Crônica: A moderna arte de fumar pen drive

Espero não me assustar mais, quando alguém trouxer uma impressora 3D para um restaurante e imprimir o jantar.

Estava eu me distraindo na noite parnaibana, ouvindo uma música um pouco desagradável para o meu gosto duvidoso…era um balacobaco de um cantor de sobrenome Gomes. Depois dele, alguns outros Joãos também me deram o desprazer dos seus barulhos. Até que, finalmente, começaram as sempre bem vindas, melodias de forró das antigas. Aí sim, me identifiquei e me encontrei musicalmente ao som das Bandas Magníficos, Mastruz com Leite e Cia. A intérprete cantava muito bem, me fez apreciar a sua voz e o seu carisma, e assim, demorei um pouco no lugar.

Transcorria tudo muito bem obrigado, dentro do meu humilde cotidiano boêmico. Quando em meio a um e a outro espetinho de camarão, regado a uns goles de aguardente alimãozado (que os íntimos chamam de caipirinha), chegou na mesa da frente um cidadão. Ele carregava um copo e na outra mão um dispositivo eletrônico, logo indaguei em pensamento: o que esse cara quer com esse pen drive aqui? deve ter trazido para alguém, ou ter saído do escritório e vindo direto para se encontrar com a sua galera. Enfim, não era exatamente o ambiente apropriado para andar com um pen drive na mão. Mas, do jeito que as coisas estão hoje em dia, não se deve duvidar de nada.

Pouco depois, uma luz acende no aparelho, pensei: deve estar se conectando com o wi-fi do bar … tudo bem, vai entender essas tecnologias modernas não é mesmo? Foi quando de repente o cidadão colocou o pen drive na boca, fiquei esperando a reação, afinal ele poderia até sofrer um entalo, ou na melhor das hipóteses, estar pensando que aquilo era um bombom garoto ou um pirulito. Que nada, depois de demorar com o artefato na boca, saiu dela uma fumaça, como se ele tivesse tragado um cigarro, eu já tinha visto um tal de cigarro eletrônico, mas semelhante àquilo foi a primeira vez.

Entre uma pitada e outra, eu ficava olhando para a fumaça e imaginando um código binário, processado por um pulmão SSD, zeros e uns flutuando ao som da Banda Limão com Mel. Pensava também no perigo que aquilo poderia causar a todos que estavam ali, pois, com essa quantidade de vírus que tem hoje, roubando os nossos dados, invadindo as nossas contas, não era novidade se esses vírus viessem disfarçados de fumaça para se entranhar na nossa mente e roubar os nossos segredos. Sei lá… tomei mais uma dose.

O tempo passando e a fumaça binária tomando de conta do datacenter, ou melhor, do bar. O cidadão já tinha tragado mais de 1 Terabyte, eu contei todos os bits fumacentos e comecei a lembrar do tempo dos cigarros: hollywood, arizona, charme, belmonte, lembrei até do cigarro gaivota. Pobre da Sousa Cruz, tinha falido, se naquele tempo aparecesse um pen drive como concorrente, ninguém resiste ao poder da tecnologia não é mesmo?

Bom, depois de muito jogar bits da atmosfera, a luz do pen drive começou a piscar fraquejando. Logo imaginei, só poderiam ser duas coisas: ou a internet estava sem sinal ou a bateria do aparelho estava sucumbindo, pois a pobre não teria resistido a tanta chupada. Finalmente, o rapaz colocou o pen drive no bolso; deu para perceber o seu pulmão SSD se sentindo aliviado, junto com os barramentos da sua laringe e faringe, também todos nós barzeuntes, periféricos àquela chaminé eletrônica. Os bits jogados ao vento desceram o Igaraçu, foram empurrados para o mar e eu pedi mais uma dose. Espero não me assustar mais, quando alguém trouxer uma impressora 3D para um restaurante e imprimir o jantar.