NO PRINCIPIO ERA O BOI: Análise da economia em solo piauiense e piracuruquense

O homem, além de um ser político e social é um ser econômico, e dentre tais predicados, pode ousar-se afirmar que o último possivelmente prevalecerá sobre os dois primeiros. Por razões econômicas o homem realizou as mais variadas façanhas e, assim, analisá-lo neste viés pode contemplá-lo na sua forma mais intensa e determinante.

Surgida paralelamente ou por uma necessidade da cana-de-açúcar, primeira economia propriamente dita no Brasil, a pecuária, notoriamente tida como atividade secundária, foi, estrategicamente, empurrada para o interior do país, e sob esta bandeira, o grande Nordeste foi sendo povoado, e no entorno de um curral foram se formando núcleos habitacionais, posteriormente vilas, que viriam  a se tornar cidades.

Em fins do século XVII o interior do Piauí começa a ser ocupado,  e dentro da conjuntura curral,  percebe-se que aquele espaço foi favorecido por vários fatores que lhes deram vantagens em relação a outros Estados nordestinos. Fatores estes que podem ser notados na afirmação de um dos maiores estudiosos no assunto:

As condições naturais já são ai melhores que nos setores ocupados anteriormente: Pluviosidade mais elevada e melhor distribuída, cursos d’água permanentes. Daí também uma forragem natural de melhor qualidade (PRADO JUNIOR, 1943, p. 74).

Acrescenta ainda Prado Junior que, “as fazendas do Piauí logo se tornariam as mais importantes do nordeste”, podendo, ainda  se complementar que, as grandes extensões de terras para o uso foi outro fator que favoreceu e deu suporte para as sucessivas implementações da indústria bovina. Salienta-se que, certamente, o maior diferencial dentro deste processo foi, sem dúvida, o fato da pecuária, no caso a extensiva, ser das economias a que demandava o mínimo de investimento, tanto em capital financeiro como humano. Sem falar que já existia para tal atividade um mercado consumidor garantido, como asseveram Nunes & Abreu (In: Santana, 1995, p. 86): “A estrutura implantada não exigia muita mão-de-obra, requerendo apenas investimento de capital inicial e de manutenção, além de contar com um mercado já garantido”.

Outro ponto que certamente não poderia passar despercebido, e que atuou de forma decisiva na formação dos principais centros, foi o fator água, pois, nas proximidades dos rios e olhos d’água acabaram por se formar as primeiras freguesias, vilas e naturalmente as cidades.

Ainda dentro deste viés, e reforçando a importância que a economia pecuária ganhara no Piauí, Brandão fala em seu livro “O escravo na formação do Piauí” que:

O ritmo expansionista das fazendas pode ser observado através da quantidade de propriedade instaladas a cada ano. No corte cronológico de 1730 a 1762 criaram-se, a cada ano, 4,2 novas fazendas, pois, em 1762, já havia um total de 536 unidades. (BRANDÃO, p. 64).

 Em meados dos séc. XVIII, o sertão nordestino alcança o apogeu do seu “desenvolvimento”         no que diz respeito à pecuária. Nesse momento, o Piauí, impulsionado pelos fatores acima mencionados, assumia o posto de principal exportador do produto carne, o que, mesmo não lhes garantindo uma significante sustentabilidade, o que será mais à frente justificado, perdurou por durante algumas décadas como importante fornecedor da matéria para vários estados brasileiros. Nesse sentido, Santana (1995, p. 86) descreve que, “O boi era largamente comercializado nas Capitais do Nordeste, abastecendo também a região de Minas gerais”. É dentro deste contexto que esta economia viria impulsionar na formação dos núcleos habitacionais piauiense, dentre eles a cidade de Piracuruca.

Não fugindo a regra, como na maior parte do Piauí, a cidade de Piracuruca também é “cria” desta economia, pois, nos vales de seu rio principal, “O Piracuruca”, e favorecida por suas planícies, implantaram-se grande fazendas que impulsionaram sua economia inicial.

