A difícil readaptação da vida selvagem em Sete Cidades

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Com certa frequência os fiscais do IBAMA/CHICO MENDES e Polícia Militar  apreendem pelo norte do Piauí animais selvagens, geralmente filhotes, em poder de caçadores, traficantes de animais ou mesmo em residências onde são tidos como crias domesticas. 

Quando havia a apreensão destes animais em Piripiri e cidades vizinhas, eles eram levados ao Parque Nacional de Sete Cidades e readaptados de maneira improvisada a vida selvagem de onde foram bruscamente retirados. As aves pareciam sofrer menos, pois se sentiam mais a vontade no ambiente misto nativo-antrópico. Talvez instintivamente sintam que a volta à vida selvagem seria sua morte… 

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OS ANIMAIS APREENDIDOS SEMPRE FICAVAM NO ENTORNO DA POUSADA DO PARQUE, HOJE ABANDONADA.

As principais aves apreendidas eram os papagaios e tucanos, além dos chamados passarinhos apreendidos em gaiolas; entre os mamíferos, macacos, soim, cotias, raposas, veados, etc.

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AS AVES SE SENTEM MAIS A VONTADE JUNTO AOS HUMANOS, COMO ACONTECIA COM ESTES TUCANOS, NO ANTIGO RESTAURANTE DO HOTEL-POUSADA DO PARQUE.

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PAPAGAIOS TAMBÉM SE ADAPTAVAM FACILMENTE AO CONTATO HUMANO.

Há também o caso de répteis como iguanas, os quais, mesmo nativos, costumavam (como ainda costumam) chegar muito próximo das pessoas, se acostumando facilmente com a presença antrópica. Nos Estados Unidos existem milhares delas morando em apartamentos e casas, criadas como animais domésticos. Não suportam o contato físico direto com pessoas, porém convivem no mesmo teto com elas.

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IGUANAS SUPORTAM BEM A PRESENÇA HUMANA.

Nunca houve em Sete Cidades processos zootécnicos nem pessoal especializado e os animais simplesmente eram deixados soltos ao largo dos prédios da administração. No caso de mamíferos, como se trata em sua maioria de filhotes, precisavam complementar a alimentação com leite em mamadeiras. 

A princípio os recé-chegados se mostravam dóceis e carinhosos, sendo afagados facilmente pelos funcionários e até pelos turistas. Porém com o tempo passaram a desenvolver conflitos instintivos e sempre o resultado era o mesmo: de dóceis passavam a quebrar objetos, morder ou arranhar as pessoas que tocavam neles, em suma, provocavam uma zorra total. 

Lembro bem de um soim no início dos anos 2000, que após ganhar a estima das pessoas passou paulatinamente a ser agressivo e selvagem. Tinha até um apelido carinhoso. Com o passar dos dias aventurava-se cada vez mais na mata nativa até desaparecer por completo. Se conseguiu se readaptar totalmente a vida selvagem ou se foi consumido por predadores não há como saber. 

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ESTE SOIM BAGUNÇOU E AGREDIU DEMAIS FUNCIONÁRIOS DO PARQUE E ALGUNS VISITANTES.

Houve também filhotes de veado, depois do soim. O resultado sempre foi o mesmo: dócil a princípio, aos poucos passa a ser agressivo e retoma seu instinto selvagem, desaparecendo na mata. 

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FILHOTE DE VEADO NO PROCESSO DE READAPTAÇÃO A VIDA SELVAGEM EM SETE CIDADES. FOTO: REINALDO COUTINHO 

Há algum tempo foi a vez de um filhote de raposa, apreendido pelos fiscais em Piracuruca. Foi levado para o Parque e passou a “residir” na cozinha onde consumia leite bovino em mamadeiras. Creio que não durou mais que vinte dias e de afável, passou a agredir os que procuravam dele se aproximar, tornando-se arisco. Aventurou-se cada vez mais mata adiante e desapareceu de vez. 

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HÁ UNS DOIS ANOS ESTE FILHOTE DE RAPOSA FOI “HÓSPEDE” ENTRE OS FUNCIONÁRIOS DE SETE CIDADES.

E o problema de readaptação já vinha de longe. Segundo o jornal teresinense O DIA, de 04 de abril de 1975, naquela época um veado catingueiro apreendido por criadores ilegais pelo então IBDF causou muitos transtorno a administração do Parque Nacional. Colocado num cercado improvisado ao lado da chamada Piscina do bacuri, a uns 100 metros da administração e da pousada, agrediu, com ferimentos profundos, vários visitantes que dele se acercavam sem imaginar de sua agressividade e irritação com a presença humana.

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O VEADO CATINGUEIRO FOI COLOCADO NUM CERCADO IMPROVISADO AQUI AO LADO DA PISCINA DO BACURI.

Diante das inúmeras queixas, a administração resolveu devolvê-lo a natureza de onde havia sido retirado abruptamente. Só que o animal não se adaptou mais ao ambiente florestal nem conseguiu se harmonizar com outros de sua espécie. Nisto resultou um conflito instintivo que o fez vaguear aleatoriamente pelas estradas do Parque, sendo capturado e levado á panela por caçadores da cidade vizinha de Brasileira. Foi pranteado pelos funcionários do Parque quando souberam de seu fim.

