Danieis contra Camilos: Uma briga entre famílias que manchou de sangue a localidade Lagoa Seca, antigas terras de Piracuruca e hoje pertencentes a Cocal

No povoado Lagoa Seca, viviam duas famílias que seriam protagonistas de uma das páginas mais sangrentas da história do município de Piracuruca, atualmente, fazendo parte do território de Cocal. Era na década de 40, quando ocorreu a Contenda. A pequena comunidade era habitada por duas famílias: Os Danieis e os Camilos. Viviam basicamente da roça e da criação de pequenos animais: Porcos, Galinhas, bodes, etc.

Luís Machado de Cerqueira, ou simplesmente, Luiz Camilo era filho da Viúva Camila Silva, considerada a primeira moradora da Data Capiberibe, futura cidade de Cocal. Era genitor de grande família, tendo seis filhos. Sendo eles: Melquídes, Raimundo, Pedro, José, Chico, e Bendito.


Três irmãos participando do desfile cívico, em carro aberto, no dia 07 de setembro de 2010. Eram os netos da primeira moradora de Cocal, a viúva Camila Silva. Apenas o da direita está vivo: Seu Raimundo.

Na mesma região se instalou um cearense, oriundo de uma localidade chamada Pedrinhas, município de Granja, estado do Ceará. Era o Daniel da Costa Teixeira, casado com D. Rosa Oliveira da Costa. A família era formada por 10 filhos. Sendo eles: Ovídio, Oribe, Olíssio, Adonias, Genuína, Maria, Rita, Sergina, Regina, Frauzina e Anália. As duas famílias viviam em pé de guerra. Disputavam espaços entre as duas propriedades. Dificilmente o animal que passasse para a área do outro, retornava. O fato piorou quando um dos filhos de Luiz Camilo, conhecido como Melquídes Camilo, resolveu “roubar” a Genuína, filha de Daniel. Pegando para si como esposa. O fato aconteceu numa noite de lua clara. Os dois amantes, sempre se encontravam na penumbra da noite, e tinha como ninho de amor, a sombra dos cajueiros. Mas naquela noite, os dois tinham combinado uma fuga. Os cachorros pressentiram a presença do rapaz. Alvoroçaram-se e começaram a latir. Mas, logo foram acalentados pelas mãos de Genuína, antes de adentrar no Cipoeiro. Ela não voltaria mais ao convívio de sua família. Levava uma pequena trouxa de roupas. No dia seguinte, acorda em uma das redes da família de seu Daniel. Eram dois corpos entrelaçados, teimando em não deixar a rede ao clarão dos primeiros raios de sol.

De longe, ouvia-se o praguejar da família de seu Luiz Camilo ao descobrir a fuga de Genuína:

___ Filha do Diabo; amaldiçoada dos infernos; rapariga do cão. Não se atreva a voltar ou vou lhe matar. Você desgraçou nossa família de vergonha.

E assim, foram alguns dos adjetivos pronunciados pelos membros daquele clã. Fato este, onde a relação dos dois, nunca foi aceito entre as duas famílias. A rixa só aumentava, e a rivalidade entre eles. Genuína passou a ignorar sua própria família temendo o pior. E quando, no seio da família de seu esposo, declarou que seu pai, Daniel, era possuidor de dons espirituais. Tinha em seu domínio, fortes orações do livro de São Cipriano, o que lhe tornava quase imortal. Relatou para família do esposo que ele só poderia ser abatido com uma bala, feita da ponta do chifre de uma novilha preta. Algo quase imaginável naquela região. Pensava ela, que com isso, afastaria os membros da família de seu esposo, para com os seus familiares de sangue.

Sr Raimundo Camilo, um dos sobreviventes da grande luta dando o seu depoimento.

Um certo dia, o pior aconteceu. Já há algum tempo havia uma disputa entre os dois senhores em relação a abertura de um portão que circundava uma lagoa. Alegava Daniel que Luiz Camilo, ao deixar o portão aberto, facilitava a entrada de porcos para seu terreno. Com isso, iniciou uma disputa. Com a diminuição das águas da lagoa que servia para os dois terrenos, o porão d’agua recuava para as terras de Daniel, dificultando o acesso dos animais da família de Luiz Camilo. Quando um dos membros da citada família abria o portão, o outro fechava. Numa certa manhã, por volta das 10 horas, Daniel estava próximo ao portão, furiosamente, para evitar a invasão dos porcos. Dias antes, ofensas e ameaças foram deferidas entre os dois protagonistas e o estopim para o conflito. Chegando ao portão, Daniel foi surpreendido pela presença repentina de Luiz Camilo e seus filhos. Traziam consigo uma espingarda. O velho Daniel de dentro do cercado, gritou!

