Ao visitar o cemitério Campo da Saudade em Piracuruca, na busca por mais informações que possam agregar à minha pesquisa sobre a genealogia da Família Meneses, me chamou a atenção um túmulo afastado, com o crucifixo caído e uma lápide repleta de inscrições. Nele tem os seguintes dizeres:
“Aqui repousa os restos mortais de Fernando Pereira Bacellar, nascido em Valença em 1816 e falecido nesta cidade em 1915.
Exerceu o magistério público e o particular nesta cidade pelo longo período de 70 anos.
A câmara municipal de Piracuruca, considerando os relevantes serviços prestados pelo Professor Bacellar à nossa cidade, mandou erigir-lhe esta campa, como singela homenagem.”
Resolvi então fazer uma breve pesquisa sobre o mestre Fernando Bacellar, descreverei a seguir alguns apontamentos sobre esse notável e quase centenário educador, digno de reverência.
Nascido em Valença-PI em 1816, Fernando Bacellar chegou em Piracuruca em 1845 (1), portanto, com 29 anos. Faleceu em com 99 anos, em 1915. Sobre o seu falecimento, em (2) é dito que:
“A 27 de maio de 1915, faleceu de congestão o Alferes Fernando Pereira Bacelar, com 99 anos, ignora-se filiação, viúvo, natural deste Estado, sepultado no cemitério Campo da Saudade. Vigário Pe. Firmino Sousa” (Arquivo da Igreja N. S. do Carmo).
De acordo com (2), ele foi nomeado em 1844, para ser professor público em Piracuruca:
Em agosto de 1844, foi nomeado professor público para lecionar em Piracuruca o grande e esquecido Fernando Pereira Bacelar, o “Mestre Velho”, que lecionou até 1864 quando se aposentou. Mesmo aposentado, não deixou o magistério, que no seu dizer era um tributo a esta terra que o acolhera tão fraternalmente. Logo a seguir, criou uma escola particular e a ela se dedicou com igual zelo. Fernando Bacelar era católico fervoroso e professor severo. Em sua escola, tornou várias matérias obrigatórias, entre elas o estudo de Moral e Cívica e Religião. Também era adepto do costume nada confortável da palmatória.
De fato, em (3), consta o documento de nomeação de Fernando Bacellar para professor público na então Vila da Piracuruca:
Ainda segundo (2):
O coronel Luiz de Britto Mello contava o motivo pelo qual Fernando Bacelar veio residir aqui. “Passando ele por aqui na ocasião da Balaiada, foi à Igreja de N. Sra. do Carmo e a ela fez um voto. Se voltasse, viria aqui residir e daqui jamais sairia”. Falava também que todos os dias, às 18 horas, ele estava na igreja para rezar o Angelus.
Um dos alunos mais ilustres de Fernando Bacellar, com certeza foi o piracuruquense Anísio de Brito Melo (24/09/1886 – 17/04/1946). Anísio Brito, em seu emblemático livro O Município de Piracuruca – Separata “O Piauhy no Centenário de sua Independência”, dedica muitos parágrafos ao seu velho mestre, começa dizendo: “vulto venerando a quem Piracuruca deve insolvável dívida, qual a de, com verdadeiro devotamento, inimitável zelo e verdadeira vocação profissional, cooperar para que muitas gerações não caíssem em a mais completa ignorância.”
Anísio Brito completa, fazendo uma biografia e dando detalhes da vida de Fernando Bacellar:
“E, tais os serviços prestados pelo egrégio mestre, que me não posso privar de consignar nestas linhas, ao menos ligeira notícia sobre o grande preceptor.
Foi um abnegado, Fernando Bacelar, Filho de Valença, sentiu desde cedo, decidida inclinação para o magistério, pelo que, no torrão natal, muito moço ainda, foi professor público. Circunspecto, servido por sólida aptidão para o exercício de certas funções públicas, o que era raríssimo naqueles tempos, Fernando Bacelar, ainda foi agente do correio, tabelião e juiz de paz, em Valença.
Os impulsos do seu patriotismo arrancaram-no da vila natal em 1839, quando a província se achava convulsionada pela rebelião denominada dos Balaios.
