Padre Domingos de Freitas Silva: de Olinda a Perypery

Antiga fotografia de Piripiri, ao fundo, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e em primeiro plano, onde hoje é a Rua João de Freitas, vê-se um monumento indicando o local do túmulo de Padre Freitas (1798-1868), esse monumento esteve nesse local até meados do século passado.
Fonte da fotografia:  http://historiadepiripiriparaestudantes.blogspot.com/2012/11/padre-freitas-de-piripiri-queme-o.html

Findava o século XVIII, quando em 1798, nascia em São João da Parnahiba, litoral da Capitania do Piauhy, o menino Domingos de Freitas Caldas. Herdou o mesmo nome do pai que era português e tabelião do lugar; sua mãe, Rita Maria de Almeida. Além de Domingos que era o caçula, o casal teve mais quatro filhos: José, Catarina, Maria Rita e Bernardo. Este com a morte do pai, passou a ser o escrivão da vila.

Domingos teve como padrinho de batismo, o vigário Henrique Joze da Silva, que também era professor de latim e gramática. Logo ao atingir a idade escolar, o padre Henrique sugere aos pais do afilhado que Domingos deveria ser padre, e que o manteria com todas despesas necessárias. A partir de então, o jovem estudante substituiu o sobrenome Caldas, pelo Silva de seu padrinho, e passou a assinar Domingos de Freitas Silva e assim, o jovem parnaibano parte para Pernambuco.


Vila de São João da Parnahiba – 1809. Domingos de Freitas Caldas tinha 11 anos de idade.

Autor: Joze Pedro Cezar de Menezes. Fonte: Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.

Matriculado no Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça em Olinda, Domingos não só estudava as disciplinas para a sua formação de padre, mas contava com o chamado Humanismo Recifense, revelado nas inovações curriculares e metodológicas. Com currículo heterogêneo, o Seminário despertava o interesse de muitos estudantes que não necessariamente queriam seguir a vida eclesiástica.

Fundado em 1800, pelo bispo de Olinda, Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, o colégio contava com as cadeiras de Gramática Latina e Grega, Retórica e Poética, Filosofia, Geometria e Teologia, além do Cantochão – música eclesiástica, aulas que eram ministradas em horário integral. Tido como a escola mais avançada do Brasil colônia, alguns professores do Seminário não disfarçavam a sua formação iluminista, tornando a escola centro de difusão de ideias liberais.

Influenciados pela Revolução Francesa, mas também pela Independência Americana, os pernambucanos queriam ver o Brasil livre de Portugal e senhor do seu destino. Depois das Inconfidências Mineira, Baiana e Carioca, emplacaram a Conspiração dos Suassunas, em 1801. A vila natal do jovem Domingos também já estava alinhada com os liberais de Pernambuco. Não sem propósito, os parnaibanos montam em 1815, o seu correio particular, que passando principalmente pelas vilas avançadas de Crato e Icó no Ceará, chegava ao Recife e Olinda.


Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça de Olinda, Pernambuco.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Semin%C3%A1rio_de_Olinda#/media/Ficheiro:Vista_A%C3%A9rea_do_Semin%C3%A1rio_de_Olinda_e_Igreja_de_Nossa_Senhora_da_Gra%C3%A7a_(3614628402).jpg

Os pernambucanos, inconformados com a situação econômica de sua província e as leis impostas pela Coroa que se refugiara no Brasil em 1808, explodem, no dia 6 de maio, na Revolução Republicana de 1817. Como não poderia deixar de ser, o Seminário foi um dos quartéis-generais da Revolução. Domingos assiste o estopim desta revolta e, misturando aflição e alegria, escreve ao padrinho, carta datada do dia 11 de março de 1817, contando os primeiros acontecimentos:

Presado Padrinho do coração. Participo a V. Mce. que no dia 6 do corrte. pelas duas horas da tarde houve um grande ataque ou guerra da nossa parte com os Europeos, não que fosse dedicada aos Europeos, e sim para nossa liberdade, para ficarmos livres do pesado jugo em que vivíamos, e sermos governados por nos mesmos. Principiou a guerra as duas horas da tarde e quando foi as cinco já estavão rendidos todos os Europeos, e foi morto o Brigadeiro e mais algumas pessoas. […]. Ah meu padrinho, isto he que foi alvoroço, eu fiquei morto porque era tanto o medo que não sabia o que fizesse, já ouvia o rebate, o grande tumulto, finalmente, para mim foi dia de juízo, e estamos a espera da revolução porque foi parte para o Rio. Toda guerra he feita para o fim da nossa Liberdade e não sermos governados pelos Europeus e sim por nos mesmos, dizem que he geral em toda parte. Falta tempo, e tenho pena não dizer o que prezenciei. Os Europeos não são mais nada e estão muitos Officiaes prezos, isto he Europeos, e hoje he hua grande alegria, só ouve-se gritar Viva a Patria. Isto he que he Povo. No segundo dia achou-se no Recife 130 homens armados para defesa da terra, isto tudo da nossa parte, porque os Europeos entregarão-se todos e correrão para nossa parte. A pena que tenho he que não sei quando me ordenarei com esta revolução, V. Mce. determinará o que hei de fazer. Domingos de Freitas Silva. Ao muito Reverendo Sor. Pe. Henrique Joze da Silva, meu Padrinho e Snr. Parnahiba. (Revista do Instituto do Ceará, 1917, pag., 28).


