Capitão de Campos: o fantástico Riacho Jacu

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Algumas pinturas rupestres multimilenares; rochas com formatos que lembram ruas, avenidas, torres muralhas e fortalezas; deliciosas piscinas naturais de águas límpidas e cristalinas, além de pequenas quedas d’água… Um gracioso arco de pedra… Um bloco rochoso esférico de algumas toneladas de peso, assentado artificialmente sobre três pináculos de pedra… Dois enigmáticos animais de pedra que se miram mutuamente… Uma natureza (ainda) preservada…

Pelas descrições acima até parece que nos referimos aos incríveis bosques das Sete Cidades do Piauí, situados no norte do Estado. Porém, na verdade estamos falando do bosque do Riacho Jacu, situado a 26 km a sudeste da cidade de Capitão de Campos (também norte do Piauí), não mais do quer 60 km ao sul de Sete Cidades. É um local de fácil acesso, a partir da BR-343, através de estradas carroçáveis, complementado por uma pequena caminhada.

Com o início do verão (o “inverno” dos caboclos) a aparência do local muda radicalmente. De uma vegetação seca de um leito rochoso – do Riacho Jacu- regado por escassos filetes d’água, o local torna-se um aprazível (e quase desconhecido) centro de lazer, com o revigoramento da flora e com a generosa abundância das águas, que ocupam torrencialmente cercanias.

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  UMA DAS CORREDEIRAS DO RIACHO JACU

Ao longo de algumas centenas de metro, o desnível do riacho Jacu forma pequenas quedas d’água e paradisíacas piscinas naturais no seu leito rochoso, onde um convidativo mergulho seduz o extasiado visitante. Refeitas as energias com o refrescante banho, que é orquestrado pelo melodioso som das águas correntes, o visitante pode então observar com detalhes a magia da reluzente natureza e os intrigantes mistérios que envolvem o local.

Um imponente “globo de pedra” parece ter sido colocado por antiquíssima civilização sobre três pináculos de pedra dispostos em forma de arco. É impressionante a estabilidade da massa rochosa, equilibrada em tão restritas superfícies. Seria talvez um vestígio de um culto lunar ou solar de nossos antepassados brasílicos.

Trata-se de um bloco residual arenítico, com juntas silicificadas e ligeiramente esférico, que repousa sobre uma base estreita do arenito laminado, que projeta três exíguas superfícies de suporte.

O enorme corpo rochoso, por nós denominados de “Pedra do Globo”, tem circunferência média de 5 metros. Pela densidade média do arenito, calculamos sua massa em quatro toneladas.

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 O IMPONENTE GLOBO DO RIACHO JACU.

A primeira vista interpretamos o singular monumento como sendo resultante da erosão diferencial, que solapou quase que totalmente o estrato-base, menos resistente, deixando mais preservado a parte superior, mais resistente.

Em Sete Cidades e em Vila Velha (Paraná) esta atividade erosiva produziu corpos de beleza inigualável, tais como aqueles em forma de taças, cálices ou cogumelos.

Assim, após nossa primeira visita ao local no ano de 1995, publicamos um artigo em jornal onde afirmávamos a princípio que, embora aquele colosso lítico se encaixasse nos padrões litológicos de relevo ruiniforme, resultantes da erosão pluvio-diferencial, não descartávamos uma montagem artificial por povos antigos.

Posteriormente, analisando novamente o colossal monumento numa segunda visita e estando cada vez mais em pleno conhecimento dos hábitos megalíticos existentes no Brasil, nos convencemos de que a Pedra do Globo era um “loghan”, um tipo de dólmen de equilíbrio, obra não muito comum da antiga civilização megalítica no Brasil. Ou, pelo menos, não são muitos os seus vestígios que chegaram até os nossos dias.

