Existem algumas lembranças que resistem ao tempo, idas e vindas de vivências, a idade avançando e elas estão lá, misteriosamente povoando a nossa mente. Muitas das minhas lembranças estão no cenário da Rua Walter Spíndola na Piracuruca da minha infância, e uma das mais agradáveis remete a um adorável Senhor que nos tempos dos meus 7 ou 8 anos morava vizinho de esquina com a minha casa, lá ele mantinha uma quitanda e também era alfaiate. Os adultos o chamavam de Zé da Vanja e eu teimava em chama-lo de “São Zé”. Tristes adultos, não tinham um avô tão simpático.
Esses dias de setembro de 2022, fui presenteado com um poema sobre “São Zé”, enviado pelo seu neto, o jornalista Francisco Magalhães, que também é meu conterrâneo, somos das terras piracurucais. Magalhães é filho de Raimundo Ribeiro Magalhães (Raimundo da Zuma). Não sabia ele a alegria que iria trazer em me fazer relembrar daquela época tão rica de alegrias que foi a minha infância.
Bom, durante uma rápida investigação que resultou em uma minibiografia do Sr. Zé da Vanja, Francisco Magalhães me enviou as seguintes informações:
José Vaz Magalhães, mais conhecido como Zé da Vanja, era Alfaiate e Comerciante. Filho de Antônio Vaz Magalhães e Evangelina Aereolina Magalhães, nasceu em Viçosa em 1913, no Ceará. E faleceu em São Luis, no Maranhão em 1997. Veio morar em Piracuruca na década de 1920, onde viveu por mais de 70 anos. Era casado com a Sra. Zulma Ribeiro Magalhães, com quem teve 3 filhos piracuruquenses: Raimundo Ribeiro Magalhães, Joana D´arc Ribeiro Magalhães e Carlos Alberto Ribeiro Magalhães.
No poema, Francisco Magalhães começa com o verso “Fui lá na quitanda do Zé da Vanja” e termina com “Meu avô, Zé da Vanja, virou inspiração” e no meio, fala de forma divertida sobre a quitanda do seu avô e dos produtos que vendiam lá. Transcrevo-o logo abaixo, com a devida autorização do autor.
Fui lá na quitanda do Zé da Vanja
Onde o freguês tem sempre razão
E tem sal e cal alho toucim e tanja
Banha bacalhau calcinha e calção
Mulher bonita não paga mais não leva
Erva xaxim água de cheiro e tempero
Creolina queijo vela baygon sentinela
Gravata basculante bainha e corante
Muito bem sortida de quibe gengibre
Mel milho cachimbo pirão de parida
E bambolê baladeira bola de futebol
Até farinha d´água e rede sol a sol
E quem vai querer brilhantina DDT
Fumo de rolo peta faca e alpercata
Carne de porco saia coco da praia
Chá e chinela piula-contra e panela
Ainda tem a literatura de cordel
Papel celofane bustiê linho e gel
Ovo carvão bolo biscoito e botão
Saco e banana e véu de cigana
E tem sempre no varejo e atacado
Cuscuz corte de fazenda infestado
Rapé torresmo lingüiça dedal chita
Sibireba tapioca bacuri rosca crioli
De um tudo de cama mesa e banho
E pino tacho janela sunga e cancela
Sapato quichute prato e artesanato
Fechecler peneira colher e torneira
E gordura chiquerador e rapadura
Lamparina rapé querosene Jacaré
Tampa de pia couro folha de louro
Giz louça e doce de leite de moça
Olha o de comer quebra-queixo
Anil rabeca corpete e sabonete
Ferro velho bota prata e vidraça
Porcelana pirão e caldo de cana
Negada, a quitanda do Zé da Vanja
Fica lá na bela cidade de Piracuruca
E que for lá vai encontrar muito mais
Elepê do Lázaro do Piauí e cumbuca
Babydoll rabeca sutiã e peteca
Caneta chita laço de fita caneca
Guiné e alecrim dendê e alfinim
Peneira e cano cajuína e abano
Anágua vinho cachaça e cabaça
Galinha de angola roda castanha
Piranha e farinha foice e folhinha
Elixir Xavier modess garfo colher
Tamborete tambor brinco sorvete
Xale enxada leque cigarro e sopa
Margarina tina régua rouge touca
Bordado linha sangria e sardinha
Califon e assado de panela sifon
Panelada frito e castanha assada
Café Pelé e elepê nescau e boné
Chicletes e serpentinas e salada
Sal cibalena e filtro carteira e fivela
Cal e tamborete e picinez e suporte
Pá e curau e arruela bote e serrote
Bengala e brita e confeite e confete
E pó e compacto simples e balão
Fórmica e facão cinta e cinturão
Pimenta cola de sapateiro menta
Caça caçarola cenoura e ceroula
Palha e gaiola cangalha e sacola
Petisqueira e pirulito e cristaleira
Bibi e barbante azulejo e estante
Arame e baton pedra ume e avon
Cheiro verde e até pano de prato
E fogão e fogareiro fosco e gelo
Bacuri e baralho e galeto e alho
Enxadeco e bandana e bandeco
Ele não aceita pechincha nem fiado
Tudo é embrulhado em papel de pão
Passar troco de bombom ele manja
Meu avô, Zé da Vanja, virou inspiração.