Mosquete às mãos na defesa da ordem pública, Fernando Bacelar, na caserna, acampamento rude, não pôde ocultar aos camaradas os conhecimentos de que era portador, e, logo que assumiu o comando em chefe das forças expedicionárias do Piauí, o Te-coronel José Feliciano de Morais Cid, o nomeou escriturário de seu gabinete em campanha. Era, então, sargento da guarda nacional. Verificou depois, praça e foi promovido sargento quartel-mestre, e, terminada a campanha, foi nomeado amanuense da Secretaria do Governo, em 1844.
Terminada que foi a rebelião, em que serviu, como se disse, no cargo de escriturário do Comando em chefe, acompanhou o Te-Coronel José F. de Morais Cid até a Bahia, regressando ao Piauí com as recomendações desse militar, que conseguira pacificar a província.
Devo assinalar um fato bastante honroso ao distinto soldado: o presidente da província como uma homenagem ao Te-Cel. Cid designou uma guarda de honra para levá-lo até a Bahia, o que, delicadamente, recusou o comandante e manifestou, então, o desejo de ser acompanhado pelo 1º sargento Bacelar.
Pouco tempo demorou no cargo de amanuense da Secretaria de Governo, sendo nomeado professor público da então vila de Piracuruca em agosto de 1844. Quando reformou a instrução o presidente Zacarias de Góes. Assumiu o exercício em 1845.
Além de professor exerceu em Piracuruca os seguintes cargos: secretário da confraria de N.S. do Carmo, escrivão da Coletoria geral e provincial, secretário da Câmara, tabelião público, interino, juiz de paz, contador, curador de órfãos, delegado de polícia, juiz de paz e municipal, vereador da câmara e promotor público.
Possuía excelente caligrafia, era corrente em contabilidade, e, em foco na província o “ensino mútuo” estudara desveladamente os processos de ensino em voga.
O que foi a ação do professor Bacelar, em Piracuruca, atestam-na muitas gerações, que ele, com verdadeiro patriotismo, educou.
Foi jubilado em 1864, depois de longos serviços, à causa pública.
Intuição perfeita do ensino, tinha-a ele, que além de escrever, ler e contar, ensinava ainda rudimentos de aritmética, instrução cívica, e até do desenho cogitava.
Compreendendo a elevada função de mestre, na sociedade, muitas vezes, em benefício do discípulo, futuro cidadão, se arrogava atribuições, que, evidentemente competiriam aos pais, proibindo, o se portarem, fora da escola, sem a necessária compostura. Era o maior vigilante de seus alunos, sem cometer excesso, castigando-os, intransigente, ante a transgressão da linha de conduta que lhes traçava. E, por isso mesmo, muito lhe deve aquele pequeno trecho do estado, como educador que foi, e o Piauí o patriotismo de se haver alistado nas fileiras da legalidade, em defesa da ordem pública.
Jubilado em 1864, repito, passou alguns anos, parece, fora dos labores do professorado.}
A população, porém, é que se não pode resignar com a falta palpitante de um professor à altura do velho serventuário, que tantos anos se consagrara à educação da mocidade.
Não sei se anteriormente a 1894, depois de jubilado se dedicou ao magistério. Desta data a 1910 lecionou, particularmente.
Além dos cargos vários que ocupou, pertenceu, sempre às fileiras do partido conservador, sem se envolver, contudo, em questões partidárias locais, como mostrando com o exemplo à mocidade que o cercava, se colocar em um plano donde aquelas não o arrastariam. E assim manteve sempre a maior autoridade no meio social piracuruquense, alheio em absoluto, àquilo que se não prendesse ao bem coletivo.
Católico convicto, cerca de 20 anos antes de falecer, só deixava a casa para, aos domingos, ir à igreja.”
Fernando Bacellar era casado com Dulurinda da Silva Bacelar (4). Nessa fonte, foram encontrados registros de falecimento de dois filhos de Fernando e Dulurinda, são eles: César Augusto Bacelar, que faleceu em 15/06/1892 com 21 anos de idade e Jovita Pereira Bacelar, que faleceu em 19/10/1937 com 59 anos de idade. Jovita teve uma vida de dor e sofrimento, acabou cometendo suicídio, conforme veremos adiante. Os registros de falecimento dos dois filhos de Fernando Bacellar são vistos abaixo:
Jovita teve um fim trágico, de acordo com (2):
“Jovita passou a sofrer das faculdades mentais. Com o falecimento do pai e do irmão, afastou-se ainda mais do mundo dos vivos. Não saía de casa à luz do dia, nem abria a porta para ninguém.
