A 2ª Grande Guerra terminou em 2 de setembro de 1945. Completando 80 anos do fim do conflito neste ano de 2025, eu reproduzo aqui, a matéria em homenagem aos piracuruquenses heróis de guerra. Originalmente a matéria foi veiculada na Revista Ateneu 3 /2021.
Durante o ano de 1991, prestei o serviço militar no 25º Batalhão de Caçadores em Teresina-PI, fui combatente de infantaria na 2º Cia de Fuzileiros. Em seguida, fui destacado para o PelCom – Pelotão de Comunicações, eu era Rádio Operador. Cumpri a minha obrigação com muito empenho e respeito por aquele Batalhão, onde deixei e mantenho grandes amigos e boas memórias. Diz-se que a amizade de quartel é algo que se perpetua e comprovo isso quando reencontro os meus ex-companheiros de caserna.
Nessa época, o serviço militar exigia muito dos recrutas, a começar pela rigorosa seleção. Participei de cerca de 10 acampamentos de treinamento militar, dois deles eu destaco: o de sobrevivência na selva e um exclusivo para os comunicantes, que ocorreu na Serra de Maranguape – Ceará, onde houveram simulações reais de combate envolvendo os outros Batalhões que compõem a 10ª Região Militar (Piauí, Ceará e Maranhão).
Passados 30 anos, e relembrando alguns dos muitos episódios que marcaram aquele inesquecível 1991, com certeza, os momentos mais emocionantes e marcantes eram as formaturas que tinham a presença dos ex- combatentes que participaram da FEB – Força Expedicionária Brasileira, os pracinhas, nossos heróis da 2ª Grande Guerra que combateram na Itália. Vez em quando, ainda soa na mente o refrão da Canção do Expedicionário: “Nossa vitória final, Que é a mira do meu fuzil, A ração do meu bornal, A água do meu cantil, As asas do meu ideal, A glória do meu Brasil”.


O dia da Tomada de Monte Castelo, 21 de fevereiro e o dia 8 de maio, dia da Vitória, eram algumas destas datas especiais.
Neste artigo, discorrerei algumas linhas sobre quatro representantes piracuruquenses que vivenciaram direta ou indiretamente esse conflito da 2ª Grande Guerra, infelizmente todos já faleceram. Três deles embarcaram para o combate na Europa: Francisco de Sousa Primo (Chico Miguel ou Chico Manga Rosa), José Ribamar Cerqueira (Riba) e Quirino Gomes da Silva. O outro, Francisco das Chagas Meneses (Fransquin), por pouco não teve o mesmo destino.
A participação brasileira no conflito:
Antes de iniciar, vejamos um breve resumo sobre o conflito e sobre o contingente brasileiro que participou do combate. Segundo (1), a guerra se estendeu de 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia por forças nazistas e terminou em agosto de 1945, após dois bombardeios atômicos americanos contra cidades japonesas (Hiroshima e Nagasaki). Iniciou-se como um conflito tipicamente europeu e terminou ganhando proporções mundiais, alcançando em pouco tempo a África, Ásia e por fim as Américas.
Para aqueles que pensavam ser mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil ir à guerra, não tardou para que os brasileiros entrassem em ação:
A participação brasileira na guerra contou com pleno apoio da população a partir do momento em que a agressão do Eixo contra a frota mercante nacional atingiu seu ápice em meados de agosto de 1942, vitimando mais de 500 brasileiros, mortos em decorrência do torpedeamento de seis navios que serviam à navegação de cabotagem…
Desde o dia 2 de julho de 1944, quando o primeiro escalão da FEB seguiu em direção à Itália, os expedicionários brasileiros combateram durante 7 meses e 19 dias na Itália, tendo iniciado sua campanha em 16 de setembro, quando um batalhão do 6º Regimento de infantaria iniciou sua marcha na frente do rio Serchio, em uma ação que resultou na conquista de Camaiore…
A FEB lutou em duas frentes, a primeira, no rio Serchio no outono de 1944, e a segunda e mais difícil a do rio Reno ao norte de Pistoia. Neste teatro de operações, partindo do Quartel General de Porreta-Terme, a FEB conquistou Monte Castelo (21 de fevereiro) e Montese (14 de abril)…
A campanha brasileira na Itália concluiu-se em 2 de maio de 1945, quando foi declarado o cessar fogo no front italiano. De um total de 25.445 soldados enviados ao front, o Brasil contabilizou 443 baixas e cerca de 3.000 feridos (2).
Mobilização no Piauí para a guerra:
Com o estado de beligerância, a mobilização para a guerra se deu em todo o território nacional e no Estado do Piauí, isso aconteceu em várias frentes. Quanto a isso, em (3) é dito que essas mobilizações envolveram: o amparo às famílias dos soldados selecionados para a FEB, o encaminhamento dos soldados da borracha para a Amazônia, criação de aeroclubes e até treinamentos da população para possíveis ataques aéreos. Isto era feito através de instituições como: a LBA – Legião Brasileira de Assistência, a SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia e a Diretoria Regional de Defesa Passiva Antiaérea.
Uma outra mobilização tinha a incumbência de arregimentar o maior número de homens capazes, física e psicologicamente, de defender o território nacional e lutar junto aos aliados na Itália, esses chamamentos eram feitos com um forte teor patriótico. Assim, a 26ª CR e o 25º BC iniciaram um processo de chamadas de grande número de sorteados e reservistas, como também a solicitação de apresentação de voluntários. Inicialmente foram poucas remessas de soldados do 25º BC para o Depósito de Pessoal da FEB, no Rio de Janeiro; e, posteriormente, com a formação e remessa de contingente regular, com uma quantidade maior de soldados que seriam encaminhados à Itália (3).
Quanto ao contingente piauiense, na Praça Marechal Floriano Peixoto, em frente ao quartel do 25º BC em Teresina-PI, consta uma placa com os nomes de 75 combatentes do Piauí que participaram do teatro de operações da Itália, na 2ª Grande Guerra Mundial.
Entre os piauienses que viajaram para o combate na Europa, três piracuruquenses foram e trouxeram vivências que marcaram a sua existência, e passaram a ser vistos com muita admiração pelos seus conterrâneos. A exposição das memórias de guerra não é algo fácil, envolve situações desagradáveis, traumas e todo o arcabouço de marcas que uma guerra deixa no corpo e na alma de um ex-combatente.

