Piracuruca entrada e saída dos “Trilhos”

Não é novidade apontar que uma das maiores barreiras para o desenvolvimento econômico brasileiro foi e é a precariedade das vias de transporte.  E corriqueiro ouvirmos que muitos dos ciclos econômicos que vivenciamos ao longo da história tiveram tal gargalo como fator determinante para sua derrocada. Nesse pressuposto,  o  presente trabalho pontuará sobre o modal ferroviário no Brasil, Piauí,  e em especial,  a efêmera existência do Trem na cidade de Piracuruca.

Na segunda metade do século XVIII ocorreu uma verdadeira revolução na Grã-Bretanha, que levou o homem a dominar a força motriz do vapor e sua associação a máquina de forma rápida e irreversível. (IANONE, 1992, p. 03).

As ferrovias seriam, para o mundo do século XVIII, o que é o computador para o século XXI,  indispensável em qualquer conjuntura econômica, sinônimo  de modernização, alavancador e encurtador de distâncias e barreiras, sendo o divisor entre modernidade e atraso, responsável pelo despontar de nações para um crescimento sem precedentes. Como afirma Hobsbawn (2001, pag. 61) “Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia”. Assim sendo, cabe, aqui, estabelecer uma linha cronológica deste causador de mudanças no Brasil e no Piauí, para, posteriormente, compreender a influências dos seus ares na cidade em estudo, no caso Piracuruca.

Surgido no século XVIII na Europa, o aparelho ferroviário só passou a compor o espaço terrestre brasileiro a partir da segundo metade do século XIX, pois, mesmo tendo anteriormente o governo estabelecido uma lei dando incentivos à construção de ferrovias, o projeto só veio a ter sua primeira real implementação com Irineu Evangelista de Sousa[1][1], o Barão de Mauá, importante empreendedor e empresário obstinado pela inovação. Em 1854, é inaugurada a primeira estrada de ferro no País, tendo como primeira locomotiva a desfilar sobre os trilhos brasileiros a “Baronesa”, nome dado em homenagem à esposa de Irineu Evangelista. Nos trechos de Caldeira, percebe-se como esta novidade estava depositada a esperança de um futuro prospero:

Hoje dignam-se Vossas Majestades de vir ver correr a locomotiva veloz, cujo sibilo ecoará na mata do Brasil prosperidade e civilização, marcando, sem dúvida alguma, uma nova era. Seja-me permitido, Imperial Senhor, exprimir nesta ocasião solene um dos mais ardentes anelos do  meu coração, esta estrada de ferro que se abre hoje ao trânsito público, é apenas o primeiro passo de um pensamento grandioso (CALDEIRA, 1995, p. 291).

Ao Nordeste coube a honra de receber a segunda estrada de ferro construída no Brasil. Por volta do ano de 1858, fora construída a via que ligava Recife a Vila do Cabo. No Piauí, a chegada desta revolução tem suas primeiras menções com o decreto de nº 77, de 25 de maio de 1871, porém, apenas em 19 de novembro de 1916, na administração do governador Eurípedes Clementino de Aguiar, este sonho torna-se realidade, a “Piauhyense” inaugura o trecho “Amarração-Parnaíba”.

Nessa altura do campeonato, estar próximo a uma ferrovia ou ligada por uma, era condição determinante para prosperidade. É nessa perspectiva que o Piauí vai dar início à distribuição deste progresso. Cabe salientar que, a partir deste momento, algumas cidades serão contempladas com este benefício, o que trará enormes contribuições econômicas e mudanças em todas as esferas da sociedade.

