A riqueza arqueológica da Zona Intangível (ZI) do Parna Sete Cidades

Matéria originalmente veiculada na Revista Ateneu nº 4 – 2022

Uma parte dos 6.221,48 hectares que compreende à área total do Parque Nacional de Sete Cidades do Piauí é definida no plano de manejo da unidade como Zona Intangível (ZI). Em (1), é conceituada, conforme abaixo, a área da ZI de uma unidade de conservação:

É aquela onde a primitividade da natureza permanece intacta, não se tolerando quaisquer alterações humanas, representando o mais alto grau de preservação. Funciona como matriz de repovoamento de outras zonas onde já são permitidas atividades humanas regulamentadas. Esta zona é dedicada à proteção integral de ecossistemas, dos recursos genéticos e ao monitoramento ambiental. O objetivo básico do manejo é a preservação garantindo a evolução natural.

Vista aérea da ZI do Parna Sete Cidades. Foto: Nonato Araújo.
Trilhando pela área da ZI do Parna Sete Cidades, a caminho das pinturas rupestres. Foto: Nonato Araújo.

Dada às restrições acima, a ZI não é aberta para visitações, para conhecê-la fui devidamente autorizado pelo ICMBio e pela gestão do Parque e assim, fiz duas expedições na área nos meses de outubro e novembro de 2021. As visitas foram acompanhadas pelo guia Osiel Monteiro, pelo Índio Apache e Nonato Araújo. O objetivo das expedições era registrar as pinturas rupestres para o Projeto Artes do Bitorocaia (2) e para o Canal Check-in Aventura (8).

Mapa simplificado da área total do Parna Sete Cidades, destaque para a localização da ZI, na região oeste do Parque. Ilustração: F Gerson Meneses.
A trilha foi feita em um Jeep Willys 1969. Foto: Nonato Araújo.
Uma antiga cerca de pedra se destaca dentro da área da ZI. Foto: Índio Apache.

ARTE RUPESTRE:
A arte, registro ou inscrição rupestre, comporta um amplo conjunto de imagens feitas por povos pretéritos, que as produziram sobre suportes rochosos abrigados (cavernas e grutas) ou ao ar livre (paredões e lajedos). Podem ser gravadas/talhadas (petróglifos) ou pintadas (pictogramas) nas rochas. A arte rupestre está presente em todos os continentes, exceto na Antártida (5, 7).

No Brasil, esse tipo de registro ocorre em grande quantidade na Região Nordeste e, especialmente, no Piaui, onde se encontra o Parque Nacional da Serra da Capivara, que é o único no Brasil que recebe a proteção e o reconhecimento internacional através da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO (5).

TRADIÇÕES:
A evolução da pesquisa arqueológica relacionada às classificações e interpretações dos desenhos rupestres, com o objetivo de diferenciar grupos humanos, regiões e técnicas pictóricas levou à criação do termo “Tradição” e suas subdivisões (6). De acordo com (7), as Tradições são:

O conjunto de características que se refletem em diferentes sítios ou regiões, associadas de maneira similar, atribuindo cada uma delas ao complexo cultural de grupos étnicos diferentes que as transmitiam e difundiam, gradualmente modificadas, através do tempo e do espaço.

Entre as várias tradições existentes para classificar pinturas rupestres, aqui destaco duas das mais recorrentes no Piauí, que são as Tradições: Agreste e Nordeste. Conforme observado em (7), a seguir:

Tradição Nordeste: Originária na região da Serra da Capivara, considerada a mais antiga do Nordeste Brasileiro. São figuras humanas, de animais e, em uma menor quantidade, as de plantas. São pequenas, medindo entre 5 e 15 centímetros. Elas mostram cenas dinâmicas e uma grande variedade de temas como: a luta, a caça, a dança e o sexo.

Tradição Agreste: Também originária da região Nordeste, apresenta figuras em dimensões maiores, mas com técnica gráfica e riqueza temática inferior às da Tradição Nordeste. Destacam-se imagens de seres estáticos ou com pouco movimento. Os antropomorfos apresentam-se isolados ou acompanhados de grafismos reconhecíveis.

DATAÇÕES:
De forma geral, as Tradições Nordeste e Agreste são datadas entre 2.000 até 29.000 anos antes do presente (AP), sendo as mais recentes as da Tradição Agreste (5,7).

Sobre as datações, em (5) é dito que: a arte rupestre é datada de forma indireta, correlacionando-se os painéis pintados e as camadas de ocupação, através da identificação, no solo, de materiais como ocres, placas pintadas, pingos de tintas e fogueiras. 

