As botijas do velho Apolônio

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Em Inhuma, centro do Piauí, entrevistamos em 1998 um descontraído e dinâmico ancião, uma então enciclopédia-viva do Município. Trata-se de Seu João Apolônio, então na época com 94 anos e hoje falecido.

Descendente pelas duas avós maternas de escravos, o gentil inhumense nos recebeu em sua casa com a usual cordialidade dos caboclos nordestinos. Os inúmeros decênios não haviam alquebrado por completo o velho vaqueiro, cioso e orgulhoso de suas origens. Ainda muito lúcido, Apolônio conhecia de tudo sobre a história e os causos cabeludos da região.

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   SEU APOLÔNIO

Seu Apolônio nos conte alguma coisa sobre as tradicionais botijas, cheias de moedas de ouro que o povo do sertão tanto fala. – Pedimos ao nosso anfitrião, ao que ele respondeu prontamente:

Um primo meu, de nome Raimundo, fez uma viagem para o Ceará. Nessa época o negócio era demorado, pois era no lombo de burro. No meio do caminho, quando esse primo chegou ao lugarejo Mendes, no município de Pimenteiras, apareceu no meio da vareda um rapaz que perguntou de onde ele era.

Meu primo respondeu que era do município de Inhuma. Aí o rapaz esquisito perguntou pra ele assim: De Inhuma para Valença tem algum lugar chamado Tamboril? Aí meu primo respondeu que sim, que tinha esse lugar mesmo.

Aí o estranho disse novamente pra ele: Tem um vivente me atentando pra tirar uma botija cheinha; o vivente descreve o local direitinho, inclusive com um cajueiro perto, onde está enterrado o ouro. Eu estou com medo e não vou lá, não. Mas vou lhe explicar tudo direitinho e você vai lá tirar o tesouro pra você.

E o que seu primo Raimundo fez? Foi lá e arrancou a botija? – Indagamos.

Ele num foi não, pois também ficou com medo. Mesmo porque nem sabia quem era aquele rapaz que apareceu ali. Podia ser armação do tinhoso. Meu primo ficou veaco e num foi mesmo não.

Mas na volta ele contou a história e o susto pro Raimundo Melão, morador de Valença. Esse num teve medo, não. Se apetrechou todo e foi atrás da botija no lugarzinho exato que o rapaz misterioso indicou. Desenterrou o tesouro e ficou rico. O que eu posso lhe garantir é que quando eu era rapaz ainda cheguei a ver os pedaços da botija. Azar do meu primo, que não teve coragem de encarar...

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IMAGEM ILUSTRATIVA DE UMA BOTIJA REPLETA DE MOEDAS DE OURO. FONTE: www.sobrenatural.org

O Sr. tem outra história curiosa sobre botijas? Conte-nos.

Faz muito tempo, o velho Hermínio Borges ia cavalgando devagarinho numa chapada, pitando seu cigarro, quando seu cavalo pisou num local e ele ouviu um trincado no chão. Naquela hora ele pensou que o cavalo tinha pisado numa lata ou chocalho velho.

Mas, quando ele deu fé, viu que não era aquilo, não. O negócio era o seguinte: Os negros escravos de outras épocas roubavam os patacões dos seus amos e botavam tudo numa goela de ema. Era um tipo de saco ou bolsa, feito do papo da ema, que os antigos usavam pra guardar moedas. Aí os escravos enterravam num lugar qualquer pra depois pegar e fugir. Mas, às vezes num dava mais pra eles acharem o local exato e o dinheiro ficava perdido pra sempre.

Quer dizer que o cavalo do velho Hermínio pisou num saco destes cheio de patacas de ouro? E ele apeou e desenterrou a botija?

Veja bem. Eram 12 moedas de ouro. Acontece que o velho Hermínio levou as moedas pra cidade e mostrou ao João de Deus, experto que só ele. Aí perguntou se valiam alguma coisa.

O João de Deus fez de conta que as moedas num valiam nada. Fez uma cara de quem não estava muito impressionado com o achado. E ofereceu pra ele só alguns contos de réis nelas, como se ainda tivesse fazendo um favor. Enrolou o pobre Hermínio, que ainda achou vantagem pegar aquele dinheirinho… 

 

Fonte:

Coutinho, Reinaldo. Antiguidades Valencianas. Teresina, 2000.