Em 28 de abril de 1931, Luiz de Britto em resposta a carta de Carlotinha esposa de Anísio Britto, falando sobre Jovita diz o seguinte: “Faleceu o Goulart e a Jovita não abriu mais nunca a porta, recebendo com dificuldade alguma coisa para se alimentar por intermédio do Manoelzinho, sem entrar, e só recebe sendo enviado o que vai, dizendo-se que é um presente do Dr. Thomaz Leão.
Segundo a Sra. Francisquinha Alcobaça, este hábito perdurou até sua morte. Com o passar dos anos e a morte do senhor Manoelzinho, esta responsabilidade passou a ser exercida pelo Sr. Acilino Resende (pai de Nazaré Resende).
No entanto, Jovita tinha uma excentricidade: toda madrugada saía para banhar-se no rio. Certo dia, encontraram-na morta numa das margens. A população estranhou como estava o cadáver e a desarrumação de sua casa. Ela completamente vestida, somente o rosto imerso na água e um lenço circundando-lhe o pescoço. Sua casa, toda revirada, mostrava que possivelmente alguém passara por lá. Muitos acreditaram em crime, outros não, creditando a tragédia à sua doença mental. O fato não foi esclarecido.”
Em tempo: Observa-se nessa citação a discrepância entre os nomes do irmão de Jovita, nos documentos de registro de falecimento supracitado consta o nome César e na citação logo acima ele é chamado de Goulart. É possível também que Goulart, nesse caso, seja um terceiro irmão ou então, apenas um apelido de César.
Fernando Bacellar, batizou a filha Jovita em homenagem a Jovita Alves Feitosa “Jovita Porta-Bandeira” ou “Jovita Voluntária”, considerada heroína da guerra do Paraguai. Sobre isso, em (5) consta que:
“…o professor Bacellar estava em Piracuruca fazendo apologia do patriotismo brasileiro e de tal forma impregnou-se desses propósitos que escolheu o nome de Jovita para batizar uma filha que nasceu naquele tempo…Jovita fora uma jovem nordestina que conseguiu alistar-se numa coluna de voluntários da pátria para ir combater no Paraguai…essa moça ficou conhecidíssima, fazendo-se num ídolo, um símbolo dos sentimentos nacionais, inspirando homenagens e louvações exageradas. O professor Fernando Bacellar, fervoroso patriota fez-se também uma apologista de Jovita “Porta-Bandeira”…batizando o nome de Jovita na própria filha.”
Em 1933 era a administração do Prefeito Lucas Meneses, e conforme (2):
“Nesse mesmo período, o ilustre piracuruquense Anísio de Britto Mello, que era o inspetor de ensino, cargo hoje equivalente a Secretário Estadual de Educação, chamou o então prefeito e autorizou a construção da atual Unidade Escolar Anísio Britto. Ao determinar aquela construção, fez uma simples advertência: “Quero que seja batizado com o nome de Grupo Escolar Fernando Bacelar”. Desejava homenagear o velho mestre-escola, um dos responsáveis por sua formação intelectual (Informação de Waldemar Meneses, sobrinho do prefeito falecido).
O início de sua construção data de 11 de junho de 1933 e começou a funcionar em 1934. Foi esta a primeira escola nesse município construída com essa finalidade específica. Sua primeira diretora foi Dona Cristina de Mello Neves. As professoras que a acompanhavam: Hesíchia de Sousa Britto, Rosila Neves de Mello, Rosina e Benedita (Didita).”
Hoje, Fernando Pereira Bacellar, dá nome a uma praça no centro de Piracuruca. Fica aqui registrado nesse artigo, essa homenagem a esse grande mestre do saber, que dedicou 70 anos de sua vida à educação de várias gerações de piracuruquenses.
Fontes consultadas:
1 – Livro O Município de Piracuruca – Separata “O Piauhy no Centenário de sua Independência” – Anísio Brito.
2 – Livro Remexendo o Baú – Maria do Carmo Fortes de Brito
3 – http://augustobritoomemorialista.blogspot.com/2016/01/memoria-prosaica.html
4 – https://www.familysearch.org/
5 – Apontamentos históricos da Piracuruca – Jureni Machado Bitencourt