Existem pessoas que tem mania de colecionar coisas e essa paixão já se manifesta desde cedo. Na Piracuruca do início dos anos 1980, havia um garoto que colecionava tudo, desde tampas de refrigerante com os jogadores da copa de 1978, carteiras de cigarro, distintivos de times de futebol, selos, passarinhos e até santos. Santos? Sim, não podia ver um calendário, retrato ou qualquer desenho de santo que ele já ia colocar em um quadro e depois alinhar junto aos outros da sua coleção.
Tinha Santo Antônio, São Francisco, Santa Luzia, Santa Teresinha e por aí vai. Sobre essa última a relação se tornou duradoura e até mesmo devocional, tudo começou em uma aula da disciplina Religião, no Ginásio Presidente Castelo Branco, quando em um certo dia a professora resolveu falar de Teresa de Lisieux, uma freira francesa que faleceu com apenas 24 anos e se tornou a Santa Teresinha do Menino Jesus, a história de vida da Santa comoveu o garoto que após a aula procurou a professora para saber mais detalhes sobre Teresa.
O interesse aumentou quando a professora deu a ele uma imagem da Santa, de presente. Foi o suficiente para o garoto e a Santa começarem uma amizade muito próxima, que transcendia o lado religioso. Mas que, por outro lado, era uma confiança, que creio ser isso, o que chamamos comumente de fé. Daí em diante, numa série de situações, estão os dois, em uma conversa sobrenatural que as vezes se torna bem constante. São idas e vindas cheias de encontros, desabafos e partilhas. Cabe aqui o destaque para alguns desses momentos.
Quem viveu sua meninice nos anos 1980 lembra bem de uns álbuns de figurinhas que eram vendidos no comércio. Na verdade, o interesse de todas as crianças não era só completá-los com todas as figuras, era sim, ter a sorte de tirar uma figura premiada, o que era bastante difícil. Eram prêmios simbólicos, como: jogo de damas, bonecos, bolas. De fato, o importante mesmo era o prazer de “tirar uma chave”, como a meninada falava, para depois sair falando de maneira afobada para as outras crianças.
Diante desse desafio de “tirar uma chave” de um pacote de figurinhas, o garoto recorreu para a sua amiga, e duma singela oração veio uma grande confiança que o fez abrir o pacote e, para a sua certeza, estava lá a “chave”. Isso aconteceu por mais uma vez. Sem querer abusar da bondade da sua amiga, o garoto se contentou com os dois prêmios e veio então a certeza: “agora eu tenho uma amiga para todas as horas”.
O garoto continuou aperreando sua amiga, até mesmo para dar uma força nos jogos do Flamengo e para ela não deixar o Zico ir embora para a Udinese da Itália, infelizmente isso não teve jeito. O tempo passou e um momento muito marcante foi quando o já quase adulto teve que “sentar praça”. De tanto ouvir o pai falar dos tempos de caserna, despertou esse forte sonho de também servir ao Exército Brasileiro.
Naquele época, início dos anos 1990, era concorrido, mesmo assim, o agora recruta conseguiu uma vaga entre os 99 fuzileiros da 2ª Cia do 25º BC em Teresina-PI. Tão logo iniciou o serviço militar, surge a notícia no Batalhão: “vão construir uma Capela no quartel e será em homenagem à Santa Teresinha!”.
Por muitas vezes o recruta teve que trabalhar na construção da Capela, desde os alicerces, até a colocação do sino. No entanto, dois episódios aconteceram que ficaram em sua memória. O primeiro deles foi em uma madrugada, quando estava de serviço na guarda do alojamento. Ressalta-se que, estando de guarda o soldado não pode sentar e nem ao menos se encostar, a postura correta é em pé e sempre atento.
Já passavam das 2 horas quando um outro soldado da guarda o convidou para descansar um pouco, sentar e conversar. Relutante, a princípio o recruta continuou na sua postura, mas, instantes depois veio aquela vontade irresistível de sentar e relaxar um pouco. Uma transgressão que, caso fosse descoberta, iria lhe custar uma punição.
Mesmo assim, ao avistar um banco, assentou-se e quase no mesmo instante veio uma vontade inexplicável de olhar para cima, foi quando viu um clarão no teto do alojamento, no susto ele se levantou e uma mistura de medo e curiosidade tomou conta da sua mente. Ele então foi para o outro lado do alojamento e ao encostar-se próximo à janela olhou novamente para cima e viu o clarão mais uma vez.
Admirado desse fenômeno, o recruta recebe a visita do Sargento que fazia a ronda, exatamente verificando se encontrava algum guarda sentado ou encostado. Imediatamente, o recruta imaginou que os clarões eram avisos para ele não relaxar no serviço, pois se assim o fizesse, receberia uma punição. Veio então em sua mente a lembrança da sua amiga Teresinha, como sendo ela que tivesse encontrado um meio de ter lhe alertado que o sargento da guarda estava por vir, fazendo a ronda.
Tempos depois, era um outro dia de guarda, dessa vez numa guarita, próxima às obras da Capela, numa madrugada escura e chuvosa. Em um momento de descanso no alojamento do corpo da guarda, o recruta sente falta do seu relógio, o mesmo havia quebrado a pulseira e por um descuido se desprendeu de seu braço durante a marcha de volta para o corpo da guarda.
Em um impulso quase que guiado, o recruta sai do corpo da guarda e vai até o local da construção da Capela, distante uns 150 metros. De forma inexplicável, diante de uma escuridão que não se via nada, ele coloca o seu braço em meio às pedras que seriam usadas para o alicerce e apalpa justamente o relógio. Ao chegar de volta ao alojamento, não conseguiu mais dormir, imaginando o quanto Teresinha o havia direcionado para o lugar certo, no meio de um cenário improvável.
Depois de sair do exército, ainda fez várias visitas à Capela de Santa Teresina no 25º BC, principalmente nos momentos difíceis, em que ia conversar e, em oração, tentar ouvir algum direcionamento. Em Teresina morou em um bairro cuja padroeira era Santa Teresinha, era lá onde ele se congregava.
A vida segue, e depois de um sério problema de saúde, que lhe acompanhou 5 longos anos, outros tantos problemas e também vitórias, a amizade entre os dois permanece, em tempos mais próximo, em outros mais distante. Da coleção de santos, Teresinha foi a que permaneceu e continua nesse mistério que só Deus pode explicar.