Os mistérios do povoado Jabuti

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No município de Inhuma, região central do Estado, está o pequeno e acolhedor povoado de Jabuti. Suas casinhas coloridas, organizadas e sombreadas por árvores frutíferas dão um toque bucólico e pitoresco ao local. Ali vive uma pacata e ordeira população de pequenos agricultores.

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  IMAGEM DO PITORESCO POVOADO JABUTI, EM INHUMA.

Nas cercanias do lugarejo, afloramentos areníticos ruiniformes abrigam incontáveis exemplares de nossa arte rupestre multimilenária, pintados em cor vermelha. Mistérios esquecidos que se perdem naquelas solidões rurais.

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  RELEVO ARENÍTICO RUINIFORME DE JABUTI

Um tanque ou caldeirão na laje apresenta águas escuras, profundas e sobrenaturais, segundo a tradição das cercanias. Deve ser a piscina do Caipora ou da Mãe-d’Água (a Iara)…De qualquer maneira dessedenta animais selvagens e domésticos.

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  UM DOS CALDEIRÕES DE ÁGUAS ESCURAS DO POVOADO JABUTI.

Por ali entrevistamos um caboclo, profundo conhecedor dos tenebrosos mistérios da mata… Trata-se do misantropo Sr. Francisco Leônidas da Silva, o Chico Preto. A princípio caladão e arredio, paulatinamente o sertanejo nos disse ser originário de D. Pedro (Maranhão) e vivia ali no povoado Jabuti desde 1960.

Ele nos contou que já viu muitas marmotas assustadoras e assombrações nas matas das cercanias do povoado:

Uma vez eu tava me arranchando na espera. Eu já tava quase cochilando na minha rede de tucum, ao lado de uma fogueira. Meio atordoado pelo sono eu vi de uma vez uma moita de mufumbo brilhar como uma tocha de fogo azul. Fiquei matutando, tomei coragem e joguei areia na minha fogueira pra diminuir a claridade e ver que luz era aquela. Fui lá pra perto na ponta dos pés pra ver o que era o negócio.

Cheguei bem pertinho e passei um bom tempo vendo aquele fogo forte. Depois o fogo desapareceu sem mais nem menos e eu fui de volta pra minha rede, continuar minha  espera.

A seguir, atendendo ao nosso pedido, o caboclo nos contou sobre o Caipora, o apavorante duende das matas que masca fumo e espanta os caçadores:

No dia proibido pelo dono da caça, a quinta-feira, eu fui pra uma caçada sozinho. Eram cinco horas da tarde. Na minha espera eu vi muito bicho e dei 12 tiros: atirei em caititu, em jacu e tudo mais. Não arranhou nem um  farelo de nada. E olha que minha pontaria é boa. Não costumo errar tiro em caça.

Eu fiquei muito desanimado e encabulado com aquilo. Aí eu comecei a caminhar no mato sem rumo. O que visse pela frente eu abatia. Aí, quando eu cheguei numa vareda, eu ouvi um chiado vindo do meio de uns paus. Pensei no caititu e atirei. De novo não deu em nada.

Eu já ia voltar do jeito que tava mesmo, sem nada. Aí, de sopetão, vi na minha frente um menininho. Não sei se tava vestido ou não. Mas já tava escurecendo e eu via mais ou menos o vulto pequeno.

Aí ele perguntou se eu tinha gostado do que eu matei. Parece que o molequinho tava era gozando da minha cara. Aí eu respondi pra ele que não tinha conseguido nem o do sal.

Ele disse pra mim voltar pra casa e pra lavar e lubrificar minha espingarda. Depois era pra eu voltar a caçar só em 15 dias. Eu vi que tinha que respeitar o camarada. E assim eu fiz. O molequinho disse que nesse período ia buscar uma tropa de porco caititu pra mim.

Perguntamos ao caçador se o acordo deu certo, ao que ele respondeu:

Ora, se deu. Dentro de 15 dias voltei e achei logo no mato muitas pegadas de caititu. Eu vi os bichos perto de um barreiro e dei uns cinco tiros. Matei cinco porcos.Não errei nem um tiro.

 Nossa próxima pergunta foi se o Caipora apareceu de novo, tendo como resposta:

Apareceu, sim. Depois que eu matei os porcos ele me propôs que eu forneceria fumo pra ele mascar e ele me deixaria muita fartura de caça. Assim nós fizemos o trato e assim foi cumprido. – Concluiu o caçador e parceiro do dono da caça.

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  CHICO PRETO: O AMIGO DO CAIPORA

Vários caboclos do povoado nos asseguraram que nenhum caçador se anima a acompanhar Chico Preto nas caçadas. Dizem que ele é encabrojado (empautado) e amigo das assombrações da mata, inclusive do Caipora…

Jabuti é um destes pequenos, acolhedores e bucólicos povoados do vasto sertão piauiense, que guarda nos seus ermos rincões infindáveis mistérios e curiosidade do gênero humano e da natureza, que desafiam e confundem a sagacidade do observador. 

O lugarejo é humilde, mas agradável, um retrato vivo do habitat caboclo, bem aconchegante, nele vivendo harmoniosamente umas 300 pessoas. Quase todas as típicas casinhas são de tijolos e telhas, praticamente não se vendo as paupérrimas casas de taipa, tão comuns no nosso vasto hinterland. As moradias apresentam as características de algumas povoações interioranas: calçada alta e estreita; ausência de varanda; cerca de madeira isolando o quintal; árvores frutíferas e sombreantes; fachadas em tinta azul ou branca; cercadinhos frontais, que protegem as árvores florescentes dos animais domésticos.

