Eleição de 1982 em Piracuruca: Gatos contra Ratos, entre trombetas, aviões, balão e um Cara de Tatu

No quase longínquo ano de 1982, bem perto do fim do regime militar no Brasil que encerrou-se três anos depois, Piracuruca passou por uma eleição emblemática, pelo menos para alguém que na época era um garoto de 10 anos e que adorava a política, tal como um jogo de bola no campo do Anísio Brito, acompanhado dos amigos: Zequinha, Zé Branquel, Mílton, Joaquim, Nego Chico e outros culumins da época.

Foi uma eleição disputada, mais do que muitas outras, esse garoto sempre inquieto, queria acompanhar todos os pormenores daquele pleito, ainda mais porque o seu pai Antônio Meneses, conhecido como Antônio Terto ou ainda carinhosamente apelidado de Cara de Tatu, disputava a sua primeira eleição para vereador pela oposição, era do PMDB com o número 5610. Em 1982, Antônio era bem jovem, tinha apenas 38 anos.

Cartaz de Antônio Terto na eleição de 1982

 
Antonio Terto recebendo o diploma de vereador das mãos de Dr. Luis, em seu primeiro mandato


Vereadores Antônio Terto e Anne Mary Cerqueira

Antônio, originalmente era comerciante no mercado público da cidade, mas era polivalente, também atuava como ruralista; contador prático; servidor temporário do IBGE, foi responsável pelo censo demográfico de Piracuruca por longos anos; desportista, árbitro de futebol, dirigente da seleção de Piracuruca nos intermunicipais no final da década de 1970 e início de 1980 e membro da diretoria nos melhores anos do Grêmio Recreativo Piracuruquense, além de outras atividades. Muito perspicaz na área fiscal e contábil, prestou serviços para muitas empresas na cidade. Uma série de atividades que lhe dava prazer, gostava do que fazia, tanto que dispensou empregos na Polícia Rodoviária Federal e no Banco do Brasil. Resolveu entrar na política e se destacou, com uma série de serviços prestados ao município e com uma oratória que se sobressaia perante os demais, seguiu uma vitoriosa carreira política, tendo sido por algumas vezes presidente da Câmara Municipal de Piracuruca.

Atuação como Presidente da Câmara Municipal de Piracuruca

A Piracuruca na época tinha um imenso território, compreendia também as áreas de São José do Divino, São João da Fronteira, parte de Brasileira e alguns outros municípios que só se emanciparam cerca de 10 anos depois. Antônio Terto rasgava todo esse território no seu ainda hoje persistente e cortejado Jeep Willys 1969 Verde, e sempre acompanhado dele estava o garoto que não perdia uma viajem, chorava e esperneava quando seu pai candidato não o levava.


O velho Jeep, companheiro nas andanças pelo interior da Piracuruca

Nessas viagens para os comícios no interior, o garoto andou de uma extrema à outra da Piracuruca, sempre procurava um cantinho no velho Jeep, era o primeiro que entrava e também o primeiro que desembarcava quando chegava em alguma localidade. Sempre com o bolso cheio de chapas e uma caneta, imediatamente formava um comitê com outros culumins e começava a preencher as chapas com os números: 5, 50, 55, 501, 5141, 5610. A política era feita no corpo a corpo, o convencimento era: “ei menino, pede pro teu pai votar no meu”.

Essa sequência de números era dos candidatos, votados e apoiados por Antônio Terto, na ordem:
5 – Governador: Alberto Silva
50 – Senador: Chagas Rodrigues
55 – Prefeito: Gonçalim
501 – Deputado Federal: Ciro Nogueira (pai do atual Senador)
5141 – Deputado Estadual: Themístocles Sampaio (pai do atual presidente da Assembleia)
5610 – Vereador: Antônio Terto


Cartaz político de 1982, Antônio Terto e o candidato a deputado estadual Themistocles Sampaio

De tanto se envolver nessa campanha e estar pelo meio dos movimentos, o garoto adquiriu a simpatia de todos, alguns episódios marcantes foram: o dia em que tentou tocar saxofone junto com o Adelino (já falecido, pai do Linin) no Jacaraí, também quando viajou ao Saco do Polidoros no colo de Dona Rita, esposa do candidato a prefeito Sr. Gonçalim (ambos falecidos), não tinha mais vaga no Jeep e Gonçalim disse: “ele vai, dá pra ele ir no colo da Rita”…e fui. Além disso teve o dia em que o Jeep ficou preso na Polícia Rodoviária quando ia a um comício na Data Batalha, hoje município de São João da Fronteira, eram alguns muitos problemas elétricos, os faróis do velho “verde oliva” não acendiam, mesmo assim foi liberado depois do garoto chorar muito, até o guarda gostou dele.

