderem ter alguma renda.
Por falar em Sete Cidades, enchemos o peito ao dizer que 75% da área do Parque fica no território piracuruquense, mas o fato é que nunca, nunca houve uma política pública séria que pudesse de fato aproveitar essa benesse natural. Temos no entorno do lado piracuruquense, lugares históricos como a Casa Velha dos Escravos, simbólicos para a cidade como o morro do Bom Gosto, aprazíveis com tantos riachos e tantos sítios arqueológicos com pinturas rupestres. Áreas próprias para a implementação do turismo rural de base comunitária, envolvendo os próprios moradores locais em empreendimentos a exemplo do Quintal do Curiólogo, onde a rusticidade, a vivência e a maneira com que ocorre a sustentabilidade, são grandes atrativos para os turistas. Falta visão e vontade, isso é o poder público quem é o responsável por fomentar.
Os piracuruquenses “desamam” tanto o Parque, que parece que se acostumaram e nunca cobraram seriamente dos seus políticos o asfaltamento da estrada que os levam até o Parque Nacional de Sete Cidades. A velha via esburacada, que ficaria muito bem coberta com a mesma receita de asfalto que foi usada na Rua da Goela, serve, além de exigir perícia de quem trafega por ela, serve para causar prejuízo aos donos de veículos e ter elevados riscos de acidentes, e também serve, principalmente como tema para uma bela promessa em véspera de eleição, mais ou menos assim: “…caso eu seja eleito, fica aqui o meu compromisso, de lutar pelo asfaltamento da estrada que liga Piracuruca até as Sete Cidades…” não mudam nem o texto, copiam e colam de 4 em 4 anos.
E o nosso Rio Piracuruca? Vendo lentamente as imediações de sua grande barragem sendo transformadas em um bairro, construções sendo feitas muitas vezes sem o cuidado e preocupações com o tamanho da interferência no meio ambiente, desmatamentos além da conta e o lixo que muitos não se preocupam em descartar da forma correta. Precisamos de um olhar mais amoroso para com o nosso rio. Além do mais, tem o esgoto urbano que é jogado na sua passagem pela cidade, um castigo eterno sem tempo para acabar. Precisamos ser vigilantes e seletivos com quem vem usar a terra piracurucal para implementar o agronegócio. As correntes que devastam o meio-ambiente, para dar lugar ao tal de progresso, irão também aprisionar a consciência dos omissos, caso haja a devastação de mananciais, ecossistemas e caso a fauna e a flora sejam afetadas de forma desmedida, influenciando negativamente a qualidade de vida das gerações que virão.
Se serve de consolo, tudo isso não é uma exclusividade piracurucal, digamos que o Piauí está assim, os “gafanhotos” chegaram para ocupar a nova fronteira agrícola, as nossas terras. Pelo menos, no quesito patrimônio histórico, algumas cidades no Piauí ainda se preocupam com o tema, como: Oeiras, Pedro II e algumas outras poucas exceções. Vem agora a lembrança da nossa Ferrovia que deixaram acabar, não dá pra conceber como deixaram isso acontecer, pois, mesmo sem o transporte de gado, cera de carnaúba e demais produtos que eram transportados no passado, ainda restaria o transporte de passageiros e o turismo. Uma ferrovia que passa ao lado do Parna Sete Cidades e leva ao litoral, não poderia morrer. Também não há uma comoção popular por isso, todos viram a Ferrovia definhar, foram e permanecem inertes. De vez em quando lembram, quando na memória soa o apito do trem.
Apesar dos atrativos históricos que ainda existem e das suas belezas naturais, nós não temos em Piracuruca os serviços básicos para uma cidade turística. Falta um centro de apoio ao visitante, de preferência na Praça Irmãos Dantas, para quem chegar na cidade saiba para onde se dirigir e pedir informações, também que existam guias e pessoas instruídas para prestar informações sobre a cidade. Prova disso é que recentemente saiu uma nota na imprensa, noticiando que o Piauí subiu de 32 para 38, os municípios incluídos no mapa do Turismo do Brasil e pasmem, Piracuruca não está entre eles, o que faltou? Onde está a falha? Se isso não é descompromisso com o potencial turístico da cidade, o que seria?
Quanto aos diversos sítios arqueológicos com pinturas rupestres existentes na cidade, poderiam ser estruturados e aproveitados para o turismo, principalmente aqueles mais próximos à área urbana, como por exemplo: Limoeiro, Baixa da Teresa, Saco do Monte Belo, São João do Adelino, Pedra da Foca e tantos outros, poderiam ser encaixados em um roteiro. No entanto, o que está ocorrendo é o contrário, a urbanização avança e ao invés disso, eles estão sendo destruídos, salvo o que se encontra no Parque Nova Piracuruca, alguns como por exemplo o do Cantinho que já foi bastante comprometido e principalmente o existente no Olho D’água do Padre, que já está praticamente urbanizado, de forma desordenada por sinal. Sobre esse último, há alguns anos foi sugerida a construção de um Parque Municipal no lugar, mas nada foi feito e a urbanização chegou chegando, agora ficou praticamente impossível a criação do Parque Municipal Olho D’água do Padre.