A população é muito hospitaleira e extrovertida, sempre disposta a uma confabulação com os ocasionais visitantes, mormente quando estes estão ali em missão de pesquisa. As famílias são todas ligadas entre si por estreitíssimos laços de parentesco, pertencendo em sua maioria ao clã Leal.

Chama à atenção do observador a alta incidência de crianças loiríssimas e de traços finos no povoado. Nos adultos, ao cabelo fica um tanto descolorido e a pele tostada e curtida, pela ação inclemente do sol. Os olhos azuis são comuns nestes galegos ou fogoiós (cabelos de fogo; ruivos; louros). São biotipos que não estão de acordo com o que se conhece oficialmente sobre a formação étnica da população piauiense.

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  CRIANÇAS LOURAS DO POVOADO JABUTI.

Se o grosso da população piauiense tem sua origem na miscigenação entre portugueses, geralmente morenos e indígenas, de características asiáticas, e ainda com negros, fica então sem explicação plausível a existência de centenas de comunidades de fogoiós nos nossos sertões. O mesmo vale para todo o interior nordestino. Durante quase 30 anos de pesquisas encontramos centenas destas comunidades nos mais recônditos lugarejos do sertão nordestino, notadamente no Ceará e Piauí.

Seriam os fogoiós do Jabuti descendentes de alguns poucos portugueses louros? Qualquer aprofundamento em estudos históricos e antropológicos descarta esta remota possibilidade.

Ingleses ou franceses são muito improváveis como antepassados dos nossos caboclos louros. Se frequentavam o nosso litoral, o fizeram de maneira esporádica, nunca se aprofundando no nosso território. Jabuti fica a uns 400 km do nosso litoral. Quanto aos holandeses, sabemos que alguns deles estiveram no nosso vale do Rio Poti, nos atuais municípios de Castelo do Piauí e Buriti dos Montes, a mando do príncipe Maurício de Nassau (1604-1679). Mas não passavam de meia dúzia de soldados, liderados pelo diretor da Paraíba Elias Herckmans (1596-1643), pesquisando prata na região.

Em nossa opinião, os fogoiós do Jabuti são descendentes de indígenas brancos, mestiçados com portugueses. Eram os indígenas brancos de quem falavam centenas de cronistas portugueses por todas as plagas do Brasil, durante os Períodos Colonial e Imperial.

E, para nós, estes indígenas brancos, por sua vez, seriam descendentes dos estrangeiros Povos do Mar, uma coligação de povos guerreiros do norte da Europa e da orla mediterrânea, que chegaram ao Brasil por volta de 1.100 AC.

O fato de o jabutiense casar quase sempre entre si perpetua o tipo fogoió ou galego no seio da comunidade. Aliás, como curiosidade social do povoado, temos os casamentos. Estes, por si só, já são um motivo de megafestas nos pequenos povoados brasileiros. Porém, coisa curiosa, no Jabuti isso só ocorre se a donzela se casar antes dos 15 anos de idade. Se a moça se casar após os 15 anos, a festa é simples, com certa indiferença da comunidade. A festa fica assim como, sem graça!. 

Nas terras do povoado Jabuti encontra-se um abrigo rupestre decorado com pinturas vermelhas conhecido como “Furna do Cabôco Brabo”. Pintados ali, símbolos de antigas e desaparecidas culturas que um dia dominaram aquelas plagas, então mais úmidas e com uma biodiversidade muito mais rica.

Um destes símbolos nos chamou sobremaneira a atenção, quando estivemos por ali em 1999. Em nossa opinião, a simbologia representa a órbita da terra ao redor do sol (eclíptica). Trata-se de dois círculos, na verdade, ligeiramente elipsóides, com um sol radiado ocupando posição na linha do círculo maior ou externo. É como se o sol gravitasse em torno da terra e não o inverso. Nem por isso podemos afirmar que se trate de uma imagem geocêntrica dos antigos brasílicos, e que estes ignorassem a verdadeira órbita terrestre.  Parece ser mais uma força de expressão, do tipo didático. Isso porque ainda hoje temos o costume de dizer que o sol nasce e a leste, que o sol morre a oeste, como se nossa estrela é que orbitasse em torno do nosso planeta, etc.

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  PAINEL ROCHOSO DECORADO COM PINTURAS RUPESTRES.

O que nos parece plausível, é que o autor procurou representar o sol em determinada época do ano, provavelmente durante o solstício de inverno, que ocorre em 21 de junho de nosso hemisfério. Essa data era muito importante para os nossos nativos, pois marcava o início de nosso inverno, ou seja, o período seco. Nessa mesma época, a constelação de Plêiades (Sete-Estrelo), precede o sol na sua aurora.

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  SIMBOLOGIA ASTRONÔMICA SOLSTICIAL DE JABUTI

Isso servia para marcar o início do ano para os antigos brasílicos. Ainda hoje os bororo do Mato Grosso veem, no reaparecimento das Plêiades, o sinal de que a estação seca está avançando; os kraho do rio Tocantins começam a brocar suas roças; os marubo do rio Amazonas dão início à colheita dos ovos de tracajás; os tapirapé do Brasil Central começam a derrubar as árvores para as suas plantações e dão início ao extrativismo do urucu para fabricação de suas tintas.

A pintura arqueoastronômica do Jabuti nos aumenta a convicção de que os antigos brasílicos não só conheciam a esfericidade da Terra, como também o movimento dos astros e a órbita eclíptica de nosso planeta.

O Jabuti é, pois, um imenso conjunto de mistérios de nosso passado longínquo, que repousa inerte, sem nenhuma investigação por parte das autoridades arqueológicas até o momento.