A Pedra do Castelo na visão de Clodoaldo Freitas

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A famosa e formosa Pedra do Castelo, místico e misterioso imenso monumento rochoso repleto de cavernas areníticas na zona rural de Castelo do Piauí foi tema de um capítulo de nosso livro “Na Terra dos Castelos” (2000). A impressionante escultura da natureza antes fora estudada pelo austríaco Ludwig Schwennhagen (1860-1934), defensor da presença fenícia no Piauí, em 1978. O Francês Jacques Marie de Mahieu (1915-1990) seguiu literalmente a tese de Schwennhagen, porém adaptando-a aos vikings.

Antes dos referidos estudos, um pioneiro fez a primeira descrição detalhada do local. Nos referimos a uma descrição mais rica, pois no século XIX só era citada esporadicamente em pequenos textos, como pelo político e historiador José Alencastre (1831-1871), pelo jornalista cearense Jácome Avelino (? – ?) em 1866, etc.

Em 1911 o jornalista, escritor e advogado oeirense Clodoaldo Severo Conrado Freitas (1855-1924), um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras, visitou a famosa Pedra do Castelo, na então Vila do Marvão (hoje Castelo do Piauí). A Pedra do Castelo, famosa mundialmente, dista cerca de 20km da atual cidade de castelo do Piauí. 

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A MONUMENTAL PEDRA DO CASTELO, UM DOS MAIS INTRIGANTES MONUMENTOS PRÉ-HISTÓRICO DO BRASIL.

Sob o título “Uma visita ao Castello” Clodoaldo publicou uma matéria no jornal teresinense “Diário do Piauhy”, na edição de 01 de outubro de 1911, onde narra com lirismo e poesia sua passagem pelo templo pré-colombiano em 16 de setembro desse ano. É interessante acompanharmos a narração da exploração do jornalista, pois nos mostra uma visão naturalista de 103 anos pretéritos!

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O GRANDE INTELETCUAL PIAUIENSE CLODOALDO FREITAS. ACERVO ACAD. PIAUIENSE DE LETRAS.

Acompanharam Clodoaldo Freitas ao monumento rochoso o presidente da Câmara Municipal de Marvão, Coronel Gabriel Lima e o capitão Alarico Mendes. Partiram da fazenda Canto Alegre, pertencente ao Sr. João Macedo. Diz Clodoaldo, em ortografia atualizada:

O Castelo ergue-se sobre uma chapada plana, arenosa e agreste, coberta de vegetação baixa. À pequena distância, á margem de um riacho, a vegetação é soberba e cresce verdejante e opulenta, a coirana (caanema), bela árvore para mim desconhecida, que dá uma fruta quase preta, do tipo e cor de azeitona, de sabor agradabilíssimo.

Uns tucanos verdadeiros, que faziam ali o seu pabulo (pábulo: sustento) diário, foram os únicos pássaros que vimos.

Pela estreita vereda que seguíamos, quando descobrimos o Castelo, já estávamos a poucos passos de distância. Visto daí, o Castelo tem a perspectiva de um enorme bloco de pedras toscas, roídas pelo tempo. Mais de perto, em frente, a perspectiva muda e fere-nos a vista duas grandes arcadas divididas por uma grossa coluna de pedra avermelhada. 

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UM DOS ENORMES PÓRTICOS DO CASTELO DE PEDRA.

A entrada principal dá a ideia do vestíbulo de um templo. Em frente, erguem-se duas cruzes estragadas, em uma das quais mão piedosa, pouco antes, havia colocado, nos braços, um pequeno ramo de faveira. Entramos por este vestíbulo, que tem dois raios, um á direita, na direção da segunda sala, e outro á esquerda, na direção das arcadas, onde, pelas paredes, vê-se riscos vermelhos, uns mais baixos, outros mais altos, grosseiros desenhos dos primitivos habitantes destas regiões, que alguns sábios consideram a primeira habitada do globo.

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AS CRUZES ESTÃO PRESENTES POR TODO O INTERIOR DO CASTELO

Em seguida, num pátio, há uma cruz mais alta e mais artisticamente feita, também ornada de ramos verdes de plantas silvestres. Este pátio serve de vestíbulo ao cemitério. À direita, num corredor com cinco ou seis metros de comprimento, escuro, pouco elevado, há um túmulo. Também à direita, mais adiante, há um pequeno corredor de pouco mais de um metro, onde, no fundo, há um pequenino nicho de madeira, pintado de amarelo, sobre uma mesa, coberta com toalhas rendadas, guardando uma imagem de N.S. do Desterro, a padroeira da Comarca. Dizem que aí, nesta caverna, escura e baixa, apareceu, em eras remotas, uma imagem de pedra de N.S. do Desterro e que, tendo sido transferida para a matriz da Freguesia, de lá desapareceu. 

A imagem atual foi colocada no lugar em que está, nesta triste solidão, povoada de mortos, pela exmª Srª d. Milú Castro, há pouco tempo.

A grande cruz, ereta no vestíbulo, indica que aí é o cemitério, onde, há muitos anos, são enterrados os que morrem na vizinhança. Pouco adiante, à direita, há outro corredor, mais estreito e curto, em cuja entrada estão depositados, em grande ruma, os paus que tem servido para a condução das redes. Este cemitério tira a poesia do lugar. 

