Este artigo é uma síntese das 3 expedições que fiz à Serra do Morcego. É um documento completo com textos, fotos, vídeos e lendas. Além de um cordel que foi publicado no Almanaque da Parnaíba 2020.
O município de Caxingó localiza-se na região norte do Estado do Piauí, a cerca de 297 Km da capital, Teresina (BR 343 – PI 213). De acordo com o IBGE, tem uma população estimada de 5.451 habitantes (2020) (1).
Dentro do território da cidade Caxingó-PI, bem perto da divisa com a cidade de Buriti dos Lopes-PI, fica a Serra do Morcego, onde encontramos um dos mais fantásticos agrupamentos de pinturas rupestres do Piauí. A Serra tem esse nome em virtude de uma caverna em que ocorrem muitos morcegos, como veremos posteriormente.
O acesso à Serra é a partir da localidade Placa do Cocal, margem da BR 343. Essa BR corta todo o norte do Piauí, ligando a capital Teresina ao litoral do estado do Piauí. O local é um entroncamento rodoviário que também leva à cidade de Cocal-PI, através da PI 213.
A partir da Placa do Cocal, são cerca de 2 km em trilha a pé, até alcançarmos as primeiras pinturas.
Na trilha, podemos observar a rica fauna existente no entorno da Serra do Morcego.
O Arco do Covão
O objetivo inicial da trilha é alcançar o Arco do Covão, o local tem esse nome devido estar próximo a um grande arco de pedra.
No paredão base, ao lado do arco, apresenta-se um extenso painel, descrito assim pelo historiador Reinaldo Coutinho:
“São dezenas de metros quadrados recheados com centenas ou milhares de símbolos multimilenários pintados em cor vermelha. É um dos mais concentrados agrupamentos de arte rupestre pré-histórica do Brasil.”
Em (4), um artigo publicado na revista Internacional Jornal of South American Archaeology (2008), é dito que:
“Um dos maiores, mais belos e importantes sítios do Centro-Norte do Piauí, medindo 70 metros de comprimento, o Arco do Covão (coordenadas geográficas 3°25’18”, de latitude sul, e 41°45’01”, de longitude oeste), localiza-se em um ponto estratégico para os turistas que seguem rumo ao litoral piauiense. O abrigo, comportando cerca de 1000 pinturas pré-históricas, situa-se na Serra do Morcego, município de Caxingó.”
Esse estudo supracitado, que teve como autores: L. C. Duarte Cavalcante, M. C. Soares Meneses Lage, M.C. Pereira and J. D. Fabris, teve como objetivo, apresentar um Estudo químico e espectroscópico dos pigmentos pré-históricos do sítio de arte rupestre Arco do Covão, Piauí, Brasil.
Já em (5), é dito que:
“O Arco do Covão é o sítio de maior densidade gráfica até agora descoberto, dentre os incluídos nesse estudo, na região Norte. Nas proximidades do Arco do Covão há um olho d’água que garante a umidade do ambiente o ano todo. O setor faz parte de uma área fértil do vale do rio Longá, tradicional bacia leiteira da região Norte do Estado.”
Ainda em (5), são destacadas várias representações de sítios arqueológicos do Centro – Norte do Piauí, demonstrando a existência de um sistema de comunicação icônico. Nesse estudo é possível identificar desenhos que apresentam características comuns a outros sítios espalhados pelo mundo. Vários registros são destacados no sítio do Arco do Covão, um deles é um inseto, que aparece no painel principal.
Reinaldo Coutinho destaca:
“Um dos mais interessantes símbolos do Arco do Covão é, no nosso entender, após anos de estudos, uma cartografia pré-histórica. São provavelmente “mapas” ligando antigos centros de culto atlanto-brasílicos no norte do Piauí.
Quem trabalha com cartografia reconhece com espanto que aqueles mapas rupestres se assemelham até aos modernos. Os povoamentos são representados por círculos e as estradas ou caminhos, por linhas duplas e paralelas, ligando os círculos entre si.
E que bosques sagrados eram estes? O principal era Sete Cidades. Os outros eram: Arco do Covão (Caxingó), Guarita (Bom Princípio do Piauí), Buriti dos Cavalos (Piripiri), Lapa (Pedro II) e Riacho Jacu (Capitão de Campos).
Interessante é que os arqueólogos costumam confundir estes mapas pré-históricos com redes de pesca! Afinal, como poderiam explicar uma cartografia pré-histórica?
É claro que a interpretação completa do contexto em que se inserem os mapas do Arco do Covão só seria possível com a elucidação completa das pinturas circunvizinhas.
Grande parte da simbologia rupestre do Brasil é de natureza astronômica. E o Arco do Covão não foge à regra.”
Também é destacado por Reinaldo Coutinho, a seguinte pintura:
“Um sol irradiado perifericamente, cujos raios terminam em treze círculos, provavelmente está relacionado ao curso anual do nosso planeta ao redor do sol. Os treze raios com círculos poderiam nos induzir a acreditar num ano de treze meses, como acontecia com outros povos antigos.”
Um outro símbolo de destaque no painel principal do Arco do Covão, é uma representação em forma de lagosta, de acordo com (4):
“Acredita-se que os autores das pinturas faziam incursões ao litoral, pois deixaram marcado na pedra o indício de que o conheciam: uma representação de lagosta, único exemplar do gênero nas pinturas pré históricas da área. O emaranhado das formas indica que o local foi frequentado por diferentes populações, em períodos sucessivos, aumentando assim a importância do mesmo para os estudos da pré-história.”