___Não abra o portão ou morre! E repentinamente sobe na cerca com facão em punho, fazendo ação de pular para o outro lado.

Pedro Camilo, observando os movimentos do opositor, aponta a arma, atirando no peito de Daniel. O tiro foi certeiro. Uma ponta do chifre de uma novilha preta rasgara a pele e penetrou profundo. Ao levantar a cabeça, se deparou com quatro pessoas; Luiz Camilo e três filhos: Melquídes Camilo, Raimundo Camilo e Pedro Camilo. Sentindo se ferido, parte com o facão em punho, caminhando velozmente para os três. Corria saltando de um lado para o outro, cortando o ar com fúria enlouquecida sobre os adversários. A luta é desigual; mas temendo o pior, golpeia seus inimigos sem dó. De um só golpe, abre o ombro de Melquídes Camilo, quase decepando o braço direito. Em seguida, golpeia os outros. Pedro com a espingarda desarmada, defende-se com o cano. Daniel era ágil com o facão. Jogava o corpo de um lado para outro, entre seus opositores, enquanto o facão seguia um ritmo de zigue zague no ar. Era perito na arte de jogar o facão. Não dava tempo para pensar. O tiro não o abatera imediatamente, mas havia sido ouvido pelos outros filhos da casa de Daniel. Correram para ver o que tinha ocorrido. Homens e mulheres em disparada, entre gritos e palavrões. Alguns já prevendo o pior, catavam paus e pedras como arma.

Chegando no campo aberto, avistam o velho Daniel caído na terra. Banhado de sangue, rolava de um lado para o outro. Já Melquídes Camilo, estava prostrado numa poça de sangue. Ulísses Daniel ao avultar o pai também caído e quase morto, pelo tiro recebido, procura o assassino e se depara com o jovem, Pedro Camilo, com uma espingarda, parte para tomar a arma de suas mãos. Na luta corporal, facão e espingarda se encontram no ar. Não observou na retaguarda, a aproximação das filhas de Daniel que vinha praguejando. Uma das mulheres, tomadas pelo ódio, arranca da cerca uma tora de pau da madeira sabiá e deflagra um forte golpe na cabeça de Pedro Camilo, a pancada é seguida de um estouro, provocada por outros golpes deferidos em seu crânio, espalhando o cérebro pelo chão. Quando expelia palavras de ódio, sem se aperceber de sua retaguarda, um dos filhos de Luiz Camilo crava uma faca nas costas de Ulísses, seguido de inúmeras punhaladas que o leva a cair agonizando.

O clamor e gritos apavorantes atrai os outros membros das duas famílias. Em poucos minutos, a região se tornou um formigueiro humano, de homens e mulheres, armados com facões, paus e pedras. Formou se dois grupos: Um de cada lado. Enquanto no centro, três mortos e feridos contracenava a triste cena. As horas passaram. Já era quase meio dia de um sol escaldante. Choro e clamor substituía o ódio repentino, por lamentações, choro e dor. Muitos se arrastavam pela areia branca. Outros rolavam de um lado para o outro. Alguns cambaleavam ao tentar ficar de pé. Era uma cena dantesca. Corpos, sangue e areia dava uma imagem tenebrosa. Quando tudo se acalmou, aqueles que tinham mais condições, auxiliaram os outros mais feridos. Esqueceram as mágoas! Era hora de juntar os enfermos e mortos e levá-los para casa, deixando uma terra branca tingida de um vermelho escuro, e de um insosso repugnante.

No céu, os urubus sobrevoavam como aves de mal- agoro. A bica de sangue que se formou dos inimigos, unia-se num pequeno córrego, deslizando, lentamente, pela terra branca, caindo na lagoa e colorindo as águas. Agora era hora de cuidar dos feridos e velar os mortos. Naquela tarde improvisaram o comboio. Amarrando redes em varas de sabiá e colocadas, estrategicamente, em fila indiana, sobre ombros de cavalos para seguirem viagem rumo a cidade de Piracuruca. Um cortejo de feridos misturados a gemidos e lamentações. A noite um clima fúnebre assolou a região e dezenas de amigos perambulavam na encosta da lagoa seca, de uma casa a outra, para velar os corpos. Tudo estava consumado!