Quanto às idas ao Saco dos Polidoros, ali sim, era o lugar preferido, sempre muito bem acolhido pela tia Maria da Paz, Tio Zeca e as primas Conceição de Maria, Margarete, Marise e Denise, além de Totó, Edson e tantos outros amigos. Para o Saco dos Polidoros, o garoto também levava mais duas companhias, além das chapas, tinha uma bola dente de leite e uma baladeira. De tarde, antes dos comícios, reunia a molecada que ia chegando das localidades vizinhas e fazia um animado jogo de futebol, era bom além da conta.

Um dia marcante nesse pleito, aconteceu logo de manhã, um estranho objeto no céu da Piracuruca chamava a atenção de todos, era um balão, tripulado e com um imenso nome escrito: Hugo Napoleão, logo abaixo do nome tinha o número “1”. Era a propaganda política chic da época, o garoto achou aquilo o máximo, nunca tinha visto um balão, só não foi melhor porque o balão não era do Alberto Silva.

Na continuidade daquele dia, o garoto foi para o comitê, era o lugar preferido, colecionava retratos dos candidatos, difícil era o local da sua casa ou do velho Jeep que não tinha um retrato pregado. Lá no comitê percebeu que um carro de propaganda ia saindo para anunciar os candidatos pela cidade, pediu ao motorista Melo e ao locutor Chicão para ir também, saíram então os três, numa Belina 1 azul com dois megafones no teto. Entre uma locução e outra, a música que tocava era: “da manga rosa quero o gosto e o sumo, melão maduro, saputi, juá….” Era Alceu Valença, estremecendo a tarde da Piracuruca, naqueles potentes megafones.

Ao emparelhar com a Forquilha, na saída sul da cidade, um barulho ensurdecedor vindo do céu, superou em muito a “Manga Rosa do Alceu Valença”, era na verdade, voos rasantes de aviões supersônicos, provavelmente em algum exercício militar. O garoto ficou maravilhado com aquilo, em um dia que tinha começado com um balão e naquele momento ele via aqueles fantásticos aviões. Para encerrar com chave de outro esse dia inesquecível, só mesmo uma pausa já quase à noite para bater bola na Praça de Santo Antônio, antes de se lembrar que tinha casa e precisava voltar e ouvir umas broncas de sua mãe.

Nessa eleição, para prefeito era PMDB do candidato Gonçalin, contra o PDS do candidato Zé Brito, era Gato contra Rato. Gonçalim saiu vitorioso, já para o governo do estado, Alberto Silva do PMDB perdeu para Hugo Napoleão do PDS, os demais candidatos da chapa apoiada por Antônio Terto, todos foram eleitos, inclusive ele.


A “Trombeta” era um mini jornal político, surgido após a eleição de 1982, com críticas políticas ao prefeito eleito Gonçalim

Antônio Terto foi eleito para o primeiro dos três mandatos que disputou e ganhou, além desse de 1982, teve também o de 1988 e o de 1992. Estendeu a sua carreira como vereador até 1992, quando no ano seguinte, o seu reduto eleitoral se emancipou de Piracuruca: o Saco dos Polidoros passou para Brasileira e a Data Batalha passou para São João da Fronteira. Tinha a opção de se candidatar até mesmo a prefeito dessas duas cidades, mas, mesmo assim, ele resolveu não se candidatar mais nas eleições seguintes.


Cartaz político da eleição de 1988

Tomando posse como vereador, ao lado a filha Lilian

Vereadores Clidenor (falecido), Ormeu e Antônio Terto

Vereadores Dainha, Antonio Terto e Valder

Confraternização dos vereadores

Discurso do vereador Antônio Terto

Em Brasília no ano de 1985

Mesmo sem exercer diretamente cargo político, Antônio Terto continuou como servidor do município, atuando como Secretário de Administração e finalmente Secretário de Obras por longos anos, até 2016, sua primeira obra de destaque foi o Complexo Turístico Prainha em 1996. Hoje, não ocupa mais cargo público, mas na veia ainda corre o sangue da política, mais viva do que nunca, e se lhe falta o vigor para encarar uma árdua campanha, lhe sobra experiência e com certeza, felizes estão os que tem consciência disso e estão dialogando politicamente com ele.