Após o treinamento no 25º BC em Teresina, eles e outros piauienses foram de caminhão até o quartel-general em Fortaleza, onde se juntaram ao contingente de piauienses, cearenses e maranhenses que já tinham ido dias antes, de lá foram em um navio para o Rio de Janeiro, então Capital Federal, já preparados para o embarque para a Itália.
Os pracinhas piauienses chegaram ao teatro de guerra no momento mais duro da Campanha. Mas nem todos chegaram a combater no front italiano (3). No entanto, os três piracuruquenses: Francisco de Sousa Primo “Sousa”, José Ribamar Cerqueira “Ribamar” e Quirino Gomes da Silva “Quirino”, participaram diretamente do combate. Isto se confirma, a partir dos depoimentos dos familiares.

Os heróis piracuruquenses:
Francisco de Sousa Primo (N: 04/01/1921 – F: 03/05/2009), conhecido como Chico Miguel ou ainda Chico Manga Rosa, foi sorteado para prestar o serviço militar no 25º Batalhão de Caçadores, onde incorporou em setembro de 1943, passando a ser chamado pelo nome de guerra: “Sousa”. O Soldado Sousa morava no interior de São José do Divino, na época município de Piracuruca. Ele trabalhava em roça e estava apenas com 40 dias de casado quando foi convocado para o serviço militar. Em outubro de 1994, teve baixa do exército, voltou para casa, mas poucos dias depois foi convocado para integrar a FEB (3).