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CORREDORES E SALÕES MARCAM O LUGUBRE ANTRO, ONDE ESVOAÇAM MILHARES DE MORCEGOS

Apodera-se do visitante uma inefável tristeza, ao transpor essa instância habitada pela morte e onde, no meio desse amontoado de pedras, só esvoaçam morcegos assustadiços. Esse cemitério tirou o encanto da poesia deste lugar cheio de belezas virgens. O grande salão, que serve de cemitério, em cujo centro há uma grande claraboia, vai, na altura regular de uns trinta palmos, sair do lado oposto, na chapada. Aí é o lugar por onde há acesso para o cimo do Castelo. A subida não é difícil, trepando-se pelas pedras.

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A CLARABÓIA PRINCIPAL OBSERVADA DE DENTRO DO CASTELO

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PARECE INCRÍVEL, MAS ESTE É O TOPO DO CASTELO, TOTALMENTE PLANO, A UNS DOZE METROS DO SOLO AO REDOR.

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A CLARABÓIA PRINCIPAL VISTA NO TOPO DO CASTELO

De cima, numa assentada de pedras miúdas, e de capim agreste, descortina-se um panorama belíssimo. Ao norte, vê-se, ao longe, na distância de uma légua, o vale verde-negro do Poti (Rio), com as suas oiticicas frondosas destacando-se do imenso panorama fúnebre de árvores desfolhadas, erguendo para os céus esbraseados os ramos nus, num horizonte recortado de altas montanhas pedregosas, pardacentas pela distância. Ao poente, na distância de duas léguas, destacam-se os telhados das casas do Morro Alegre e as frondes redondas e verdejantes dos buritizais do Bonito. Cerca de um km para o nascente, também isolados na chapada, existem duas pedras enormes semelhantes ao Castelo, onde apenas há furnas. A leste e ao sul, o horizonte é limitado pelas serras altíssimas, que se vão entroncar na serra da Ibiapaba, que divide o Piauí do Ceará.

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DO TOPO DO CASTELO HÁ UMA VISÃO PANORÂMICA EM 360 GRAUS.

Excetuando o bando de tucanos, ali não vi pássaros. A natureza parece não ter vida e o ouvido não se deleita com a música divina das aleluias das aves nas suas expansões amorosas.

Descemos para o lado oposto para a segunda sala, que serve de cemitério para as crianças. È chamado, por isto, cemitério dos anjinhos. A entrada é mais singela do que a da outra sala. Há um pequeno vestíbulo, servido por uma claraboia. Em seguida ao vestíbulo, é o corredor, que serve de cemitério. O corredor vai abaixando até a altura aproximada de um metro e sai do lado oposto por onde subimos, por uma garganta baixa e estreita.

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O CEMITÉRIO DOS ANJINHOS

À direita do vestíbulo, à entrada, há, pelas paredes, desenhos de vários formatos com a mesma tinta vermelha. Em baixo há uma grosseira figura humana, com cara redonda; mais em cima, gravado na pedra, dois pés de ema; mais em cima, num trapézio, um macaco, equilibrado sobre a corda e, mais acima, tudo na mesma direção, de costas, com as asas espalmadas, num voo arrebatado, um pássaro ou uma borboleta. Querendo dar uma interpretação a esses desenhos, parece-me que o desenho significa: O homem vai subindo aos saltos para cima. Esses desenhos, sem simetria, não parecem inscrição. Em geral são riscos como estes: IIIIIIIII. Outros, riscos em corações.

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A MAIOR PARTE DAS PINTURAS RUPESTRES EM COR VERMELHA DO INTERIOR DO CASTELO ESTÁ MAL CONSERVADA EM DECORRÊNCIA DA UMIDADE E EFLORESCÊNCIA.

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ALÉM DE PINTURAS HÁ TAMBÉM ALGUMAS GRAVURAS RÚSTICAS NAS PAREDES.

Em roda do Castelo, dispersos pelo solo, como que arrojados por um cataclismo qualquer, há grandes blocos de pedras, uns amontoados, outros isolados. 

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BLOCOS DE ARENITO AMONTOAM-SE AO REDOR DA PEDRA DO CASTELO.

Por detrás das arcadas da primeira sala, onde há um grande amontoado de pedras, indicando que desabaram do edifício, veem-se duas janelas, que dão para o poente, uma grande e outra pequena. O Castelo, com circunferência aproximada de 600 metros, tem o frontispício de cerca de 10 metros de altura e dista 7 léguas de Marvão. É pena que nenhum dos engenheiros, que por duas vezes andaram estudando o traçado da estrada de ferro de Teresina ao Crateús, tenham tido a feliz lembrança de fotografar ou levantar a planta dessa maravilhosa obra da primitiva indústria humana. 

Na chapada, que fica entre os lugares Faveira e Gameleira, á direita de quem vai para Marvão para o Tapuio (cidade de São Miguel do Tapuio) há, isolada, uma grande pedra, que vista de certa distância, parece uma grande cadeira de espaldar gigantesco. Dizem que, em diferentes lugares, há pedras cobertas de letreiros, em língua desconhecida, e que não tive tempo de visitar.

Estas linhas apenas visam despertar a atenção de quem, melhor do que eu, possa fazer uma descrição mais minuciosa do famoso Castelo, já pelo lado material, já pelo lado científico. 

A verdade é que a vista do Castelo proporciona ao visitante momentos de íntima emoções.