A Fazenda Belmonte resiste ao tempo e ainda esbanja a sua imponência entre os municípios de Brasileira e São João da Fronteira no Piauí

Seguindo cerca de 7 km em estrada de piçarra, a partir da BR 222, no povoado Alto Alegre, bem próxima à linha divisória que separa os municípios de São João da Fronteira e Brasileira, surge em meio à caatinga piauiense, o pujante e antigo casarão de três pisos da Fazenda Belmonte.

A sede da Fazenda Belmonte se localiza dentro da área do Município de Brasileira.

Ao aproximarmos, ainda observamos um outro casarão em frente que aparenta ser ainda mais antigo, também um cemitério, um açude e rústicos currais. Apesar de bastante castigado pelo tempo e falta de manutenção, todo esse cenário mantêm a sua imponência, vestígios vivos que lembram um tempo de fartura, cujo ápice ocorreu por volta de meados do século passado.

Elementos que compõem o cenário da Fazenda Belmonte.


Antigo retrato dos tempos áureos de Belmonte.


Outro registro histórico mostra o palacete em três pisos, sede da Fazenda Belmonte.

O ano de 1948 ainda está cravado no frontispício do palacete principal da Fazenda, além disso, mais à cima na mesma edificação, saltam aos olhos as iniciais R.I.A, que eterniza o seu proprietário Raimundo Inácio de Aguiar. A inspiração do Capitão Raimundo Inácio do Belmonte (como era conhecido na região) para essa singular arquitetura, veio da observação de um prédio existente à margem esquerda da BR 222, no trecho entre Sobral e Forquilha no Ceará, que era de propriedade de um amigo.


Raimundo Inácio de Aguiar

Parte frontal do palacete, destaque para as inscrições em alto-relevo. Na época da construção, 1948, a  área da Fazenda Belmonte estava dentro dos limites da cidade de Piracuruca-PI.

Registros históricos dos tempos da construção do palacete, ao fundo, pode-se observar o mesmo ainda com os andaimes. Em primeiro plano, posa para a foto, o advogado Adauto Coelho, esposo de Aldenora de Aguiar Coelho e genro do Capitão Raimundo Inácio de Aguiar.

Antes de radicar-se na Fazenda Belmonte, Raimundo Inácio de Aguiar, foi seringueiro no Estado do Acre durante cerca de 30 anos. Na segunda metade do século XIX, em época de índios bravios, sua família ocupou terras próximas à foz do rio Envira, onde hoje é o município de Feijó-AC. Lá, o jovem Raimundo, desde cedo, trabalhou nos seringais da família, destacando-se também como um bom fazedor de contas.

Registro de retirantes cearenses no estado do Acre. Os primeiros cearenses foram para o Acre por volta do ano de 1850, buscando dias melhores em virtude da seca. Quando as terras acreanas ainda pertenciam à Bolívia (Fonte: Fundação Elias Mansour).

Por volta do ano de 1925, acompanhado de sua esposa, a Sra. Maria Elias França de Aguiar (Dona Mocinha), regressaram ao Nordeste do Brasil, compraram a terra, e passaram a viver em meio aos carnaubais do Piauí, com eles vieram os filhos pequenos Aldenora e Epaminondas. Após o regresso, tiveram mais 4 filhos, pela ordem: Gerardo, Sebastião, Manuel e Waldenora. A única filha viva é Waldenora que mora em Araxá MG.


Capitão Raimundo Inácio de Aguiar e Dona Mocinha.


Membros da família: Waldenora (filha), Dona Mocinha com Sylvia (filha de Aldenora) nos braços, Raimundo Inácio, Aldenora (filha), Helena (nora) e Gerardo (filho).


Aqui, posam na margem do açude: Dona Mocinha, Raimundo Inácio, Adauto Coelho (genro) com Sylvia (neta) nos braços, Aldenora (filha), Waldenora (filha) e Helena (nora).


Manuel, Aldenora, Gerardo (filhos), Dona Mocinha, Raimundo Inácio de Aguiar.


Waldenora (filha) e Sylvia (neta) nas palhas de carnaúba na Fazenda Belmonte, ao lado, Aldenora (filha) na Fazenda Boca da Picada.


George e Sylvia (filhos de Aldenora, netos de Raimundo Inácio e Mocinha).

Nos tempos atuais, o destino aproximou novamente a família do velho seringueiro, com a cidade de Feijó-AC, isso aconteceu quando o seu bisneto Delano Serra Coelho, após prestar concurso para Juiz do Trabalho, passou um tempo na cidade onde viveram os seus ancestrais. E lá, obteve junto à igreja, os batistérios de Epaminondas e de sua avó Aldenora. Delano regressou ao Piauí e após passar um período em Piripiri, hoje trabalha na cidade de São Raimundo Nonato-PI.

Cearense, Raimundo Inácio de Aguiar, nasceu por volta do ano de 1880 e faleceu na Fazenda Belmonte em 24 de setembro de 1964, aos 84 anos. Já Dona Mocinha, nasceu em 8 de julho de 1900, no município de Coreaú, antiga Palmas, próximo à cidade de Sobral, também no Ceará e faleceu na cidade de Piripiri-PI, em 25 de setembro de 1989, portanto, aos 89 anos.

Ambos estão sepultados no cemitério ao lado do palacete. Além do casal, mais dois filhos descansam eternamente nesse cemitério: Epaminondas que morreu afogado no açude e Sebastião que foi vítima de impaludismo (malária). Além do cemitério, se destacam também no entorno, os currais rústicos, alguns feitos de pedra e um grande açude, esse mesmo, onde o filho Epaminondas se afogou.


