Um cordel para quem viveu na Piracuruca dos anos 80

Se você viveu em Piracuruca
e viu as coisas que vou falar,
parabéns! Você é felizardo!
vamos, então, aqui recordar.
Se não viu, aproveite
pois nesse cordel vou relatar.

Foi um tempo inesquecível,
sem tanto roubo e violência,
quando tudo era mais bonito
e com muito mais decência.
A evolução tem coisa boa,
mas também tem consequência.

Pra começar, vou perguntar
se você era gato ou era rato,
pois na política era assim,
um deles era seu candidato.
No futebol, o craque era Cafá
e ninguém fazia gol no Pato.

Ouviu o estrondo do bacamarte,
estremecendo a madrugada.
Subiu a escada da Piracabana
e viu ela amanhecer queimada.
Abasteceu no posto da bomba
e fez serenata pra namorada.

Comeu a panelada da Maria Culí,
depois da festa na colonial.
Degustou o frito da Leontina,
com aquele embrulho genial.
Vibrou com o bicampeonato,
na final do intermunicipal.

Brincou muito carnaval
ao som dos Dragões Seis.
Era massa real ou xandanca,
cada bloco tinha a sua vez.
Sofreu com muita dor de dente
e do Doutor Cícero foi freguês.

Se consultou com o Pedro Paulo
e viu Doutor José no fusca azul.
Quis ver o cometa de Halley,
atravessando o céu azul.
Armou assaprão e arapuca
e teve parente indo pro sul.

Chorou com medo do pé de pato,
o fantasma que pegava criança.
Ouviu de longe o apito do trem…
tempo em que lambada era dança!
Comeu o pão do Seu Arlindo
e com kissuco encheu a pança.

Viu as seriemas do Zé Brito,
andando e cantando pela cidade.
Pediu moeda ao Monsenhor Olavo,
Padre bom e que tinha caridade.
Brincou de cair dentro do poço,
que era a diversão da mocidade.

E todo sábado de aleluia
tinha o roubo das galinha.
E domingo era banho de rio,
manhã de sol na prainha.
Pulou a janela do Ginásio
e assoviou para a gatinha.

Você viajou pra Teresina
no ônibus do enxuto.
Tempo que quando um morria
o outro ficava de luto.
Chorou na copa da Espanha
e com o Paulo Rossi ficou puto!

Pulou da ponte de madeira
e depois viu ela sumir.
Viu a Rádio Sete Cidades
a primeira vez transmitir.
A grande barragem represar
e acabar nossos mandi.

Visitou o cabaré da Dusanjo
ou então o do Janjão.
Viu o Davi perambular,
pegando bagana pelo chão.
Viu a areia virar grama
no estádio Ribeirão.

Desceu o morro do patronato
de bicicleta na tubada.
E para praia de pau de arara
foi junto com a negrada.
Dançou quadrilha e jogou
traque nas perna da mulherada.

Comprou remédio na farmácia
do Doutor Manoel Cerqueira.
Cortou barba e cabelo
no salão do Zé Nogueira.
Paquerou com a menina
em cima do pé de figueira.

Viu o sinal da Bandeirantes
chegar na sua televisão.
E no festejo de julho
pagou promessa na procissão.
Ouviu Roberto Muller
e se embriagou com sua canção.

Tempo que não é melhor que o seu,
é apenas cheio de coisa diferente.
Quem viveu se lembrou de tudo
e vai ter um dia mais contente.
Eu aqui jamais esqueço
do que a vida me deu de presente.

Retirado do Livro Versos Retos de um Poeta Torto
F Gerson Meneses – 2018