Porém, existem a água e o vinho, há de se destacar alguns piracuruquense que tem feito muito, gostaria aqui de citar alguns, em nome de todos. Primeiro, a Dona Maria do Carmo Fortes de Brito, realmente uma referência nessas áreas citadas acima, e foi na gestão dela que a área cultural da cidade respirou os melhores ares. Deu sua grande contribuição para a cidade na literatura, deixando registrado seus apontamentos no livro “Remexendo o Baú”, posteriormente com o seu esposo Zé Brito, Dona Maria do Carmo criou o espaço Nossa Casa de Cultura, um museu de acervo riquíssimo. O museu deveria ser um espaço aberto constantemente para os visitantes, e assim, fazer parte da rota das visitações dos turistas pela cidade. Talvez para isso acontecer, seja necessária uma parceria com a prefeitura, e por que não fazer?
Temos que revitalizar as semanas culturais, incentivar a produção literária e o ressurgimento das nossas raízes culturais e folclóricas. Uma cidade que já produziu intelectuais a nível de: Anísio Brito, Jureni Bittencourt, Augusto Brito, Magalhães da Costa (todos in memoriam), e tantos outros que também já adormeceram e ainda muitos outros contemporâneos que estão na luta e são verdadeiros arcabouços de conhecimentos, cito como exemplo a memorista Constância Brito. A cidade tem um berço cultural riquíssimo e como tal precisa de apoio e incentivo. A inserção da história local e conhecimentos básicos sobre arqueologia no ensino básico é uma necessidade. As crianças tem que conhecer a história da sua cidade e devem ser aliadas na conservação, proteção e valorização dos sítios com pinturas rupestres.
Outro lutador é o maestro Luiz Adriano, que vem fazendo todos os esforços para revitalizar a Banda de Música da Cidade, é um batalhador que merece o apoio de todos. Destaque também para o Professor Iran Machado, que já há algum tempo aponta o equívoco histórico com relação à data da criação do município. Nesse assunto especificamente, acho que não restam mais dúvidas, todos já estão convencidos do erro histórico, e agora? O que fazer para rever essa questão? Os vereadores aprovam a mudança e o prefeito sanciona? É isso? Acho um assunto muito importante, mas se depender de cidadãos que não valorizam os aspectos citados acima, acho pouco provável que isso desperte o interesse de alguém que possa realmente fazer acontecer.
Acredito que essa mudança, sugerida pelo Professor Iran, para que o aniversário de emancipação da cidade passe a contar a partir de 6 de julho de 1823, tem que vir associada a um contexto, aproveitando um embalo e puxando a corrente de uma mudança de paradigma que envolva a sociedade, iniciativa privada, poder público, enfim, todos. Tem que ser algo de dentro para fora, sustentada por uma política do município e não de um mandato ou de outro. Portanto, tem que ser criada uma, ou mais de uma, Lei Municipal, com mecanismos para que a cidade possa, enfim, se beneficiar do seu potencial histórico, turístico e cultural.
Resta sonhar, para que as próximas visitas do Governador do Estado, não as levem sempre para o mesmo lugar, que não venha novamente inaugurar mais um pedaço da reforma da Escola Anísio Brito, e sim ela concluída. Que o monumento em homenagem à Escaramuça do Jacaré saia finalmente do papel, e ainda que o construam na margem da BR 343, façam um memorial com espaço de visitação e de apoio às comunidades do entorno, para expor seus produtos aos visitantes que trafegam pela BR e assim, obtenham alguma renda.
Bom, finalmente, que os nossos três “atletas” citados lá “imriba”, passem a ser protagonistas no jogo, recebam bola e sejam valorizados, que os titulares de suas pastas tenham condições orçamentárias suficientes para executar seus planejamentos, que por sinal, devem ser mais audaciosos, duradouros e concretos. Que paremos de empurrar as responsabilidades para o outro, se é particular, ou municipal, ou estadual, ou federal, isso a Piracuruca não quer saber, ela quer é ser bem tratada e que seja visto o seu valor, além do trivial. Enfim, rezei aqui uns 20 rosários, pedindo a mesma coisa aos “santos”: reconheçam, valorizem e respeitem a História, o Potencial Turístico e Cultural da Piracuruca.
F Gerson Meneses – 06/02/2023
* piracurucal: uma forma peculiar de como eu me refiro à cidade de Piracuruca.