Cemitério da Fazenda, onde estão sepultados: Raimundo Inácio, Dona Mocinha e os filhos Epaminondas e Sebastião.


Rústicos currais circundam as casas da fazenda.


Antigos currais de pedra ainda resistem ao tempo e continuam em uso.


Açude da Fazenda Belmonte.

Homem aguerrido e de muita energia, o Capitão Raimundo Inácio contou com a ajuda de trabalhadores vindos do Ceará, muitos deles retirantes que vinham sobreviver da lida na fazenda. Além da mão de obra nativa, dentre eles, destaque para o índio conhecido como Miguel, que foi lhe dado de presente por uma tribo do Acre. O Capitão trabalhou firme na obra do açude que foi construído com barro puxado dentro de couro de boi, transportado no lombo de jumentos.


Antiga foto panorâmica do cemitério e açude da Fazenda Belmonte.


Antigo registro do açude, que ainda é de fundamental importância nos períodos de seca.


Um dos principais colaboradores do Capitão Raimundo Inácio, foi o vaqueiro Joãozinho Pereira, que faleceu em 2019 aos 90 anos.

Já o outro casarão da fazenda, de porte menor e de um só piso, está bem mais deteriorado e em desuso. É uma edificação mais antiga do que o palacete principal e tem uma arquitetura mais comum, comparada às demais fazendas da região. Foi usado como armazém e durante os tempos áureos da fazenda, dada à fartura, inclusive com a produção de cana, funcionava ali um alambique, onde fora fabricada uma cachaça de nome “Indiana”.


Rótulo do “Superior Aguardente de Cana Indiana”, que era produzido na Fazenda Belmonte.

O velho prédio tem cravado em sua parte frontal, em letras graúdas, maiúsculas e em alto-relevo, o nome “FAZENDA BELMONTE” logo acima dessa inscrição existe um enigma: uma outra inscrição também em alto-relevo, dentro de uma forma elíptica, trazendo em seu centro uma sequência de algarismos que não se consegue decifrar em virtude do desgaste e deterioração, informações dão conta que seja a data de 1924, outros dizem ser 1940.


Foto recente do antigo casarão, com destaque para as inscrições na sua fachada. O termo “FAZENDA BELMONTE” e uma datação logo acima. O segundo algarismo dessa datação, era um “nove” invertido, como se fora espelhado, os demais algarismos não conseguimos decifrar.

A Fazenda Belmonte é conhecida em praticamente toda a região próxima à Serra da Ibiapaba do lado piauiense, principalmente nos municípios de: São João da Fronteira, Brasileira, Piracuruca e Piripiri, ainda mais pelas pessoas mais antigas. Difícil encontrar algum senhor de idade, naquela região, que não tenha ouvido falar do Capitão Raimundo Inácio, sua fama de homem de posses e de certa rispidez com que tratava seus colaboradores, ainda persiste. Mas o que prevalece mesmo é o legado de um homem destemido, que de certa forma mudou a realidade de toda uma região. Exemplos disso são os depoimentos dos Senhores Manoel Ferreira Amâncio e Antônio de Lourdes. O primeiro mora em uma fazenda próxima à Belmonte já o outro é morador do povoado Alto Alegre.


Segundo o Sr. Manoel Ferreira Amâncio: “Seu Raimundo veio a primeira vez comprou as terras e foi buscar mais dinheiro na Amazônia, quando ele chegou, já tinha a casa velha da frente, ele se arranchou e depois construiu a casa maior e foi pra debaixo. Quando ele chegou aqui era tudo mata fechada cheia de feras, Seu Raimundo expulsou as feras bravas e veio trabalhador de todo lugar, eu mesmo trabalhei na construção do açude quando eu tinha por uns 10 anos de idade. Lá tinha muita fartura e até um engenho que fazia cachaça”.


Já o Sr. Antônio de Lourdes, diz: “Aquela data na casa da frente que tá apagada é 1924. Naquele tempo não tinha maquinário, aquele açude foi feito com barro carregado no lombo de jumento. Eu conheci um homem que trabalhou lá, Raimundo Inácio era muito rico e muito duro com os trabalhadores dele”.

Em nossa visita, constatamos que o palacete apesar de ocupado, está precisando urgente de uma intervenção, ainda é sustentado devido às suas grossas paredes, madeiras de lei e a qualidade dos materiais usados na sua construção.


Registros de dentro do palacete, em “a” o corredor principal da casa e as suas grossas paredes, em “b” os antigos baús e armários embutidos nas grossas paredes, em “c” as escadas em espiral que levam ao piso superior, em “d” antigas prensas e o fogão a lenha e finalmente em “e” as indumentárias do vaqueiro para a lida com o gado.

Em meio à forte imagem deixada pelo velho Capitão e todo o legado histórico quase centenário, a Fazenda Belmonte segue, agonizando pela falta de cuidado, mas, mesmo assim, ainda esbanja grandeza e charme, o que poderia ser muito bem explorado, se não pela ação produtiva tradicional, que fosse pelo turismo rural e de base comunitária. Sabemos portanto, que há questões jurídicas a serem resolvidas, relacionadas à Fazenda, no entanto, torcemos pela continuidade e zelo ao patrimônio deixado por Raimundo Inácio de Aguiar e Maria Elias de França Aguiar (Dona Mocinha).

Video documentário do Canal Check-in Aventura:

 


Agradeço a colaboração do Sr. George Alberto de Aguiar Coelho, neto de Raimundo Inácio de Aguiar e Dona Mocinha, que muito ajudou com a disponibilização de informações e fotografias.