Piracuruca foi o centro das operações para Independência

A Proclamação da Independência do Brasil na vila de São João da Parnaíba, 1822. Óleo sobre tela de José Ricardo Brandão de Andrade, patrimônio da Prefeitura de Parnaíba.

“Qualquer pessoa que tenha experiência com o trabalho científico sabe que aqueles que se recusam a ir além dos fatos raramente chegam aos fatos em si.” Thomas Huxley

Ao se aproximar 2022, parte do Brasil se prepara para as celebrações do Bicentenário de sua Independência política. Cidades como São Paulo já elegeram suas comissões para elaboração do calendário cívico das solenidades que inclui a reabertura do Museu do Ipiranga, hoje em processo de restauração. No Congresso, o Senado e Câmara constituíram suas comissões curadoras. A Academia Brasileira de Letras nomeou seu comitê para cuidar da participação da ABL durante os festejos comemorativos do Bicentenário da Independência do Brasil.

No Arquivo Nacional-RJ, a Comissão Luso-Brasileira para Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental (COLUSO) aprovou a formulação de ações e atividades para as comemorações do Bicentenário. Em Pernambuco, as solenidades começaram com as celebrações do Bicentenário da Revolução de 1817, movimento no qual os parnaibanos se envolveram.

No Piauí, além de não ter sido nomeada nenhuma comissão, esse capítulo da nossa história ainda carece de pesquisas científicas, portanto não está na memória dos piauienses. No Monumento da Batalha do Jenipapo em Campo Maior, no Norte do Piauí, placas mal elaboradas informam o que não aconteceu e colocam em xeque todo conjunto da história da Independência do Brasil no Piauí. Qualquer pessoa com o mínimo de informação sabe que lá não é o Berço da Independência, como informa um portal.

A história da construção da nação brasileira é um processo longo, de formação de consciência, que se inicia com Filipe dos Santos em Minas Gerais em 1720, e passa por muitas revoltas contra a Coroa portuguesa como a dos Inconfidentes Mineiros – 1789; a Conjuração Carioca – 1794; a Baiana – 1798; a Revolta dos Suassuna (PE/PB) – 1801; a Revolução Pernambucana de 1817; entre outros fatos relativos.

Mas efetivamente, a Independência foi forjada pelos estudantes brasileiros que estavam na Europa na última década do século XVIII, conhecida como Geração de 1790. Esses estudantes estavam matriculados principalmente nas Universidades de Coimbra- Portugal, e Montpellier – França. Lá estavam: os irmãos José Bonifácio, Antônio Carlos e Martin Francisco de Andrada e Silva, os irmãos Joaquim e Custódio Gonçalves Ledo, Domingos José Martins, Hipólito José da Costa e muitos outros. Dois parnaibanos também figuravam na Europa: Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva e Simplício Dias da Silva. Já no início do século XIX, passa por Coimbra o estudante paraense que veio a ser o juiz da vila de São João da Parnahiba, João Cândido de Deus e Silva. Todos se envolveram de forma direta e formaram uma grande rede em prol de nossa liberdade.

Para barrar a Independência, as Cortes portuguesas substituíram os governadores das províncias por militares que passaram a ser governadores de armas. Para o Rio de Janeiro veio de Portugal o general Jorge Avilez e tropas; para a Bahia, o general Madeira de Melo e um grande contingente de soldados; para Pernambuco dois generais, José Maria de Moura e José Correa de Melo, não sendo permitido pelos pernambucanos o desembarque de soldados.


Dom Pedro (direita), ao lado de José Bonifácio, ordena ao general português Jorge Avilez (esquerda) que retorne a Portugal. Óleo de Oscar Pereira da Silva – Grandes Personagens da Nossa História. V.2, 1972.

Para o Piauí, veio um sargento solitário, João José da Cunha Fidié, com apenas um ajudante de ordens, o que teoricamente facilitaria a adesão da província ao Grito do Ipiranga. Mas não, ao ser proclamada a Independência na Parnaíba, no 19 de outubro de 1822, a capital Oeiras preparou um exército de piauienses para sufocar o movimento separatista.

A vila parnaibana não estava militarmente preparada para enfrentar o exército piauiense de Fidié, além de navio de guerra vindo de São Luís. Isso fez com que os patriotas partissem para o Ceará, na busca estratégica de recursos para as lutas pela Independência no Norte do Brasil, já que o Maranhão e Pará também se manifestavam contra a separação da Metrópole lusa. Estas eram consideradas províncias de Portugal pois não respondiam ao Rio de Janeiro e sim à Lisboa.