A própria “Historia”, criada em torno da fundação de Piracuruca, está intimamente ligada à cultura de gado, visto que os próprios “edificadores” da igreja de Nossa Senhora do Carmo, no caso os irmãos Manoel e José Dantas Correia, alicerçaram e ergueram todo seu patrimônio aproveitando-se desta economia, pois, possivelmente impulsionados  pelo  ciclo da charqueada[1], acabaram angariando muitas riquezas, bens estes explicitado por  Britto (2003, p. 29), em seu livro “Remechendo o Báu”: “O patrimônio dos Irmão Dantas compreendia além das  propriedades, terras, carnaubais, milhares de cabeças de gado, equinos, caprinos, benfeitorias e jóias”. Prosperidades advindas, certamente, da primeira substancial economia implantada no solo piracuruquense, a pecuária.

Entretanto, o caso acima mesmo não pretendendo afirmar os Irmãos Dantas como sendo os pioneiros da atividade em Piracuruca, serve, apenas para atestar que esta economia moldou e foi responsável pelos primeiros processos ocupacionais e econômicos sistematizados  na cidade em estudo.

Porém,  aspectos desta economia merecem atenção, pelo simples fato de que, mesmo tendo alcançado importância e viabilizado acúmulo de riqueza para alguns, não ganhou contornos sustentáveis, acarretando somente em um curto período de prosperidade sendo responsável, apenas, pela criação de: “um sistema econômico frágil e incapaz de fazer gerar outras atividades produtivas”, como afirma Mendes (In: Santana 1995, p. 60) quando trata da economia em solo piauiense.

Desta forma, vale apenas atentar que a falta da criação de alternativas, por parte dos fazendeiros, a não viabilização de válvulas de escape para adequação às realidades locais, no caso os efeitos causados por períodos de estiagens, causaram empecilhos para o sucesso da empresa bovina, pontos que, somados ao problema da falta ou da ineficácia dos transportes daquela época, poderia até explicar seu fracasso. No entanto, e conveniente acrescentar outros termos para melhor justificar a derrocada, problemas estes  que atormentaram toda a trajetória econômica piauiense,  a  falta de visão empreendedora, miopia[2] econômica  e o comodismo que juntos cooperaram de forma decisiva para seu declínio, tendo como golpe definitivo o despontar do mercado gaucho, que, por apresentar um produto de melhor qualidade, vai suplantar o produto do Piauí. Onde voltaremos a fazer uso das palavras do historiador Prado Junior (op. cit., p. 105), “O aparecimento dos gaúchos no comércio da colônia coincidiria com a decadência da pecuária do nordeste, incapazes já de atender as necessidades do mercado”.

É nesse contexto, que se consubstancia a análise desta economia, que, a titulo de recorte temporal, se enquadrou dentro do espaço de 1670–1780, época esta considerada por Mendes (in ADRIÃO NETO 2010, p. 196) como a fase propriamente dita da implantação de uma estrutura econômica e social do Piauí.

Em suma, é desta maneira que o boi tem sua crucial importância na gênese da economia piauiense e piracuruquense, não restando dúvida que seu legado ainda persiste no imaginário e até mesmo no cotidiano de muitos que por aqui vivem. Todavia, este vetor nunca mais representou dentro da economia piauiense, nordestina, muito menos de Piracuruca, o peso e a participação que teve outrora.

ARAUJO, Raimundo Nonato, NO PRINCIPIO ERA O BOI. Piracuruca , 2012

Fonte da imagem ilustrativa: https://2.bp.blogspot.com/

REFERENCIAS

BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú. Gráfica e editora Ideal.  Piripiri – PI, 2002.

BRADÃO, Tania Maria Pires . O Escravo na Formação do Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2006.

JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 2ª Edição vol. II 1945

NETO, Adrião, Geografia e História do Piauí para estudantes.  6ª edição, Teresina, Geração 70,2010

SANTANA, R.N. Monterio. Vilas e cidade do Piauí. Teresina, Halley 1995

[1] Fase marcada pela importância da produção da carne de charque (carne salgada). O Piauí teve grande participação nesta economia.
[2] Dificuldade em enxergar de  longe.