A chegada do circo, com certeza é uma das maiores novidades nas cidades do interior, na histórica Piracuruca isso não é diferente, principalmente em meados dos anos 1980, quando as opções para divertimento e entretenimento eram bem menores do que hoje. Naquela época, quando não era o circo era o parque de diversões, com as suas rodas gigantes, ótimas para menino malino, que gostava de cuspir lá de cima e ficar olhando o percurso bombástico do cuspe, até “explodir” na cabeça de alguém.
Foi nesse pano de fundo que chegou à cidade um pequeno circo e se instalou no morro do Patronato, onde hoje foi construída a Praça Madre Gurgel. Logo a criançada ficou desconfiada, pois não se via palhaço da perna de pau nas ruas jogando bombom e perguntando: “hoje tem espetáculo?”, e, assim, a gente não gritava: “tem sim sinhô”. Era um mistério, também porque não havia animais no circo, algo muito comum naquela época. Tudo era diferente e todos ficavam se perguntando: “mas o que é mermo que tem nesse circo?’’.
Noite da estreia, estava assim: uma parte da meninada aposta para comprar os ingressos e a outra buscando um lugar estratégico para ver o espetáculo clandestinamente, dando aquela sutil levantada na lona do circo. Foi quando de repente surgiu um boato: “num é paiaço não, é filme de muié nua que vai passar”. E, agora, uma mistura de sentimentos na cabeça dos “culumim”: “eita negrada, será que nóis pode ver? Será que o home deixa entrar? E se o papai suber? Rumbora entrar negrada, rumbora? Bora! Bora! Bora!”…E foram.
Entraram meninos, jovens, velhos e todos aqueles que quiseram, bastava comprar o ingresso, que custava alguns poucos Cruzeiros. Era mulher, era homem se olhando, desconfiados e ansiosos para ver o “espetáculo”, que além de tudo, era novidade, muito mais do que palhaço, trapezista, mágico e roda gigante. Era um monte de gente conhecida que conversava pelo olhar, dizendo uma para outra: “não tou te vendo e faz o favor de não me ver também!”.
O picadeiro (sem duplo sentido) estava com um grande pano branco, e na sua frente, a uns 7 metros, tinha uma máquina, um projetor de cinema bem sucateado, com o seu rolo de filme saliente e no ponto de bala. Uma plateia se aglomerando e sorrindo cinicamente se acomodava de acordo com o preço do ingresso, nas cadeiras, que era o local mais caro, e por trás, numa arquibancada de madeira muito desconfortável, conhecida como “galinheiro”, ficavam os mais descapitalizados.
Com o pequeno espaço lotado, de repente a luz se apaga, eita… suspense. Em fim, começou o filme, e tome “escandiliça”. O som da saliência era alto, mas não abafava os comentários rasteiros e nem os sorrisos envergonhados. Era um ambiente estranho, as senhoras tampavam os olhos em alguns momentos, mas a grande maioria da plateia mesmo os tinham arregalados e sem piscar, o coração era querendo sair pela boca e o calor miserável fazia “nego” suar igual chaleira.
No decorrer da noitada cinematográfica no circo, outras pessoas entraram para assistir, sabe-se lá se pagaram ou não, virou de fato um grande circo. Nesse adjunto, a empreitada “pornocircense” seguia em meio a orgasmos falsos dos atores e espasmos verdadeiros da plateia. O ambiente estava ficando mentalmente e fisicamente apertado, mas o pior ainda estava por vir.
De repente, no meio de uma cena quente e ofegante, com todo mundo envolvido naquele rebuliço tântrico, a pressão aumentando, o gemido também: é agora, é agora e… pá, um grande barulho e pessoas no chão, umas por cima das outras, numa mistura de gargalhadas e lágrimas. Lembram do “galinheiro”? Pois é, ele não aguentou a tensão e acabou “ejaculando” todo mundo, o “pau do galinheiro”, uma das tábuas que serviam de assento quebrou devido o excesso de peso.
Os olhares de todos agora eram para o epicentro do desastre, onde o respeitável público estava em pior situação. Assim, do meio dos acidentados, se levanta um casal já de certa maturidade, bem conhecido na cidade, até então os dois estavam estrategicamente camuflados na plateia. Difícil mesmo é expressar o tamanho da vergonha observada em seus rostos. O filme ainda gemeu por uns minutos e foi desligado, não tinha mais clima para essa noite tão diferente e, acima de tudo, de “gala”. O povo foi pra casa, o circo também, já a Piracuruca, essa continuou com mais essa pérola para enriquecer seu vasto acervo de acontecimentos hilários.
Copiado do Livro: Piauí em Letras 3