Como já explicamos, o corpo arenítico esférico está assentado sobre uma base que se destaca com três pontas equidistantes entre si, dispostas em forma de arco. Aliás, é esta singular disposição geométrica o que assegura a não menos impressionante estabilidade do globo, sobreposto em superfícies tão limitadas que talvez, em conjunto, não ultrapassem 100 cm². Suportam, pois, uma terrível pressão.

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DETALHE DOS TRÊS PONTOS DE APOIO DO GLOBO

Cremos que a base foi parcialmente desbastada, de forma que pudesse receber a Pedra do Globo, que antes repousava em algum outro lugar das proximidades. Seu transporte não deve ter sido tão difícil para a antiga civilização atlanto-brasílica. A região é relativamente plana e o formato esferoide a torna passível de ser rolada. Bem mais difícil deve ter sido colocá-la em sua delicada base sem danificar esta última.

De qualquer maneira, para uma civilização que tinha por hábito transportar e erigir monumentos pesando centena de toneladas, a massa da Pedra do Globo era insignificante.

Aquele monumento impõe-se com seu ar ciclópico numa área aplainada, passível de abrigar um elevado número de indivíduos, o que talvez justificasse sua implantação naquele local como um venerável objeto de culto. Talvez de uma confraria de piagas de toda a região norte do antigo Piauí…

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MAIS DETALHES DO PRECÁRIO EQUILÍBRIO DO MONUMENTO

Este tipo de monumento megalítico, justamente pela própria disposição de equilíbrio com que era montado, não é atualmente muito encontrado. Milhares de outros devem ter sido tombados no mundo inteiro no correr dos últimos séculos, quer por causas naturais, quer por ação humana. A maioria dos campesinos acredita que tais portentos artificiais escondam reluzentes tesouros. Aliás, nos consta que há alguns anos ignorantes tentaram tombar o globo do riacho Jacu, apenas por diversão. 

E o que representaria mesmo o singular arenito esferoide? Para nós seria uma petrificação de antigas simbologias cósmicas, lunares ou, mais precisamente, solares. Também não podemos descartar a possibilidade da Pedra do Globo simbolizar nosso próprio planeta, cuja esfericidade era conhecida pela multimilenar civilização megalítica.

O célebre botânico alemão Von Martius (1794-1868) encontrou na serra de Itiuba (Bahia) pedras de formato arredondado, assentadas sobre base de granito cinzento, que para ele parecia obra artificial. Também o austríaco Schwennhagen (1870-1932) nos fala sobre “globos” de pedra supostamente artificiais, em vários lugares do Brasil.

Na mitologia grega, o gigante Atlas sustenta o globo terrestre nas suas costas. Embora fizesse parte do panteão grego, o mítico Atlas era milenarmente anterior à existência dos helenos e vivia na região compreendida hoje por Marrocos e Mauritânia, onde, aliás, viveram e até hoje sobrevivem descendentes dos povos megalíticos, os tuaregues.

Atlas era um deus ocidental, cuja simbologia denotava claramente o conhecimento da esfericidade terrestre e estava mais ligado aos antiquíssimos povos megalíticos do que a aos gregos.

Cerca de 10 metros por trás da Pedra do Globo, destacam-se, no alto de um rochedo abrupto, duas curiosíssimas figuras zoomorfas no arenito, visíveis de longe. Nós as denominamos – pelas suas ligeiras semelhanças – de Pedra do Camelo e Pedra da Esfinge. Realmente, são duas imagens muito interessantes e sugestivas, que parecem se mirar mutuamente. Ao camelo não lhe falta sequer as características corcovas, embora alguns interpretem o monumento como uma galinha… O outro parece ser um gracioso cachorrinho ou mesmo um animal desconhecido, uma esfinge tupiniquim… Os dois estariam a comentar a luxuriante natureza do local ou confabulariam sobre a Pedra do Globo? Quem sabe, a esfinge também teria dito aos antigos: “… decifrem-nos ou vos devoramos…”.

