Luís Correia (PI): Amarração ou Armação?

No ano da Independência do Brasil, o litoral do Piauí era protegido militarmente por alguns redutos, entre estes estava o da Amarração na barra do Rio Igaraçu no Delta do Rio Parnaíba, construído na então Coroa dos Tanques. Redutos eram fortes pequenos e isolados com a sua muralha feita de fileiras de toras de madeira preenchidas com pedra e areia. Mas, por que Coroa dos Tanques?

 
Cópia parcial da Planta que mostra as fozes do rio Parnahiba, 1826. No detalhe, a Barra do Igaraçu no Delta do Rio Parnaíba, com a Amarração à esquerda e, o Reduto, o Mastro da Freguesia dos Navegantes e o Sitio dos Pescadores à direita. (Franklin Antônio da Costa Ferreira). Acervo Digital da Biblioteca Nacional do Brasil.

No século XVI, o francês Jean de Léry observou as grandes baleias que, vindas do Sul, entre os meses de junho e setembro, procuravam as águas tropicais do mar brasileiro. Fernão Cardim observou que eram tantas que às vezes se veem quarenta e cinquenta juntas. Esses cetáceos, também foram alvo da pena de Gabriel Soares de Souza que, em 1587, passou pelo Delta do Rio Parnaíba, encontrando Nicolau de Rezende vivendo a dezessete anos entre os índios tremembés, que chamavam o portentoso monstro de pirapoã – peixe que se empina e se revolve.


Caça a baleia e o processamento dos seus produtos. Xilogravura da Cosmografia Universal de André de Thévet: Paris, 1574.

Imagem: <pt.wikipedia.org/wiki/Arma%C3%A7%C3%A3obaleeira>.

Ainda no século XVI, teve início a pesca da baleia no Brasil colônia. Do peixe real, tudo era aproveitado, sendo o produto mais importante o azeite armazenado em tanques de madeira, produzido a partir de sua banha, aproveitado para iluminação, construção civil, impermeabilização de navios, fabrico de velas, sabões e outros produtos. À época, nas vilas e povoados, as casas eram chamadas de fogos, justamente por ter suas lamparinas acesas quebrando a escuridão da noite.

A espécie mais comum e mais caçada era a franca, por ser presa fácil. Como as baleias vinham para a procriação, os arpoadores caçavam e prendiam os filhotes na proa do barco para atrair a mãe, que depois de arpoada, chegava a vez do baleote.

Mas é no século XVII, que a Coroa portuguesa se interessa pelos lucros dessa indústria. A partir de então, a pesca da baleia passa a ser monopólio da Fazenda Real, assim como o pau-brasil e o sal, sendo os contratadores portugueses de prestígio e grandes negociantes, pois o investimento nessa empresa era volumoso, como também o lucro. Em regra, quem oferecia mais aos cofres reais arrematava o privilégio, e passava a explorar a razão do contrato durante três anos.

Os engenhos para processamento dos produtos vindo da baleia eram chamados armações, e se espalharam ao longo da costa da América portuguesa, nas baías e enseadas. Nas armações estavam fábricas, alojamentos, armazéns, fornalhas, tanques, caldeiras, escravos, embarcações, e apetrechos da pesca e da manufatura do azeite. Ainda era necessário que o contratador tivesse terras próximas as armações, de onde se retirava a lenha que alimentava as caldeiras e a madeira para o fabrico dos tanques.

Entre os trabalhadores das armações estavam administradores, feitores, oficiais, mestres, operários, timoneiros, remadores, arpoadores, os facas que retalhavam o peixe, entre outros, num total de quase uma centena de homens. Quanto se aproximava a época do funcionamento das armações, aconteciam cerimônias que se iniciavam com missa, uma vez que a atividade era de alto risco. O padre benzia as baleeiras e canoas, e até as instalações e instrumentos. Declarada aberta a temporada de caça a baleia, escravos subiam no ponto mais alto da praia e ficavam de atalaia, a espera do primeiro esguicho do peixe. Avistado, o vigia sinalizava, dando início ao sanguinário ritual. Após o último suspiro do animal, uma embarcação içava uma bandeira branca, avisando o fim da luta, daí, a baleia era levada em preamar até a praia e, ao chegar a baixa-mar, seguia-se o esquartejamento, enquanto as caldeiras começavam a ferver.

Assim, em abril de 1765, Inácio Pedro Quintela e sete comerciantes de Lisboa, apoiados pela política do Marquês de Pombal, arremataram o contrato da pesca da baleia, pelo prazo de doze anos, compreendendo as armações nas costas do Brasil e Ilhas a elas adjacentes, pela considerável quantia de 80 mil cruzados. Entre os contratadores, o português Domingos Dias da Silva.

Domingos adquiriu grande fortuna no Rio Grande. Em 1762, no Sul da colônia, era sócio de José Álvares de Mira, e juntos participavam de 17 contratos diferentes arrematados junto a Coroa. Em 1768, chegou ao litoral do Piauí, atraído pelas favoráveis condições da vila de São João da Parnaíba, aonde já residia o seu sobrinho Manoel Antônio da Silva Henriques, instalando fazendas de gado, e oficinas de couro e charque. Tinha grande influência no meio político de Lisboa, conseguindo transporte direto de suas mercadorias exportadas da Parnaíba para Portugal, sem que os seus navios passassem pela alfândega de São Luís do Maranhão, aonde tinha Companhia de Comércio e o imposto alfandegário deveria ser pago.

Como a chegada de uma baleia no litoral do Piauí dependia da mesma escapar dos arpoadores de outras capitanias mais a Leste e Sul, é provável que a armação da Barra do Igaraçu não se comparasse às da Bahia, ou Santa Catarina. Caçadas à exaustão, o fim do período de apogeu das armações chegou com o alvorecer do século XIX e a descoberta do combustível fóssil. A pesca da baleia só veio a ser proibida no Brasil em 1987, quando a armação da Paraíba cessou de tingir de vermelho as águas da praia de Costinha, aonde a Copesbra foi responsável pela matança de mais de 22 mil animais, durante quase trinta anos.

Vale lembrar que, o centro da antiga Amarração, hoje Luís Correia, não era aonde se encontra a igreja de N S da Conceição, e sim próximo à chamada Barra Velha, na Coroa dos Tanques, mudança ocorrida no início do século XX provocada pelo avanço das dunas e mar. Em várias construções do Centro Histórico da Parnaíba, ainda se observa nas suas alvenarias a presença de argamassa com óleo e osso de baleia, além de pó de concha. E não seria a Coroa dos Tanques, dos tanques que armazenavam o azeite? A Praia de Atalaia o ponto de observação da chegada das baleias e, Amarração uma Armação instalada pelo rico comerciante português?


Baleia morta na praia da Pedra do Sal, Parnaíba, litoral do Piauí, em 2013.

Imagem Márcio M. Leal: <http://www.folhadeparnaiba.com.br/2013/12/baleia-encontrada-na-pedra-do-sal-e.html>.


Praia de Atalaia, Luís Correia, litoral do Piauí. Ao fundo, a assoreada Baía de Amarração, na Barra do Rio Igaraçu, no Delta do Rio Parnaíba. Imagem Brasil Destinos: <http://www.baixaki.com.br/usuarios/imagens/wpapers/1373207-70339-1280.jpg>.

Obs.: fica a sugestão para que a praia mais oriental da cidade de Parnaíba, na Ilha Grande de Santa Isabel, seja denominada de Praia de Pirapoã, um respeito aos nossos ancestrais e nossa História.