O vestido da Chiquinha

Nos meu tempo de menino o caboclo do campo era chamado de morador. Amava Deus no céu e o patrão na terra. Fazia roça e pagava renda ao dono da terra. Jamais havia ouvido falar em reforma agrária. Vestia-se com o pior pano, um tecido ralo fabricado pela firma alemã Lundgren, proprietária das casas Paulistanas e Pernambucanas.

A seca de 1932 na região Nordeste foi calamitosa, obrigando o homem pobre do campo a migrar para a parte ocidental, onde a seca era amena.

João Levino, um mísero caboclo que veio das bandas do Ceará fugindo da fome, foi acolhido no Piauí nas terras boas do capitão João Ribeiro, meu avô materno. Ali, Levino e sua grande prole sosseragam a forme. A vestimenta, entretanto, continuava a mesma miséria. Levino nunca passou de duas roupas, mais remendadas do que colcha de retalhos.

Certa vez, num domingo de muito sol, Chiquinha, mulher do pobre homem, saiu cedo levando para a fonte a criançada e todas as roupas da família. Levino ficou em casa. Totalmente despido, deitou numa rede pequena tentando esconder o corpo nu. Para azar seu, o genro do patrão chega ao casebre gritando pelo caboclo. Ele fica encolhido, quietinho, esperando que o homem desista. O visitante continua gritando e, sem obter nenhum resposta a não ser o latido fraco da cadelinha Piaba, resolve curiar pela brecha da parede velha; percebe que tem gente em casa. Aborrecido, pergunta quem está ali. O caboclo, sem saída, vem abrir a porta e, muito acanhado, exibe a sua veste, dizendo: “Patrãozinho, eu tava sozinho olhando pra esse vestido da Chiquinha e me deu uma vontade danada de vestir, pois num é que ficou bonzinho em mim!…”.

Fonte: Retorno às Fontes – Contos e Crônicas – Joaquim Ribeiro Magalhães – Teresina – Piauí – Nov/2000