A formosa Mãe d’Água, sereia fabulosa que habita nas fontes e nas cachoeiras e protege os peixes, está fortemente arraigada no folclore sobrenatural do caboclo brasileiro. Assim como o Caipora protege os animais de terra contra os excessos dos caçadores, a princesa das fontes protege os peixes contra a ambição desmesurada dos pescadores.
No Piauí, Estado de formação rural, também estas lendas estão presentes. No município de Batalha, norte do Estado, há uma interessante queda d’água, a cachoeira das Lajes, no lugar Pintadas. Nessa corredeira os caboclos dizem morar uma protetora dos peixes, que faz fracassar inesperadamente as tarrafas ou enganchos colocados em tempo indevido pelos pescadores. Chegaram até a nos mostrar a cavidade rochosa onde a Mãe-d’água costumeiramente aparece…
No Poço do Maninho, no rio Cais, abaixo de Boa Vista, município de Castelo do Piauí, porção norte do Estado, também a arisca sereia se abriga. Muitos crédulos pescadores afirmam já a terem visto. Seu Sitônio, veterano pescador castelense, nos contou que já presenciou, de relance, a formosa entidade sobrenatural. Seria bela, mas assustadora…
A EXUBERANTE CACHOEIRA DO RIO CAIS, EM CASTELO DO PIAUÍ.
Em Valença do Piauí, região central do Piauí, uma variante da tradição rural ocorre no chamado Salão da Igrejinha, lugarejo situado a uns 13 km ano norte da Cidade. O relato foi feito por Dona Rosa Lobo da Silva, e teria ocorrido há muitas e muitas décadas.
Estava a então jovem senhora Rosa a pegar água numa fonte no grotão da Igrejinha. Enchia a cabaça quando viu subitamente surgir no poço do olho d’água uma enorme serpente bem alva. A mulher se apavorou, mas ainda teve equilíbrio para imaginar que aquele seria o noivo encantado para sua filha Belinha, que tanto sonhara e pedira em orações. Assim diziam as seculares tradições sertanejas…
Chegando em casa trêmula e ofegante, D. Rosa contou à sua filha o ocorrido. Combinaram então as duas irem ao local, talvez em busca do “príncipe encantado”… Parece que a moça estava “encalhada”, no “caritó”…
Em que pese as buscas na fonte da Igrejinha, as duas mulheres não lograram êxito em encontrar o tão sonhado marido. Desolada, a mãe concluiu que talvez não tivesse sido ainda a hora de revelar o segredo a ninguém. Com a inconfidência que fez a sua filha, teria desfeito o desencanto e a “cobra” ou Mãe-d’água desapareceu para sempre… Talvez fosse até mesmo revelação pra ela desencantar uma “botija”, e não o genro querido e tão ansiado…
GROTÃO DA IGREJINHA, EM VALENÇA.
Cerca de 7 km da cidade de Bom Princípio do Piauí, norte do Estado, está o bosque da Guarita, importante conjunto arqueológico geológico. Ali há uma pequena queda d’água, perene apenas durante as chuvas de verão.
Segundo nos contou nosso guia Bernardo filho, a Mãe-d’água protege o riacho, aparecendo na forma de uma cobra cintilante, que brilha mesmo de longe para aqueles que ocasionalmente a veem de noite. Dizem que quando algum descuidado banhista ou lavandeira dá alguma bobeira com alguma joia de ouro, a entidade surrupia a preciosidade. Caiu alguma aliança no banho, já era… Aliás, pelos adereços que ostenta, segundo a descrição cabocla, a aparência da Iara lembra um cigano ou um punk. Deve ser vaidosa aos extremos…
A CACHOEIRA DA GUARITA.
As tradições da Guarita também rezam que a Iara vira gente ou bola de fogo vez por outra. Um irmão do acima referido Bernardo, de nome Germano, que possui uma propriedade na Guarita, afirma ter visto o ente sobrenatural. E nos descreveu a aparição estrambótica:
“É uma língua de fogo que desaparece muito rápido. Tem o formato com anéis de ouro nas narinas e no pescoço.”
É mais um mito ígneo de nossos sertões totalmente desfigurado. Como já insistimos em outros trabalhos, o Cabeça de Cuia, o Ipupiara, a Mãe-d’água, o Caipora, o Curupira e outros são a deformação ataviada da popularíssima bola-de-fogo, que tanto perturba nossos caboclos…