O comboieiro Zé da Luz foi cruelmente morto por engano em 1868, virou mártir e hoje é considerado um “santo” na Ibiapaba

No sertão nordestino, mais especificamente em nossa região, são diversos os casos de pessoas antes anônimas, que se transformaram em mártires após serem vítimas de cruéis e tortuosos assassinatos. Como exemplos, posso citar João Cartomante em Cocal – Piauí e Maria Rosa em Piracuruca, também no Piauí.

Em tempo: no final desta matéria tem os links para as matérias sobre João Cartomante e Maria Rosa.

Em todos esses casos, essas personalidades passaram a ser consideradas “santos”, pois, mesmo sem ser oficialmente consideradas pela Igreja Católica, elas são tratadas com um profundo respeito e devoção por grande parte da população sertaneja.

Nesses locais onde essas pessoas foram cruelmente mortas, são erigidos cemitérios, capelas e até casas de oração, são locais onde é comum vermos ex-votos como: pernas, braços, pés, cabeças e até corpos de crianças, são objetos feitos de madeira ou de gesso. São oferendas deixadas nestes locais de devoção pelos fiéis e seus familiares, como forma de agradecimento pelas promessas alcançadas.

Durante a realização do percurso da Expedição Caminhos da Ibiapaba – Na Rota dos Comboieiros, tive a oportunidade de conhecer mais um desses locais, trata-se do cemitério do Zé da Luz, o lugar fica logo após o distrito de Santo Antônio da Pindoba, hoje em terras da cidade de Ibiapina no Ceará.

Aqui o morador local de nome Tião, em frente ao cemitério, me fala a história do Zé da Luz. Uma fala que vem passando de geração a geração. Disse ele: “…os mais antigos dizem que Zé da Luz foi o primeiro comboieiro que passou por aqui…”

A fala comum entre os moradores da região é que Zé da Luz era um comboieiro, inclusive ressaltam que ele foi o primeiro comboieiro a andar pela região, numa dessas viagens ele foi confundido com um ladrão de animais, foi perseguido, brutalmente judiado e morto e no local foi construído um cemitério. O cemitério do Zé da Luz se transformou em um centro de peregrinação, atraindo pessoas de toda a região, que fazem promessas pedindo bênçãos à alma do Zé da Luz.

Em frente à Capela do Cemitério do Zé da Luz.

Por colaboração do historiador João Bosco Gaspar, tive acesso ao Dicionário Histórico e Geográfico da Ibiapaba, escrito em 1935 por Pedro Ferreira de Assis. Nesse livro, na página 96 consta o seguinte sobre Zé da Luz (escrita original).

– Local na zona denominada “Carrasco”, entre Cacimbas e Varzea, do termo de Ibiapina, onde existe um pequeno cemitério, bento, em 13 de junho de 1927, pelo Padre Antônio Candido de Melo. Neste cemitério jaz o infeliz José da Luz que, tendo sido imputado – embora falsamente – como principal autor de um roubo de cavallos praticado em uma das fazendas do vizinho Estado do Piauhi, foi ali, consoante reza a tradição, sem mais nem mais, em 1868, friamente assassinado por dois facinorosos vindos daquelle Estado. Um delles, apesar da protecção que desfructava – foi preso, annos depois na sua própria residência, no Piauhi, e, de lá, transportado para a cadeia da cidade de Viçosa, neste Estado, onde expiou o barbaro crime de que foi victima o inditoso José da Luz.

Ex-votos colocados pelos fiéis, oferendas às bênçãos alcançadas.
Altar da Capela de Zé da Luz.
Tião me fala um testemunho de uma graça alcançada, a partir de uma promessa a Zé da Luz. Quando a sua própria irmã padeceu de uma perna e foi curada após uma promessa feita por sua mãe.
Por fim, uma coruja buraqueira, sob o sereno da tarde, descansa sobre o cruzeiro de um antigo túmulo no cemitério do Zé da Luz.

Em tempo: veja a matéria completa sobre o Cemitério do Zé da Luz na 3ª parte do documentário em vídeo sobre a Expedição Caminhos da Ibiapaba – Na Rota dos Comboieiros, link logo abaixo.


Links citados:

João Cartomante: Uma história de injustiça, sofrimento e morte. No ano de 1956 entre Piracuruca, Cocal e Parnaíba

A verdadeira identidade de João Cartomante, o beato de Cocal – Piauí

A lenda da alma milagrosa de Maria Rosa ultrapassa gerações e se populariza no interior de Piracuruca