Entretanto, a receptividade a animais silvestres foi cancelada em Sete Cidades, em função das exigências a cumprimentos de normas federais na área ambiental. Deveriam ser enviados ao centro de triagem em Teresina.

Entretanto, a superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no Piauí não tem mais onde colocar os animais silvestres apreendidos no Estado. Sem espaço e estrutura, o órgão quer que o Estado assuma essa função de acordo com a Legislação. Segundo o superintendente Manoel Borges, existe uma lei complementar que descentraliza a política ambiental para os estados e municípios.

Com a nova lei, os animais silvestres doados e apreendidos precisam passar por uma triagem e quarentena antes de serem reinseridos em seu ambiente natural. Desde 2012, ano de promulgação da lei, estamos fazendo reuniões com técnicos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí, mas a secretaria ainda não tem estrutura física para receber estes animais. O Estado tem que ter um centro de triagem, que ainda não começou a ser construído, disse Manoel Borges.

De acordo com o superintendente, a população tem entregado voluntariamente animais silvestres que mantinham em residências. Com a proliferação das doenças, vírus, e por intensificação da fiscalização, as pessoas começaram a entregar voluntariamente esses bichos. Por este motivo há superlotação do nosso setor de triagem no IBAMA que atualmente só tem a capacidade de receber aves, como papagaio, por exemplo, informou.

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AVES APREENDIDAS NO SETOR DE TRIAGEM DO IBAMA, EM TERESINA. FONTE: http://cidadeverde.com 

Manoel Borges também destacou que muitos animais, como macacos, já foram entregues ao Parque Zoobotânico de Teresina, mas o local também está superlotado e não tem mais capacidade para recebê-los.

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MACACOS NO PARQUE ZOOBOTÂNICO DE TERESINA.FONTE: http://www.piaui2008.pi.gov.br 

Esses animais são de responsabilidade do Estado, ainda é ação do IBAMA receber bichos apreendidos em operação contra o tráfico de animais silvestres. Outro atuação do IBAMA é receber animais vindo de outros estados e inseri-los em seu habitat natural. Isso, por exemplo, já foi feito quando recebemos vários primatas e enviamos para a região do lago da Barragem de Boa Esperança, no Sul do Estado, onde passaram por quarentena e foram reinseridos na natureza, disse Manoel Borges.

Esta norma está sendo cumprida com rigor em Sete cidades. Testemunhamos em 14/09/2014 a recusa de recebimento de um macaco-prego, apreendido pela Polícia Militar e barrado na portaria do Parque. 

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ESTE MACACO PREGO, CONDUZIDO PELA PM, NÃO FOI RECEBIDO NO PARQUE DE SETE CIDADES.

Certamente os cuidados zootécnicos são fundamentais, notadamente não só pela questão de readaptação a vida selvagem como a também a quarentena por causa de doenças passíveis de contaminarem os animais em cativeiro, advindas de animais domésticos, como cães e gatos. 

Entretanto, ressaltemos que no momento atual esta recusa de recebimento praticamente se constitui numa sentença de morte para os animais.  Sete Cidades fica a quase duzentos quilômetros de Teresina. Os particulares, funcionários do IBAMA/Chico Mendes e a PM teriam que levar então o animal para Teresina, o que nem sempre se revela possível. Que particular se atreveria a cruzar três postos da PRF com um animal acorrentado ou em gaiola? E a PM? Destacar um veículo para o transporte, com tantos problemas de segurança nas cidades? O próprio Parque tem certa dificuldade em enviar estes veículos a Teresina. Além do que, no final, parece não haver “vagas” para estes animais em Teresina, como foi visto acima…

Por outro lado, o turista que visita Sete cidades não observa apenas animais apreendidos libertos de cativeiro. È possível se observar deleitosamente ao longo das instalações do Parque, pelas estradas, descampados e juntos aos afloramentos vários exemplares da fauna nativa, sem readaptação, tais como serpentes, iguanas, jacus, papagaios, curicas, peba, cotia, mocó, gato do mato, onça jaguatirica, veado, etc. Uns são observáveis por tempo hábil para imagens fotográficas; outros muito ariscos, só são vistos de relance.

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SERPENTE AO LADO DA ANTIGA POUSADA DO PARQUE.

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LENTO, ESTE PEBA É FACILMENTE ACOMPANHADO.

As imagens destes animais em Sete Cidades foram captadas por nós entre 1998 e 2014.

Fontes:

Jornal O DIA, Teresina, 04 de abril de 1975.

http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2014/04/ibama-nao-tem-onde-abrigar-animais-apreendidos-e-resgatados-no-piaui.html, editado em 14/04/2014.

http://www.piaui2008.pi.gov.br/materia.php?id=35913 

http://cidadeverde.com/ibama-denuncia-ameaca-de-invasao-para-levar-galos-de-briga-43441