Outras representações de aparências bem definidas e identificáveis, existentes no Arco do Covão, são vista a seguir:
Sítios na encosta da Serra do Morcego
Ao contornarmos a Serra do Morcego, nos deparamos com outros painéis com pinturas, visitamos pelo menos 6 outros aglomerados em que ocorrem uma grande quantidade de pinturas. Um dos destaques é uma grande caverna, onde é possível observar pinturas graúdas nas paredes internas. Não foi possível entrar em virtude dos maribondos e vespas.
Também ocorrem alguns abrigos sobre rocha, muitos deles ornamentados com pinturas de variadas formas.
É um local bem acidentado, o que dificulta o acesso a alguns dos painéis.
Algumas pinturas se destacam perante as demais:
Escalando a Serra do Morcego
Além das pinturas, a Serra do Morcego proporciona boas aventuras, uma delas é a escalada ao topo da Serra, no caminho passamos por uma caverna repleta de morcegos, daí o nome da Serra.
Petróglifo natural no topo da Serra do Morcego lembra os contornos do Mapa do Piauí
Questões ambientais e preservação
Os sítios arqueológicos da Serra do Morcego foram objeto de estudo de (6), nesse trabalho que é uma Dissertação de Mestrado de Ana Flávia Sousa Silva – UFPI (2014), foi feito um amplo estudo cuja proposta central foi a proposição de critérios para o estabelecimento dos parâmetros necessários ao manejo de sítios arqueológicos de registros rupestre visando sua proteção e conservação.
Quanto às pinturas, observei algumas bastante deterioradas, principalmente em virtude do descascamento do arenito, quanto a isso, em (4) é dito que:
“O suporte rochoso do Sítio Arco do Covão é constituído por um arenito muito friável, cimentado com uma matriz feldspática, que se encontra em acelerado processo de degradação. Além disso, esse Sítio apresenta diversos problemas de conservação de arte rupestre, tais como galerias de cupins, ninhos de vespas e eflorescências salinas.”
Também vi sinais de pichação, infelizmente:
As lendas da Serra do Morcego
Jeremias Machado, morador da região, é o principal guia da Serra, desde criança faz andanças pelas trilhas da Serra do Morcego, se mantendo como um defensor desse patrimônio piauiense. Diz ele que desde criança ouve falar que a Serra do Morcego é encantada, e os mais velhos dizem que “se alguém conseguir desencantá-la, ela se transformará em uma cidade muito bonita”.
Além da lenda da Serra encantada, Jeremias fala da lenda da Santa:
“Desde menino ouço falar que na Serra do Morcego tem uma Santa. Isto porque, lá em cima, do lado norte da Serra, olhando de baixo se pode ver uma pedra no formato de uma Santa. Várias pessoas iam até lá para pagar promessa, além de algumas que falam que subiam para ver esta Santa bem de perto, mas não conseguiam chegar até lá, pois eram atacadas por marimbondos, que não as deixavam chegar até lá. Daí vieram diversos contos de que esta Serra, e especificamente este local, têm um encantamento, logo que nem todos conseguem visualizar a imagem da Santa, e muito menos subir para vê-la de perto.”
E também da lenda do cachorro do caçador:
“Ouvi um senhor contar que um homem costumava caçar, com um cachorro, nas arredores da Serra do Morcego. Até que um dia, o cachorro correu atrás de um tatu e este entrou em um buraco, no pé da Serra. Quando o cachorro chegou no buraco, ele também entrou, e sumiu lá dentro. O caçador chamava o cachorro e só ouvia o latido,e assim ficou por vários dias, indo até lá, chamando o seu animal, e só ouvindo-o latindo, sem nada poder fazer. Saía lágrimas de seus olhos, e seu filho ficou mais triste ainda, pois era seu cachorro de estimação. Eles o chamavam…chamavam, até o dia em que o pobre animal já não latia mais.”
Além dessas lendas, Jeremias também relatou sobre uns potes funerários que foram desenterrados na Serra, há muitos anos atrás.
aqui no sertão piauiense vindo do interior até o mar desde a Serra da Capivara são cenários que encantam lugares de cultos e passagem buriti dos cavalos, melancias muitos outros ainda existem está no município de Caxingó nesse lugar lindo e fascinante são milhares de registros habitavam em cavernas Autor: F Gerson Meneses |
Fontes consultadas:
1 – https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pi/caxingo/panorama
2 – https://www.caxingo.pi.gov.br/
3 – Google Earth
4 – Cavalcante, L. C. D.; Lage, M. C. S. M.; Pereira, M. C.; Fabris, J. D. (2008). Estudo químico e espectroscópico dos pigmentos pré-históricos do sítio de arte rupestre Arco do Covão, Piauí, Brasil. Int. J. South Am. Archaeol.. 3. 59-66.
5 – Magalhães, S. M. C. (2011). A arte rupestre do centro-norte do Piauí: indício de narrativas icônicas. Tese de Doutorado em História, da Universidade Federal Fluminense – UFF.
6 – Silva, A. F. S. (2014) Complexo Arqueológico Serra do Morcego, Caxingó (PI): proteção, conservação e manejo de sítios arqueológicos de registros rupestres. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia, área de concentração em Cultura Material e Conservação de Sítios Arqueológicos, da Universidade Federal do Piauí – UFPI.
7 – Cavalcante. L, C, D. (2012) Caracterização arqueométrica de pinturas rupestres pré-históricas, pigmentos minerais naturais e eflorescências salinas de sítios arqueológicos. Tese de Doutorado, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.