Sedimentos e carvões que recobrem os painéis também podem ser datados por meio do método do Carbono 14 (C14) ou Termoluminescência (TL). Outra forma de datação é por analogia estilística entre sítios diferentes, em que a cronologia e a caracterização da arte de um deles já foram estabelecidas.

AS PINTURAS RUPESTRES DA ZI DO PARNA SETE CIDADES:
De acordo com (3) as pinturas rupestres existentes no Parque Nacional de Sete Cidades são típicas da Tradição Agreste, apresentando, entre outras, figuras antropomórficas, zoomórficas, carimbos de mãos e grafismos puros em vermelho e alguns tons de amarelo. A mesma fonte também considera que a datação das pinturas deve ser próxima às da mesma tradição, encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, entre 2.000 a 6.000 anos (AP).

Sítio arqueológico “casa de pedra”, localizado dentro da ZI.

Como resultado das expedições à ZI, foram catalogados dados e fotografias de 10 dos principais sítios com pinturas rupestres, alguns dos quais já cadastrados na base de dados do IPHAN (4). Centenas de pinturas foram registradas e estão disponíveis da plataforma do Projeto Artes do Bitorocaia (2) e em uma série com 2 vídeos no Canal Checki-in Aventura (8).

A ilustração a seguir mostra algumas das pinturas rupestres existentes na área da ZI:

Em destaque, a “pedra do leque”, localizada na ZI. Um imenso paredão rochoso com cerca de 30 metros de altura, com pinturas rupestres graúdas, a mais de 10 metros de altura. Infografia: F Gerson Meneses.

Em tempo: Logo abaixo desta matéria tem os links para os 10 Sítios Arqueológicos mapeados dentro da ZI, assim como para as duas séries do documentário em vídeo produzido com o conteúdo da expedição.

Fontes consultadas:
1 – ICMBio. Decreto Federal Nº 84.017, de 21 de setembro de 1979 – Aprova o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/parnaguimaraes/images/ stories/legislacao/decreto_federal_1979_84017.pdf. Acesso em: set/2022.
2 – ARTES DO BITOROCAIA – Mapeamento Arqueológico. Portal Piracuruca, 2018. Disponível em: https://portalpiracuruca.com/artes-do-bitorocaia/. Acesso em: set/2022.
3 – CAVALCANTE, L, C, D. Parque Nacional de Sete Cidades, Piauí, Brasil: biodiversidade, arqueologia e conservação de arte rupestre. MNEME – Revista de Humanidades – ISSN 1518-3304, 2013. Disponível em:https://periodicos.ufrn.br/mneme/article/ view/1708/4145. Acesso em: set/2022.
4 – IPHAN. Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos CNSA / SGPA. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/sgpa/?consulta=cnsa. Acesso em: set/2022.
5 – VIANA, V. et al. Arte Rupestre. Portal IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ ckfinder/arquivos/VERBETE%20 ARTE%20RUPESTRE%20-%20pronto%20pdf.pdf. Acesso em: set/2022.
6 – AGRUIAR, A. Tradições e estilos na arte rupestre do Nordeste do Brasil – Revista de Pesquisa Histórica – UFPE, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24946/20213. Acesso em: set/2022.
7 – FILHO, S, L, L., REIS, S. Cenografía emblematica da tradição São Francisco nas pinas rupestres de Lagoa do Mari, em Sento Sé – Ba. Rupestre WEB – Brasil,2015. Disponível em: http://www.rupestreweb. info/lagoamari.html. Acesso em: set/2022.
8 – CANAL CHECKIN AVENTURA, 2022. Disponível em: https:www.checkinaventura.com. Acesso em: set/2022.


Links para os sítios da ZI cadastrados na base do Projeto Artes do Bitorocaia:

ZI – Parna Sete Cidades – Arco Baixo e imediações

ZI – Parna Sete Cidades – Casa de Pedra

ZI – Parna Sete Cidades – Encosta da Casa de Pedra

ZI – Parna Sete Cidades – Mãos com seis dedos

ZI – Parna Sete Cidades – Outras pinturas

ZI – Parna Sete Cidades – Pedra do Leque

ZI – Parna Sete Cidades – Sítio da Ema

ZI – Parna Sete Cidades – Sítio da Folha

ZI – Parna Sete Cidades – Sítio do Canto

ZI – Parna Sete Cidades – Zoomorfo em duas cores

Links para os dois vídeos da série sobre a ZI: