A expedição “Caminhos da Ibiapaba – na Rota dos Comboieiros” ocorreu em fevereiro de 2024, foi um retorno às origens das antigas rotas comerciais que saiam em comboio a partir da Serra da Ibiapaba. A rota escolhida para esta empreitada de três dias, foi a antiga trilha que liga os Parques Nacionais de Sete Cidades no Piauí e Ubajara no Ceará, passando por várias localidades rurais nos municípios piauienses de Piracuruca, Brasileira e São João da Fronteira e os municípios cearenses de Ibiapina e Ubajara.
OS COMBOIEIROS
Os comboios a partir da Serra da Ibiapaba, movimentaram o comércio entre Ceará e Piauí, indo até o Maranhão. Não se tem uma data da época em que começou esse movimento, no entanto, presume-se que ele ocorra desde o início de ocupação das terras da região da Serra da Ibiapaba, quando os criadores cearenses vinham para o Piauí com o seu rebanho em busca de água. O movimento foi arrefecendo a partir de meados dos anos de 1970, com a intensificação do transporte motorizado, mesmo assim, ainda hoje existem comboios em situações pontuais na região da serra.
Eram vários produtos comercializados, destaque para: café de caroço, fumo de corda, rapadura, cachaça e tecido. Esses produtos, os comboieiros traziam da Serra da Ibiapaba para vender no Piauí e no Maranhão. Ao voltar, levavam para a Serra da Ibiapaba: cera de abelha, cera de carnaúba, carne seca e couro de animal. Na época, a pele mais valiosa era a de gato maracajá. As viagens, as vezes demoravam um mês, entre a ida e a vinda.
Basicamente um comboio era composto por um chefe, que vinha na frente montado em um jumento. Em seguida vinham os jumentos carregados de mercadorias e eram tocados por homens que vinham a pé, eram os chamados arrieiros. Eram os arrieiros os responsáveis pelo manuseio (arreio) das mercadorias e preparação dos alimentos nos pontos de parada. Cabia também ao arrieiro, o controle do comboio, para evitar que os animais se desgarrassem no mato, para isso, eles usavam um chicote, denominado de macaca.
Os pontos de parada e comercialização das mercadorias, eram as casas de fazenda, essas fazendas normalmente acompanhavam a margem do Rio Arabê (Rio Piracuruca) e tinham locais próprios para o acolhimento do comboio, lugar para as membros do comboio e animais se alimentarem e para o pernoite.
Os comboieiros deixaram um importante legado em toda à nossa região, influenciando nos contextos sociais, econômicos e culturais. A seguir, alguns testemunhos:
Para o servidor público Apolinário Feitoza, residente em Teresina – Piauí. Disse ele:
“…São João da Fronteira serviu como ponto de apoio aos comboieiros que transitavam vindo e indo para a Serra da Ibiapaba…inclusive o meu avô materno Chico Lourenço, que era comboieiro natural de Ibiapina, ele fazia a rota até Batalha – Piauí…em uma dessas viagens ele conheceu minha avó Maria Amélia de Melo, da família dos Melo de Batalha, casaram e constituíram família”.
Para o músico, pesquisador e professor do IFPI, Vagner Ribeiro. Disse ele:
“…meu bisavô Joaquim Avelino Ibiapina era comboieiro, chegou a ter a proeza de fazer comboios de seis meses, ele ia da Serra da Ibiapaba até Castanhal no Pará”.
Para George Coelho, neto de Raimundo Inácio de Aguiar, morador de Fortaleza – Ceará. Disse ele:
“…meu avô Raimundo Inácio de Aguiar, comboiava cargas no lombo de jumentos nas vizinhanças entre Ceará e Piauí. Vindo do lado da Serra da Ibiapaba, tinha uma Fazenda denominada Pedra Branca, onde plantava arroz que trazia subindo a serra, ora deixando parte em Ibiapina, ora levando para sua Fazenda Belmonte, no Piauí. Dizem que chegava a subir a serra numa escada íngreme de madeira com uma saca de arroz nas costas…Em Ibiapina, ainda no Ceará, fazia rapaduras em engenhos com engrenagens movidas a boi; rapaduras que levava na viagem pro Belmonte. Ainda pro Belmonte, vinha o cal utilizado na construção das casas e currais, trazido de Frecheirinha, no Ceará. Do Belmonte, vinha pro Ceará o gado a ser abatido e, em épocas de seca, os rebanhos eram levados para escapar na Fazenda Bom Gosto, vizinha ao hoje Parque das Sete Cidades. A sede desta Fazenda era a conhecida “Casa dos Escravos”. O capitão Raimundo Inácio de Aguiar, título dado a ele gratuitamente pelo povaréu do lugar, era uma espécie de empreendedor/comerciante daqueles tempos primitivos da civilização do couro”.
Em tempo: as fazendas Bom Gosto e Belmonte, supracitadas por George Coelho, estão na rota que passamos e serão citadas novamente abaixo.
IDENTIFICAÇÃO DA TRILHA
Em tempo: O objetivo principal da expedição foi a coleta de informações para a elaboração de um documentário em vídeo sobre os Comboieiros da Ibiapaba, o mesmo está disponível em três episódios no canal CheckinAventura e os links estão logo no final desta matéria.
A expedição foi dividida em três partes (três dias): • 1ª parte: saindo do Parna Sete Cidade até o povoado Saco dos Polidoros, no município de Brasileira – Piauí, aproximadamente 44 km; • 2ª parte: saindo de Saco dos Polidoros até a localidade Pavuna, no município de São João da Fronteira – Piauí, aproximadamente 42 km; • 3ª parte: finalmente, a partir da localidade Pavuna, entramos em área de litígio entre Piauí e Ceará até chegarmos no Parna de Ubajara, aproximadamente 60 km.
Ao longo do percurso, foram se acumulando histórias, conhecimentos e saberes, a partir da interação com diversos personagens entrevistados que vivenciaram a época do comboio. A seguir, um pouco do material produzido e apresentado no documentário, as fotos são de F Gerson Meneses e Osiel Monteiro (Curiólogo):
Valeu a pena: foram muitos dias de preparo, planejamento e também muitas despesas para a realização desta viagem. Muitos quilômetros percorridos, muitas pessoas entrevistadas, muitos depoimentos, muitos perrengues também…no geral, muito esforço. Mas, o que tive de retorno em aprendizado, superou todas as minhas expectativas, encontrei pessoas valorosas pelo caminho e trouxe na bagagem um pouquinho do saber de cada uma. Até a próxima…
F Gerson Meneses é natural de Piracuruca – PI, professor de informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFPI / Campus Parnaíba – Piauí; Pós-Doutorando em Arqueologia; Doutor em Biotecnologia; Mestre em Ciência da Computação; Especialista em Banco de Dados e em Análise de Sistemas; Bacharel em Ciência da Computação; Pesquisador em Computação Aplicada, destaque para pesquisas na área de Computação Visual com temas voltados para a Neurociência Computacional, onde estuda padrões em imagens do cérebro e Arqueologia Computacional, com estudos destinados ao realce, segmentação e vetorização de imagens de arte rupestre.
Escritor e poeta, colaborador do impresso "O Piagui" e de várias coletâneas, entre elas o "Almanaque da Parnaíba" e a série "Piauí em Letras".
Autor de várias obras, destaque para o livro "Ensaio histórico e genealógico dos Meneses da Piracuruca" (2022).
É idealizador e mantenedor do Portal Piracuruca (www.portalpiracuruca.com) e do periódico impresso Revista Ateneu (ISSN 2764-0701). Ambos os projetos existentes desde 1999 com a mesma finalidade, que é divulgar a exuberância de cenários, a cultura, a história, os mistérios, a pré-história, as lendas e as curiosidades do Piauí.
Desenvolve desde 2018 o Projeto Artes do Bitorocaia (www.portalpiracuruca.com/artes-do-bitorocaia/) que tem por objetivo o mapeamento e catalogação dos sítios arqueológicos com registros rupestres existentes na área da bacia do Rio Piracuruca.