O sineiro da minha terra

Muita gente já falou do sineiro de sua terra. Quero me permitir contar também a história do sineiro de Piracuruca, onde o velho campanário tinha o som mais melodioso do mundo, principalmente quando era tocado por Manoelzinho, personagem já conhecido de outra história de nossa memória.

Manoelzinho era sacristão, mestre-escola e delegado de polícia. Foi em todo Brasil, o primeiro delegado a aplicar o “Espírito da Lei”, quando decidiu não castigar um pobre homem que, para alimentar sua numerosa prole, abateu um boi alheio. Manoelzinho não só convenceu o dono do boi da inocência do caboclo, como ainda autorizou o faminto a vender o couro do animal ali próximo, no comércio do Senhor Mendes, que além de fazer melhor preço era seu amigo e compadre.

 Creio, entretanto, que Manoelzinho exagerou um pouco. Talvez o Enciclopedista não tenha ensinado tudo isso mesmo. Ou será que ensinou? Procurem a resposta com o governador Mão Santa, que tem extraordinária aproximação com Montesquieu.

Bom, mas a história que quero contar aqui é outra. Era período de férias em e Piracuruca hospedava um dos filhos ilustres da cidade, o Dr. Anísio de Brito Melo, grande educador e historiador, que por mais de uma década foi diretor da “Instrução Pública do Piauí”, onde deixou inúmeras e modernas reformas.

Anísio de Brito Melo almoçava na casa da irmã, Dona Maria, e do cunhado, meu tio Antônio Magalhães, quando, ouvindo o sino da matriz que ficava a poucos metros, comenta: 

– O som deste sino em tempos passados era bem mais melodioso, não acham?

Concordando com o cunhado, meu tio explica que o sino já não era mais tocado por Manoelzinho, que estava aposentado, O sineiro era então um tal de Cindô, auxiliar do Joaquim, o novo sacristão da cidade.

A observação do Dr. Anísio logo chegou aos ouvidos de Manoelzinho que, explodindo de orgulho, manda dizer que enquanto o ilustre visitante estivesse na cidade o sino seria tocado por ele próprio.

No dia seguinte, Anísio Brito de Melo se deleita com as badaladas executadas pelas mãos hábeis do velho sacristão. Tudo seria maravilhoso se Manoelzinho não tivesse a mania de exagerar. Ficou por mais de uma hora badalando o corrimão. A melodia gostosa do som do sino deu lugar a um barulho infernal que deixou Anísio irritado, sem o seu cochilo depois do almoço.

Anísio, que é mais um “Melo” que um “Brito”, não trovejou, nem fez chover canivete. Homem de fina educação, resolveu o problema com um simples bilhete endereçado a Manoelzinho. O bilhete agradecia a gentileza e ressaltava a enorme satisfação de ouvi-lo novamente tocar com harmonia o sino da cidade. Mas finalizava pedindo a Manoelzinho que devolvesse imediatamente a batuta ao jovem Cindô, alegando que havia sido informado que o novo sineiro era um rapaz deficiente e muito pobre.

Pelo que sei o homem era também muito sensível. Contaram-me que este até chorou quando o amigo lhe arrebatou o sino.

Autor: Joaquim Ribeiro Magalhães