Pode, então, se dizer que, se para o a região sudeste o café teve papel decisivo na implantação ferroviária, em Piracuruca ela está intimamente ligada ao bom momento que a cidade vivia, propiciada pelo ciclo da carnaúba, economia esta que será em outro momento analisada. Porém, pode-se adiantar que os trilhos vão ser responsáveis por alavancar o produto que favoreceu, para a economia piracuruquense, os anos dourados, como é comum reportar-se àquele ciclo. É conveniente dizer que, a chegada da estrada de ferro, aliada ao extrativismos de produtos como o  couro do boi, o tucum, o coco babaçu e a carnaúba, viria dar  início, em Piracuruca,  a um significante crescimento. A propósito do progresso vivido pela cidade àquela época, Brito menciona que:

Um sopro de progresso se descortinou. Muitos chegaram a prever o alvorecer de uma nova era. Realmente, Piracuruca passou por um período de prosperidade. Naquela época, os coronéis da cera de carnaúba despertaram para morar melhor, palacetes foram construídos. Estampado ficou o bom gosto na escolha de móveis, porcelanas finas e pratarias refinadas […] água encanada e banheiros internos (Britto 2003, p. 61).

Cabe aqui mencionar que a vontade de alguns políticos da região foi decisiva para que tal conquista tenha se consolidado. Dentre estes que enxergaram nos trilhos a possibilidade do progresso para a cidade estão Gervásio de Brito Passos e José Pires Rebelo, que, em detrimento a políticos cearenses, que ansiavam em manter uma espécie de monopólio comercial, visto que nesta época o Piauí fazia parte da Viação Férrea Cearense, tiveram atuação decisiva na concretização desta conquista, fato este observado no discurso do deputado José Pires Rebelo, extraído do livro “Apontamento Históricos da Piracuruca”:

Julgo-me dispensado de dizer mais algumas coisas nesse sentido. Bastando as palavras que proferi para mostrar a injustiça com que está sendo tratado o Piauí, injustiça mas clamorosa se tem em vista que a única estrada de ferro que atualmente se constrói lá é o ramal férreo da Amarração a Campo Maior, e este ligado a viação Férrea Cearense, que lhe suga toda a seiva  e toda possibilidade de vida (BITENCOURT, 1989, p. 59).  

Foto 01: Locomotiva da E. F. Central do Piauí provavelmente nos anos 1950 em frente à estação de Piracuruca (Autor desconhecido, cessão Daniel Gentili).

Pelejas à parte, em 19 de novembro de 1923, Piracuruca, finalmente tem a honra de receber a inauguração do ramal que a ligaria às cidades de Parnaíba e Amarração, o que representou um enorme passo para sua economia, incluindo, a partir daquele momento, o município em uma espécie de  “revolução industrial”. Sobre esse momento, pondera Brito:

Foto 02: Roosevelt Reis; Gerson Ferreira; Daniel Gentili; IBGE: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 1957; Guias Levi, 1932-80; Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil, 1960)

A construção da estrada de ferro mexeu com a vaidade e gerou perspectiva de progresso em todo o município. Com a sua inauguração e o advento da exportação de carnaúba e de outros produtos, Piracuruca passou por um surto de prosperidade (Brito 2003, p.59).

Todavia, tamanha conquista não se perpetuará por todo século XX, tendo sua desativação, primeiramente da parte do transporte de passageiros, em finais da década de 70, e posteriormente o setor de cargas em meados dos anos 80, o que vai acarretar enormes prejuízos e desperdícios, não somente do capital investido naquele aparato ferroviário, que, a mercê do tempo, vai se deteriorando, mas, pelo fato de que todo um complexo ciclo econômico em torno do personagem trem, ter, subitamente, desaparecido.

Autor: Raimundo Nonato de Araujo ([1][1] Graduado em Administração pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Pós-graduado em História do Brasil pela Faculdade Latina Americana (FLATED) ,  Gestão Pública Municipal pela UFPI/CEAD e Gestão e Educação ambiental pela-UESPI. Email: [email protected].

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos Históricos da Piracuruca. Comepi. Teresina- PI, 1989.

BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú. Gráfica e editora Ideal.  Piripiri – PI, 2002.

CALDEIRA, Jorge . Mauá Empresário do Império. São Paulo: Compania das letras, 1995.

HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções (1789-1848) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 2ª Edição vol. II 1945