Os 250 anos: do Testa Branca para o Porto das Barcas – a transferência da sede da Vila da Parnahiba

Perspectivas da vila de São João da Parnahiba desenhadas em 1809. O largo menor tem ao centro o pelourinho, símbolo do poder da Câmara. Tem como autor, Joze Pedro Cezar de Menezes. Fonte: Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro.

Mal tinha raiado o século XVIII, e chegava ao litoral do Piauí, o capitão português João Gomes do Rego, para fundar a Vila de Nossa Senhora de Monserrathe da Parnahiba. No dia 19 de maio de 1708, deu início à fundação da povoação, que era aspiração do rei de Portugal.

Dom Pedro II, em 1699, deu ordens para o capitão do Ceará, Leonardo de Sá, inspecionar as barras do rio Parnaíba, para a futura instalação da vila que iria franquear o delta parnaibano. Mas foi o rei Dom João V que viu o projeto ser realizado, quando João Gomes, representante do sesmeiro da baiana Casa da Torre, Pedro Barbosa Leal, chegou ao litoral do Piauí, e instalou as primeiras fazendas, sítios, salinas, e oficinas de couro e charque. Em 1711, Leal solicitou à Cúria de São Luís, Maranhão, permissão para a construção da ermida em devoção a Nossa Senhora de Monserrathe. Petição aprovada pelo bispado maranhense, foi então erigido o primeiro templo católico parnaibano.

João Gomes resistiu à fúria dos índios tremembés, que não aceitaram a invasão de suas terras pelos colonos. Em 1712, combateu a Confederação dos Tapuias do Norte, que tinha a liderança do índio guerreiro Mandu Ladino, morto pelo sargento-mor da vila, Manuel Peres Ribeiro.

A vila de Nossa Senhora de Monserrathe da Parnahiba seguiu firme até a chegada do primeiro governador da Capitania de São Joze do Piauhy, João Pereira Caldas, que fez a instalação da Vila de São João da Parnahiba em 1762, obedecendo ordens do Marquês de Pombal e do rei Dom José I. Assim como o nome da Capitania foi uma homenagem ao rei de Portugal, Oeiras uma homenagem a terra do Marquês, Parnaíba fez reverência ao governador.

Por contar apenas com uma ermida, a solenidade de instalação da vila aconteceu no povoado de Piracuruca, sede da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, a vinte léguas do litoral piauiense, que contava com uma majestosa igreja datada de 1743. Por quase 100 anos as terras espirituais da Vila da Parnaíba pertenceram a esta freguesia.

João Pereira Caldas com o seu séquito governamental saiu da capital Oeiras, com grande comitiva que contava com mais de 200 cavalos, se dirigiu para Piracuruca, para a solenidade de instalação de São João da Parnahiba, ato que aconteceu no dia 18 de agosto de 1762, ficando a sede da vila no sítio Porto das Barcas, a poucas léguas do mar, como consta na Ata.

Os moradores da vila recém instalada se comprometeram a construir casas de morada e edifícios no lugar, compromisso que o governador mandou lavrar pelo escrivão, Manuel Francisco Ribeiro, sendo devidamente ratificado por todos signatários. A Vila de São João teve como primeiras autoridades públicas: Diogo Álvares Ferreira – capitão-mor e, juiz ordinário e dos órfãos; Manoel de Souza Guimarães – procurador; João Lopes Castelo Branco – como sargento-mor; e demais vereadores. Depois da solenidade, o governador e sua comitiva seguiram para o Delta do Parnaíba, a tomar as deliberações precisas para o funcionamento do conselho municipal.

Mas com ordens do ouvidor, a sede da vila foi parar no pequeno povoado Testa Branca, uma légua distante do Porto das Barcas que era o local das feitorias de couros e carnes secas, ficando assentado o pelourinho neste último. Os parnaibanos resistiram, e com edital do senado da câmara em 1769 não construíram casas no Testa Branca, o que forçou o governador a recolocar a sede da vila no sítio Porto das Barcas, ato consolidado pelo segundo governador da Capitania do Piauhy, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, no dia 3 de agosto de 1770. São João da Parnaíba respeitou o planejamento iluminista do Marquês de Pombal, as quadras obedeciam ao alinhamento dos largos civil e religioso: no primeiro foi assentado o pelourinho, e no segundo a igreja matriz. Antes, as vilas colôniais cresciam como as aldeias medievais, obedecendo apenas a topografia do lugar.


Imagem da Vila de São João da Parnahiba mostrando os dois largos: o religioso (E) e o civil com
o pelourinho (D).

A vila recebeu importantes instituições para o seu funcionamento, como senado da câmara, juízes, procuradores, organizações militares, companhia de ordenanças, cadeia pública, correio, alfandega, entre outras. Com a determinação do senado da câmara, a vila cobrava impostos no valor de 14$000 réis, dos barcos que atracassem no seu porto. Estes recursos serviam para os serviços de construção da infraestrutura. Desde o seu início, Parnaíba teve como característica a sua autonomia, despertava para a civilização como símbolo marcante de independência.

Em 1808, o governador Carlos Cesar Burlamaqui oficiou ao desembargador, ouvidor geral e corregedor, Henrique José da Silva, para promover a demarcação dos patrimônios das novas vilas criadas. Transportando-se ele à vila litorânea, iniciou os trabalhos no dia 24 de outubro de 1808, ficando a área em duas léguas em quatro, e o senado da câmara passou a expedir as cartas de aforamento em conformidade com os arruamentos preestabelecidos.

O Almanaque da Parnaíba de 1945, página 217 diz: “o magistrado fincou o marco inicial no terreno ao lado esquerdo da Matriz de Nossa Senhora da Graça, onde hoje assenta a Casa Paroquial, e correu as correntes [correte do agrimensor], rumo sudoeste, até o igarapé da Ponte, doze mil metros, onde cravou outro marco. Voltou; do marco da igreja, estendeu, novamente as correntes rumo nordeste, até o rio Portinho, naquela época chamado, também Igaraçu, no ponto em que atualmente é cruzado pela ponte metálica da Central do Piauí. O limite oriental era aquele rio, de sorte que, para fechar o perímetro, as correntes voltaram para o igarapé da Ponte e dali se estenderam, de poente a nascente, até aquele rio, nas proximidades do atual Olho D’água”. O Almanaque dá crédito desses trabalhos a João Cândido de Deus e Silva, mas este juiz só chegou na Vila em 1819, além do que o hoje conhecido Marco Zero, fica num dos canteiros da Praça da Graça, no Centro da Parnaíba.

Neste ano de 2020, a história da Parnaíba registra os 250 anos da transferência da sede da vila do Testa Branca para o sítio Porto das Barcas, local aonde foi assentado o marco zero, para demarcação das terras patrimoniais do município. Também é celebrado neste 2020, os 250 anos da sua Catedral de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, padroeira da Vila de São João e Cidade da Parnaíba.


Ata de instalação da Vila de São João da Parnahiba, em 18 de agosto de 1762.

Transcrição:


Espelho com ementa do manuscrito de Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, segundo governador do Piauhy, onde informa ao rei Dom José I, a organização das vilas criadas na Capitania. Documento do Arquivo Ultramarino, Lisboa – Portugal.