A seguir, alguns relatos do Soldado Sousa, a partir de (3):
Estadia no Rio de Janeiro e a preparação para o embarque rumo à Itália:
…Mas só visto a pobreza da capital, do País de modo geral, no Rio de Janeiro que era a capital federal…a comida para a gente comer lá no Quartel era feijão preto com água e sal e uma farinha velha…. Eu, Quirino, Paulo Brandão o Pedro Santana, a gente passava o dia na instrução, aquela comida era só pra judiar, mas eu comia porque eu queria voltar, se eu não me alimentasse morria. Quando era de tardezinha, fora de forma, a gente ia bater no Engenho de Dentro, já conhecia tudo lá, e comia do bom e do melhor, tomava refrigerante e voltava. …Muito treinamento; primeiro fizemos os exames de saúde, tudo com médico americano e depois disso era a instrução, aqueles açudes velhos de lá, aquele ônibus velhos, aquelas coisas, a gente friviava tudo, aqueles açudes velhos nós conhecemos acampamos, fazendo instrução. Até quando chegou o dia de ir pra guerra…. Eu recebi um telegrama que o meu sogro mandou dizendo que minha mulher estava passando muito mal… Quem me entregou foi o sargento Mota. Meu nome de guerra era Sousa. Ele disse: Sousa, e agora? E eu disse: E agora Sargento? Ele respondeu: É só você pensar no que vai acontecer, daqui a pouquinho nós vamos embarcar pra guerra. E acabou-se a conversa…. De modo que chegou aquele telegrama e acabou-se a conversa. Quando teve quatro bandas de música, uma ali, outra ali, e nós aqui no meio, o contingente feito, aquela filona, hora daquela despedida; aquela banda de música, os corneteiros tocando aquele negócio, só Deus sabe como é que ficava o coração da gente….
A viajem de navio, partindo do Rio de Janeiro no dia 8 de fevereiro de 1945:
…Aqueles dezoito dias que viajamos do Rio de Janeiro para a Itália, o alto-falante todo dia, quando era uma hora da tarde o alto-falante pegando as notícias todas e contando como é que estava a situação lá na guerra. Mas o pior de tudo isso era uma instrução de abandonar o navio, caso ele fosse torpedeado, o navio que a gente ia eram 5 mil soldados e a tripulação do navio era quase uma cidade, e aí com os 10 dias de viagem não posso garantir…. Apareceu um submarino querendo torpedear o navio. O navio vai acompanhado do zepelin redondo …, das barquinhas, de salva-vidas, aquelas coisas. …Todo dia naquela hora saía o aviso de como era a maneira de abandonar o navio se fosse torpedeado…. Quando apareceu esse negócio, … o submarino estava parado no meio da água até quando eles combateram o submarino, assediaram ele para a gente poder viajar para a frente …. Na viajem alguns era só lamentando, mas tinha uma vitrola boa, tinham uns discos bons, mas pode crer…, quando dava, a gente jogava baralho, para entreter.
Ressalte-se que, por precaução, os expedicionários brasileiros que se encaminharam para o teatro de guerra no 1º escalão, não souberam, em um primeiro momento, para onde estavam se encaminhando, se para Europa ou África. Essa notícia só foi divulgada quando o comboio que levava os soldados se encontrava no Mediterrâneo.
A chegada ao ambiente de Guerra em 22 de fevereiro de 1945:
…Quando eu cheguei na cidade de Montese, onde fui incorporar na nona companhia,… eu vi os estardalhaços na cidade, nas pontes, nas igrejas, nas ruas; teve um bombardeamento que acabou com tudo, e de que natureza os alemães se comportaram com as famílias, a coisa mais triste do mundo. Eu disse pra um colega: rapaz, vou te dizer uma coisa: eu fui servir o Exército porque fui sorteado como também você talvez tenha sido. Ele disse: fui; eu não vim pra guerra de boa vontade, eu vim porque tinha que vir, a sorte foi essa, eu vim, mas hoje eu te digo que eu tô me sentindo orgulhoso de tá aqui em combate no meio do terror desse jeito, e sabe por quê? Porque tô trabalhando em prol da minha bandeira e em prol do meu país e em prol da minha família, de toda a população brasileira ….
Na sua atuação na guerra, Sousa foi ‘primeiro esclarecedor’ de seu pelotão, segundo ele: “porque estava forte, porque eu me alimentava bem e também sempre procurei me conformar com o que não é bom”. Um dos pontos marcantes do depoimento do ex-combatente, foi a trágica morte do amigo Fabrício, ‘segundo esclarecedor’ de seu pelotão, que morreu ao seu lado.

José Ribamar Cerqueira (N. 08/09/1921 – F. falecido), o Soldado “Ribamar” nasceu na localidade Sucurujú, interior de Piracuruca, era conhecido como Riba e suas memórias são muito resumidas. Este não constituiu família, por esse motivo, as poucas informações que consegui foi através do seu irmão Manoel, um típico comerciante piracuruquense que mantém, com um certo orgulho na parede de seu comércio no centro de Piracuruca, um retrato com uma infografia da Batalha de Monte Castelo, uma lembrança do irmão, que segundo ele: “depois que a cobra fumou, ele foi para a guerra e passou 30 dias trocando bala na Itália até que a guerra terminou e ele voltou pra casa”.