Bênção das bandeiras da Revolução de 1817. Óleo de Antônio Parreiras.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:B%C3%AAn%C3%A7%C3%A3o_das_bandeiras_da_Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1817.jpg.

A vila de São João da Parnahiba também se levanta, obrigando o governo provincial de Baltazar de Sousa Botelho a tomar medidas. Uma delas proibia a vila de receber navios vindos de Pernambuco. Escrevendo ao governador do Ceará, Manoel Inácio de Sampaio, Baltazar de Sousa informa: Parnaíba, aonde chegavam ainda palpitantes de horror, através de informes cearenses, as notícias das ferocidades cometidas contra os rebeldes para a estabilidade sangrenta do paternal governo de Dom João, era um foco de mal veladas conjuras. Pela riqueza de algumas famílias e pela cultura de alguns dos seus expoentes, exercia preponderância notável na vida do Norte da província. E somente a isso se deve atribuir a solidariedade que encontrou, sempre, em suas iniciativas, da parte de Campo Maior e outras localidades. (NEVES, 1997, p. 21). No dia 19 de agosto de 1817, o governador do Piauí remeteu carta a Dom João VI, demonstrando o seu entusiasmo com a notícia da restauração de Pernambuco e afirma que as sublevações que ocorreram na vila da Parnahiba já tinham sido controladas.

A Revolução Pernambucana não durou mais que 75 dias. O governo português sediado no Rio de Janeiro mandou para o Recife, a Divisão Auxiliadora comandada pelo general Avilez, fazer retornar ao antigo regime e punir os revoltosos. Correndo riscos, o padre Domingos vai para São Luís, aonde consegue o hábito sacerdotal no Bispado do Maranhão. O agora Padre Freitas retorna a vila que o viu nascer, é negociante e professor de Latim e Primeiras Letras. Faz vir de Pernambuco e contrariando a igreja, sua primeira companheira, Dona Lucinda Rosa de Sousa, com quem teve cinco filhos.

Os brasileiros, os pernambucanos, mas também os parnaibanos não deixaram de lutar para ver sua pátria livre. Em 2 de setembro de 1822, a princesa Leopoldina assina decreto que torna o Brasil independente de Portugal, ratificado por Dom Pedro às margens do Ipiranga. A vila de São João da Parnahiba, ainda não sabendo destes feitos, proclama a Independência do Brasil, no dia 19 de outubro do mesmo ano. Juntos aos patriotas, lá estavam os irmãos Bernardo de Freitas Caldas e Domingos de Freitas Silva.


Óleo sobre tela A Proclamação da Independência do Brasil na vila de São João da Parnaíba. No ato, no 19 de outubro de 1822, a presença dos irmãos Bernardo de Freitas Caldas e Domingos de Freitas Silva. Autor: José Ricardo Brandão de Andrade.

Os parnaibanos delatados à capital da província pela câmara da vila de Campo Maior, sabedores da vinda e da repressão do governador de armas Fidié ao movimento libertador, resolvem se passar para o Ceará, em busca de reforços militares. Os irmão Freitas vão juntos, comandados pelo juiz João Cândido de Deus e Silva e o coronel Simplício Dias da Silva. Várias tropas arregimentadas pelos patriotas chegam ao Piauí em defesa da Independência do Brasil.

Padre Freitas e os parnaibanos, imbuídos do espírito republicano, se alinham novamente aos pernambucanos, agora na Confederação do Equador. A vila da Parnahiba faz a sua proclamação no dia 25 de agosto de 1824. Talvez por se envolver nesse movimento que foi reprimido pelo governo provincial do Piauí, padre Freitas tenha se mudado para a freguesia de Piracuruca, passando a ser vigário local, fixando-se na fazenda Gameleira. Nesta, nasceram os seus cinco filhos da união com Lucinda.

Com a morte da sua primeira companheira em 1839, padre Freitas se une a Jesuína Francisca da Silva, com quem teve sete filhos. Em 1840, deixa Piracuruca e se estabelece na fazenda Anajá, aonde constrói casa e capela, além de equipamentos e engenhos de cana e produção de farinha de mandioca. Sempre empreendedor, o padre Freitas adquire terras da fazenda Botica. Nela edifica a casa grande dos Freitas da fazenda Perypery e capela dedicada à Nossa Senhora do Rosário.

Como ato de reforma agrária, padre Freitas resolve dividir parte de sua fazenda, doando os lotes aos interessados. Cria no local, escola de primeiras letras e curso de latim, e muda a dedicação da capela para a honra de Nossa Senhora dos Remédios. Com o tempo, muitos passaram a se domiciliar no local, formando o núcleo que formaria a aprazível e progressista cidade de Piripiri, no Norte do Estado do Piauí.


Igreja de Nossa Senhora dos Remédios em Piripiri.

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a2/Catedral_de_Piripiri.JPG/1024px-Catedral_de_Piripiri.JPG

Referências:
LUSTOSA, Karithiane Karithiúce Haffizza Mill Medeiros. Domingos de Freitas Silva para além das rupturas e para toda a eternidade: o homem vestido de batina. Acesso: https://revistas.ufpi.br/index.php/contraponto/article/view/4307/0 .
MENEZES, José Rafael. Humanismo Recifense, 1977.
NEVES, Abdias. O Piauí na Confederação do Equador, 1997.
Revista do Instituto do Ceará, 1917. Acesso:
https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1917/1917-DocumentosdaRevolucaode1817.pdf.
SANTANA, Judith. O Padre Freitas de Piripiri, 1984.