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EM PRIMEIRO PLANO, A PEDRA DO GLOBO; EM SEGUNDO PLANO, A ESFINGE E O CAMELO.

Quem quer que as observe, não poderá excluir a suspeita de que se trate de corpos de origem artificial, burilados por algum artífice pré-histórico. É deveras intrigante que, a exemplo da Pedra do Globo, as enigmáticas figuras zoomorfas estejam postadas de maneira a serem observadas de maneira ampla e geral.

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 DETALHE DO “CAMELO” DE PEDRA.

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 DETALHE DA “ESFINGE”

Para reforças nossa ideia de que o local era um antigo centro de culto, uma extensão de Sete Cidades, na base do rochedo das esculturas zoomorfas e em situação oposta à Pedra do Globo, existe um pequeno abrigo decorado com pinturas avermelhadas.
Uma das pinturas chama nossa atenção em especial. Trata-se de uma figura antropomorfa, que parece vestir uma túnica larga até o joelho, tendo duas excrescências na cabeça (penas ou chifres?), uma espada ou bordão na mão direita erguida, e algo como um escudo protetor na direita. Seria esta a primitiva representação de um guerreiro da cultura megalítica, um guardião daquele bosque sagrado?
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 ABRIGO RUPESTRE DECORADO COM PINTURAS PRÓXIMO AO GLOBO.
Duas outras figuras são compostas por círculos com traços verticais em sua base; temos ainda um triângulo; alguns círculos que não parecem ter sentido cósmico; algumas figuras humanas estilizadas, em pleno salto, com pernas distendidas horizontalmente acompanhando a posição dos braços, e com o falo acentuado. Outras semelhantes a estas últimas possuem adicionadas um aro numa das mãos ou ainda uma excrescência vertical sob o braço. Isto, aliás, é muito curioso, pois tais figuras são também encontradas nas antigas civilizações do Vale do Indo (Mohenjo Daro e Harappa, no Paquistão) e nas tabuinhas da Ilha da Páscoa, em pleno oceano Pacífico.
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DETALHE DAS PINTURAS
Afastando-nos um pouco destes misteriosos monumentos e pinturas, podemos passear pela miniatura de Sete Cidades, que nós resolvemos chamar de Oitava Cidade… Aliás, entre os dois conjuntos areníticos ruiniformes, Sete Cidades e riacho Jacu, interpõe-se apenas talvez uns 60 km em linha reta, como dissemos.
Caminhamos entre ruelas, ladeiras, muitos de arenito; contemplamos pequenas torres como que ruínas apocalípticas; ficamos atônitos ante os becos-sem-saída… Um elegante arco de pedra, de uma altura máxima de uns três metros, talvez fosse o portão de entrada desta “cidade perdida”.
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ARCO DE PEDRA DO RIACHO JACU
Todas as belezas e os mistérios do aprazível Jacu podem estar com os dias contados. Como dissemos, há anos tentaram tombar o rochedo esférico, por puro vandalismo. A ação de agricultores que se aproximam cada vez mais das margens úmidas e férteis do riacho certamente trará radicais e nefastas transformações ambientais ao local. O desmatamento e as queimadas ameaçam a vegetação, a fauna, os monumentos rochosos e os mananciais. Talvez então o predador homem devore então não só a esfinge, mas todo aquele pequeno, misterioso e precioso bosque… Como nossa última visita ao local foi há mais de quinze anos, não sabemos o estado em que se encontra aquele interessante sítio arqueológico e ambiental.
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Esta matéria foi originalmente publicada por nós em:
 “A Oitava Cidade” – capítulo VIII do livro Enigmas de Sete Cidades-1995;
Artigos:
 “Antigas Simbologias Cósmicas” – Jornal Meio Norte, Teresina 27/08/1995 e “Os Fantásticos Segredos do Riacho Jacu”- Jornal Meio Norte, Teresina 26/05/1998.
Observação: não sabemos se a Pedra do Globo atualmente ainda está preservada.