Crônica: O futebol brasileiro e a geração sobrancelha

A minha primeira memória no futebol não foi nada boa, eu, um pequeno pirilampo, no alto dos seus quase 6 anos de idade, vendo meu pai e um grupo de amigos reclamando em frente a uma televisão colorado preto e branco, cada vez que saia um gol. Eu não entendia nada, pois, se era gol, era para comemorar e não para ficar triste.

Só alguns anos depois fui saber que era a Copa de 1978 e o jogo era Argentina contra Peru. Naquele 21 de junho de 1978, a Argentina precisava ganhar por no mínimo 4 gols de diferença e Mário Kempes e seus hermanos empurraram 6 a 0 no goleiro Ramón Quiroga do Peru, que por “providência divina” era nascido na Argentina. Com esse resultado, a Argentina foi para a final contra a Holanda e o Brasil saiu como campeão moral, um honroso 3º lugar ao ganhar da Itália por 2 a 1. Muitos juram de pé junto que o Peru “entregou os frangos”.

Já a minha segunda grande memória foi extremamente feliz e foi a responsável por alimentar a minha paixão pelo futebol. Eu menino ouvia sempre falar de um tal de Zico e cresci tentando imitar ele com os meus kichutes atrapalhados. Zico passou a ser o grande norte que eu tinha de futebol, para mim futebol era Zico e Zico era futebol. Por causa dele eu passei a torcer para um tal Flamengo e 3 anos depois da copa de 1978 eu tive a minha primeira grande alegria no futebol, quando o escrete rubro negro foi campeão no Japão em 1981, ganhando do Liverpool por 3 a 0.

Minha vida futebolística daí em diante foi cheia de altos e baixos, como tem que ser mesmo, afinal de contas, é jogo, jogo se perde, se ganha e as vezes empata. Chorei muito e xinguei o Paulo Rossi em 1982, ao ver ele fazer 3 gols na seleção brasileira na Copa da Espanha, era a melhor seleção brasileira que já vi jogar até hoje, Zico estava nela. Em seguida uma alegria, quando o Flamengo de Zico foi campeão brasileiro em 1983 em cima do Santos do Antônio Terto, meu pai.

E a vida seguiu, vi a maravilhosa geração de 1982 se esfacelar e ir aos trancos e barrancos para o México em 1986 e perder nos pênaltis para a França, pênalti perdido por Zico. Vi o Maradona fazer fila na nossa zaga e derrotar o Brasil em 1990, o título de 1994, o vice de 1998 e a redenção de Ronaldinho Fenômeno em 2002. Daí em diante, não me pergunte porque eu sei muito pouco, o futebol foi perdendo o brilho, ficando chato, mecânico, tático demais da conta e automático, parecendo até jogo de vídeo game, desumanizado, sem talento. Adeus futebol arte!

Os clubes europeus passaram a dominar o futebol, cada vez mais cedo eles vêm garimpar os talentos na África e na América do Sul, deixando os clubes desses continentes somente com jogadores meia boca e os veteranos que retornam da Europa igual bagaço de cana chupado. De tanta miscelânea, o futebol brasileiro perdeu a identidade, perdeu o seu fundamento. A alegria que tinha nas pernas dos moleques descalços nos campinhos de pelada foi aos poucos sendo substituída por ornamentos incluindo: brincos, tatuagens, tratos no cabelo e até uma delineada sobrancelha.

Nada contra os ornamentos acima, desde que eles sejam secundários diante do futebol que deverão apresentar, sinceramente não sei como alguns jogadores conseguem cabecear uma bola sem desfazer o penteado ou sacar a tiara do cabelo, gostaria muito de ver o eterno João Saldanha lidar com essa situação hoje.

Bom, com a falta de talentos no futebol brasileiro, resta tentar se reinventar, o pior que essa reinvenção está baseada em copiar os europeus, prova disso é o Fluminense com seu treinador cheio de boa vontade e esforço. Fernando Diniz promove um toque de bola sem fim, que começa debaixo da trave do seu time e fica matando o torcedor do coração até um bando de veteranos se cansarem e perderem a bola para o adversário. Isto até que funciona de vez em quando por aqui, mas contra um europeu, como o caso do Manchester City na final do mundial de clubes, deu até dó, tomaram de 4 e cabia mais.

Ao final, tivemos que nos contentar “emprenhando” a bola por alguns minutos, sem muita objetividade, faltou talento para ir em busca dos gols, que é o que importa. Quando o adversário queria, ia lá e beliscava. A situação no futebol brasileiro é tão triste, que hoje são muito poucos os que conseguem escalar a seleção brasileira atual.

E o que fazer então? Não sei, talvez usando um termo atual: teria que formatar tudo e começar do zero! Repensar desde a base, métodos de treinamento e ir em busca de nossas raízes, nosso método originário de jogar bola tem que prevalecer, talvez ressuscitar os pontas, resgatar a nossa identidade. Parar um pouco de se preocupar com as sobrancelhas, já é um bom começo.