A Nova Holanda e os tapuias – infernal aliança

Fora dos tratados que dividiram o Novo Mundo, países como França e Holanda tentaram por vezes ter a sua colônia na América. Foi assim que em 1630, os neerlandeses invadiram Pernambuco e instalaram a Nova Holanda, comandados pela Companhia das Índias Ocidentais. Com a invasão, Olinda, a então rica capital de Pernambuco, foi incendiada, e templos católicos viraram estábulos, como a Igreja da Sé. Os holandeses dominaram grande faixa do Nordeste brasileiro, até a Insurreição Pernambucana, sendo expulsos definitivamente em 1654, após a Batalha dos Guararapes.


Brasil holandês 1630 – 1654.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Holanda.

A esquadra de Pedro Álvares Cabral ao chegar na Bahia deparou-se com nativos da nação Tupi. Eram índios menos hostis, e receberam os portugueses com bom tratamento. Já em outras expedições, os europeus não tiveram a mesma sorte e o encontro foi com os temíveis antropófagos tapuias que viviam em guerra com os tupis que se consideravam índios da verdadeira raça. Os portugueses, para o domínio da terra, usaram essa rivalidade dos nativos e fizeram milhares de índios tupis lutarem ao seu lado contra os tapuias. Já os holandeses percebendo essa aliança, passaram a usar os tapuias contra os portugueses e seus aliados. Porém, essa regra nem sempre era seguida, tanto portugueses como holandeses se valeram de ambas as raças para se fixarem na América.


Bandeira da Nova Holanda.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Holanda.

Os padres jesuítas trabalharam para que os índios fossem civilizados, e também com o dever de conservar os povos nativos contra os abusos cometidos pelos colonos, ávidos a enriquecer a qualquer custo com o trabalho escravo dos índios, que padre Antônio Vieira dizia ser o ouro vermelho. Pero Vaz de Caminha dizia ser esta terra tamanha, porém o melhor fruto que dela se pode tirar, me parece que será salvar esta gente. E assim, os nativos tiveram a evangelização de grandes sacerdotes como o padre Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Antônio Vieira, Jacob Cocleo, Gabriel Malagrida, entre muitos outros.


Tela de Albert Eckhout (1641), representa uma Índia tapuia carregando partes humanas, representada como “selvagem”.

Fonte: <encurtador.com.br/cnvL4>.

Na serra da Ibiapaba, entre o Ceará e o Piauí, este trabalho civilizatório começou no início do século XVII com os padres Francisco Pinto e Luís Figueira, o primeiro sacrificado pelos tapuias tacarijus. O Aldeamento da Ibiapaba contou com muitos padres como Antônio Ribeiro, Pedro Pedrozo, Antônio Vieira, mas só foi consolidado no fim do século XVII, com o trabalho do padre Ascenso Gago. Saindo de São Luís, Maranhão, percorreram a pé o litoral, passando pelo Delta do Rio Parnaíba, até Camocim no Ceará, daí subindo a serra.

Com a expulsão dos holandeses, muitos índios tapuias da Paraíba e Pernambuco, receosos de uma retaliação por parte dos portugueses, partiram em fuga em direção ao Norte do Brasil. Esses índios tinham sidos cristianizados pelos holandeses calvinistas, e chegaram no Aldeamento da Ibiapaba com Bíblias e costumes protestantes. Lá chegando, fundaram a República de Cambressive, chamada de República de Baco por Vieira devido as bebedeiras.

Ao saber dessa influência, padre Vieira partiu de São Luís, aonde era superior da Missão do Maranhão, com o fim de reconduzir os índios da serra ao Catolicismo. Para os jesuítas, as manifestações dos índios eram diabólicas, principalmente o ato do canibalismo. Para os padres do período colonial, todo poder dos pajés era culto ao Demônio, manifestações que deveriam ser excluídas do povo de Deus. Não à toa, o chefe principal dos índios da serra se chamava Diabo Grande, que Vieira dizia ser um grande Diabo.

Ao chegar no Aldeamento, padre Vieira observou: “com a chegada destes novos hóspedes, ficou Ibiapaba verdadeiramente a Genebra de todos os sertões do Brasil, porque muitos dos índios pernambucanos foram nascidos e criados entre os holandeses, sem outro exemplo nem conhecimento da verdadeira religião. Os outros militavam debaixo de suas bandeiras com a disciplina de seus regimentos, que pela maior parte são formados de gente mais perdida e corrupta de todas as nações da Europa.” Padre Vieira fala das constantes bebedeiras que duravam noite e dia e completa: “eram verdadeiramente aquelas aldeias uma composição infernal, ou mistura abominável de todas as seitas e de todos os vícios, formada de rebeldes, traidores, ladrões, homicidas, adúlteros, judeus, hereges, gentios, ateus, e tudo isto debaixo de nome de cristãos e das obrigações de católicos.”

Com o árduo e grandioso trabalho dos padres da Companhia de Jesus ao longo do século XVII, os padres Ascenso Gago e Manuel Pedroso finalmente conseguem selar a paz entre várias aldeias e, com ajuda dos índios, edificam a majestosa Igreja de Nossa Senhora da Assunção. No ano de 1700, fundam oficialmente o Aldeamento da Ibiapaba, que logo passou a ser a Vila Viçosa Real, hoje a aprazível cidade de Viçosa do Ceará.