Quirino Gomes da Silva (N. 04/06/1919 – N. falecido), nasceu na localidade Paraíso, interior de Piracuruca. As memórias do Soldado Quirino estão hoje sobre a guarda de sua filha Lúcia, que mora em Teresina. Ela me passou alguns retratos, uma memória fotográfica bem guardada com destaque para a qualidade das fotos, um Manual de Orações do Soldado Brasileiro, Carteiras da Associação de Ex-combatentes e um Certificado de participação no Teatro de Operações da Itália, objetos que fazem parte do seu acervo.

A experiência que teve o piracuruquense Sousa pode ser estendida aos demais jovens que foram para a guerra, principalmente, os piauienses com histórias de vida parecidas: homens de hábitos rurais, em sua maioria, que foram convocados quando os quartéis necessitavam de homens aptos, física e psicologicamente, para a defesa do território nacional e para a formação de um corpo expedicionário. Chegando à Itália encontraram um ambiente totalmente hostil e, além de tudo, um clima com temperaturas muito baixas (3).

A Batalha de Montese e o fim do conflito:
Os combatentes piauienses não participaram da histórica batalha de Monte Castelo, da qual o exército brasileiro saiu vencedor, pois já chegaram ao teatro de guerra após esse evento. No entanto, os nossos pracinhas, estiveram presentes na também histórica Batalha que resultou na tomada de Montese em 14 de abril de 1945. De acordo com (1,2), foi uma missão incumbida à FEB para eliminar o remanescente de forças nazistas na Itália. Nessa batalha, que se caracterizou como uma guerra urbana, houve 430 baixas entre os brasileiros e culminou com a rendição alemã ao exército brasileiro. Montese se revelou a mais sangrenta batalha em que o Brasil tomou parte desde a Guerra do Paraguai.
No dia 02 de maio de 1945, aconteceu a rendição das forças alemãs que ocupavam a Itália, a partir daí houve o retorno dos combatentes da FEB ao Brasil . O primeiro grupamento saiu de Nápoles no dia 06 de julho de 1945 e o último chegou no ao Rio de Janeiro em 03 de outubro de 1945, sendo recebidos com festa na Capital Federal. No Piauí, a notícia do fim da guerra foi destaque de primeira página no Diário Oficial do dia 08 de maio de 1945, o alívio do fim da guerra foi marcado por desfiles, comemorações do povo e eventos religiosos. Já os pracinhas piauienses, chegaram meses depois das comemorações, uma chegada discreta, mas com alegria por parte dos familiares (3). Os piracuruquenses: Sousa, Ribamar e Quirino, passaram a participar de eventos cívicos na cidade de Piracuruca, como o desfile de 7 de setembro, por exemplo.

As memórias de guerra, experienciadas pelos nossos pracinhas precisam permanecer vivas, precisamos nos utilizar de todos os instrumentos possíveis para tentar juntar esses fragmentos de história e eternizá-los, para que as futuras gerações saibam da existência desses heróis.
Por fim, o Soldado Francisco de Morais Meneses (N. 09/09/1919 – F. 27/03/1959). De acordo com o depoimento de sua irmã Cleonice de Morais Meneses, ele serviu por 6 anos no 25º BC e durante a arregimentação dos combatentes para a FEB ele estava em pleno serviço militar, tendo sido também convocado. Segundo ela:
“Nossa mãe Nenzinha foi para Teresina para ver a partida de Fransquin para a guerra, ainda faltavam duas inspeções, o Prefeito Antonio de Sousa ia no trem com ela, mamãe foi chorar na Igreja de Nossa Senhora das Dores e foi atendida, Fransquin não foi devido a um problema em um dente, mas ele já estava preparado e consciente de que iria. Mamãe fez uma promessa para os 4 irem ao Canindé depois da guerra, o que de fato aconteceu, depois que chegaram em Piracuruca, todos se reuniram e foram pagar a promessa.”


Referências bibliográficas:
1 – SALAFIA, Anderson. FEB – Do Início ao Fim – Uma história esquecida sobre brasileiros que lutaram na Itália. PORTAL FEB, 2021. Disponível em: http://www.portalfeb.com.br/armamento/feb-do-inicio-ao-fim/. Acesso em: maio/2021.
2 – FOGUEL, Israel. II Guerra Muncial – A Cobra fumou. São Paulo: Clube de Autores, 2018.
3 – LIRA, Clarice, H, S. O Piauí em tempos de segunda guerra: Mobilização local e as experiências do contingente piauiense na FEB. São Paulo: Paco Editorial, 2017.