No Monumento do Jenipapo, placa informa que, com a aproximação de Fidié, os parnaibanos “os chefes da revolta refugiaram-se em Granja no Ceará”. Quem se refugia se asila e não volta para a luta. Contrariando a informação, a 22 de janeiro de 1823, as primeiras tropas arregimentadas pelos parnaibanos cruzam a Serra da Ibiapaba e entram na então povoação de Piracuruca. Uma coluna de seiscentos cearenses comandadas pelos patriotas da vila de São João da Parnaíba, o alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco e o tenente José Francisco de Miranda Osório. Dois dias depois, no dia 24 de janeiro, Leonardo de Carvalho Castelo Branco leu extenso e vibrante termo de Proclamação, onde pedia ao povo que se unisse e lutasse pela causa do Brasil:

Queridos irmãos que habitais as fecundas margens do caudaloso Parnahyba, por um e outro lado, dignai-vos atender às sinceras vozes de um patrício vosso, que todo, unicamente se dedica ao vosso bem presente e ainda mesmo futuro. Até quando, malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós sois brasileiros, e recusais obedecer ao Sr. D. Pedro, Imperador Constitucional e seu Perpétuo defensor. Não sois europeus e seguis o seu partido com perigo evidente de vossa vida e com perda da honra. Ah! onde estão o brio e o patriotismo brazilienses; onde a honra e o dever? O meu coração se vê dilacerado pelo punhal da mais intensa dor! Irmãos! Irmãos! Quereis ter a douçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora, vos tem tão instante e cordialmente persuadido! Que lástima que afronta, que vergonha! A dor me embarga as vozes do sentimento, apenas respiro. Quereis que a vossa adesão à santa e comum causa seja obras da força? Pois sereis satisfeitos. Ei-la: Ela se apresenta. Um pé de exército de quatro a seis mil homens vai fazer o mesmo em Campo Maior; há mais um corpo de observação para conter o inimigo, a quem inquieta com contínuas correrias pela costa. (ABDIAS NEVES, in: A Guerra de Fidié, 1985, p. 116, grifo nosso).

A partir de então, ficou Piracuruca como ponto de concentração de forças para encurralar Fidié e sua tropa que faziam quartel no litoral piauiense. Enfim Oeiras, até então fiel à Lisboa, adere a Independência, no dia 24 de janeiro de 1823, com auxílio dos parnaibanos do 2º Regimento de Cavalaria, 0 major Bernardo Antônio Saraiva e o capitão Honorato José de Morais Rego. Este regimento, por ter participado do 19 de outubro, foi destacado para Oeiras como medida punitiva. A cavalaria retornou para o Norte do Piauí, enquanto o capitão Honorato José de Morais Rego ficou na capital para compor a primeira junta de governo independente.

Fidié e comandados tentam retornar para capital do Piauí, mas enfrentam os primeiros combates em Piracuruca, em escaramuças como a da Lagoa do Jacaré, no dia 10 de março de 1823. Fidié foi picando a retaguarda de uma tropa de mais de mil homens, a maioria cearenses que defendiam a liberdade do Brasil, até o riacho Jenipapo, quando estes são reforçados com os soldados do capitão cearense Luís Rodrigues Chaves e o 2º Regiment0 de Cavalaria da Parnaíba que estavam estacionados na vila de Campo Maior. “Fidié se ufana de haver feito correr essa força de mil e tantos homens, seguindo-a de perto, picando-lhe a retaguarda por cinquenta e oito léguas, até o campo do Jenipapo”. (ODILON NUNES, in: Pesquisas para História do Piauí, 1974, p. 62).


Sargento mor português João José da Cunha Fidié governador de armas da província do Piauí.

Fidié, na sua peça Varia Fortuna reclamou depois das guerras no Piauí e Maranhão, o quanto foi difícil fazê-las sem meios nem tropas de confiança, com indivíduos do mesmo país, amigos e muitos até parentes dos revoltosos. Lord Cochrane, almirante inglês contratado por Dom Pedro I para defender a Independência do Brasil, em ofício para o imperador, em agosto de 1823, diz ser os piauienses, cearenses e maranhenses, na campanha pela liberdade do Brasil, hordas de índios maltrapilhos e esfomeados. Mas no Piauí, diz-se que vaqueiros e roceiros de Campo Maior fizeram a Batalha do Jenipapo.

Informações que dizem que a Batalha do Jenipapo travada no dia 13 de março de 1823 é a única sangrenta pela Independência (no Brasil mais de sessenta), que Portugal queria ficar com o Norte (não fez nenhum esforço para isso – o olhar foi para a Bahia), que consolidou a unidade nacional (as lutas duraram até a segunda metade de 1823), que existiu tropas portuguesas no Piauí (Portugal mandou apenas um sargento), isso não é História. O Piauí tem páginas importantes nas lutas pela Independência do Brasil, mas precisa desenvolver pesquisas científicas, onde o viés ideológico, o peso político, o senso comum, e o regionalismo não interfiram. Com a celebração do Bicentenário, o momento é por demais oportuno.