Seriam vestígios de holandeses no Piauí?

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Em 1621 os holandeses criaram a Companhia das Índias Ocidentais. O gigantesco empreendimento seria responsável pela organização da invasão do território brasileiro, visando principalmente se apossar de nossa florescente agroindústria açucareira. Naquela época o açúcar de cana era uma mercadoria muito estimada e de alto valor na Europa.

A primeira tentativa de dominar o Brasil durou menos de um ano, culminando com a expulsão dos batavos da Bahia, em 1625.

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“PLANTA DA RESTITUIÇÃO DA BAHIA”, POR (JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ, O VELHO, 1631): MOSTRA A ARMADA PORTUGUESA-ESPANHOLA CERCANDO SALVADOR, ONDE ESTAVAM ALOJADOS OS HOLANDESES. 

Em 1630, novamente os arrojados holandeses invadiram o país, desta vez com uma esquadra maior e mais bem armada. Conquistaram Olinda e Recife e, paulatinamente, quase toda a zona litorânea do Nordeste, do Maranhão a Alagoas.

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MAPA DO DOMÍNIO HOLANDÊS NAS DUAS INVASÕES. FONTE: http://ven1.blogspot.com.br

Os invasores nunca tentaram se estabelecer muito adentro do território brasileiro, onde a resistência luso-brasileira era ferrenha. Seu interesse residia na Zona da Mata ou mata Atlântica, faixa litorânea onde floresciam os cobiçados canaviais e rangiam os incansáveis engenhos, notadamente em Pernambuco.

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ENGENHO EM PERNAMBUCO NO TEMPO DOS HOLANDESES (http://www.nordesteweb.com).

Os holandeses foram definitivamente expulsos do Brasil em 1654, com a vitória luso-brasileira após as batalhas de Guararapes e Campina da Taborda.

Se não procuraram dominar os sertões nordestinos, por outro lado os batavos organizaram inúmeras expedições rumo ao interior, visando principalmente descobrir e explora riquezas minerais.

Segundo o tratado histórico do holandês Gaspar Barleus (1584-1648), seu conterrâneo, o príncipe Maurício de Nassau (1604-1679) teria enviado uma expedição comandada pelo oficial Elias Herchmans (1596-?) à procura de metais preciosos pelas vastidões dos sertões.

Consta que os exploradores teriam, depois de prolongadas dificuldades nos vales e chapadas, alcançado o Poço dos Enjeitados, às margens do rio Poti, Este local, no cânion do rio, dista 50 km da cidade de Castelo do Piauí, integrando hoje o município de Buriti dos Montes, vizinho ao Ceará.

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POÇO DOS ENJEITADOS, CÂNION DO RIO POTI, MUNICÍPIO DE BURITI DOS MONTES-PI. POR ESTAS CERCANIAS TERIAM ESTADO OS HOLANDESES.

Segundo documentos do Arquivo Público do Piauí, consultados pelo notável historiador amarantino Odilon Nunes (1899-1989), vestígios de explorações minerais foram encontrados no Piauí, dando origem a sindicâncias instauradas pelo governador da Capitania D. João de Amorim Pereira (? – ?), que escreveu às autoridades de Marvão (atual Castelo do Piauí) a respeito do assunto, no início do século XVIII. Presumia o governador, baseado nas informações que recebera que os batavos mineraram na região da fazenda Enjeitado, onde foram encontrados vestígios destas obras.

Segundo o historiador piauiense padre Cláudio Melo, vestígios de holandeses também foram encontrados no lugarejo Frecheira, em terra do atual município de Cocal da estação, norte do Estado.

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IMAGEM DA FAZENDA FRECHEIRA, EM COCAL DA ESTAÇÃO-PI, ONDE TERIAM ANDADO OS HOLANDESES.

Na região serrana da Ibiapaba que separa os estados do Piauí e Ceará foram encontrados incontáveis vestígios de mineração atribuídos aos holandeses. Teriam explorado por ali prata ou, menos provavelmente, o cobre que ainda hoje abunda no município de Viçosa do Ceará.

Aliás, o príncipe de Nassau também teria enviado um conterrâneo seu, Matias Beck (? – 1668) para explorar minas na região de Ibiapaba. O padre Antônio Vieira (1608-1697) na sua “Relação da Serra da Ibiapaba” faz menção aos holandeses na serra.

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IMAGEM DA SERRA DA IBIAPABA. FONTE: http://br.viarural.com/mapa/ceara/ibiapaba.htm

Segundo o governador do Maranhão e do Grão-Pará João Maia da Gama (? – 1731), que escreveu seu diário em, 1728, nas serras da Ibiapaba foram encontrados bigornas, escórias e diversos artefatos metálicos que comprovam a presença da mineração batava.

O antigo Marvão, hoje município de Castelo do Piauí, englobava amplas porções de terras, hoje municípios diversos do Piauí, e ainda Príncipe Imperial, atualmente Crateús, no estado do Ceará.

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MAPA ANTIGO MOSTRANDO A VILA DE MARVÃO (1) E ENTRE SUAS MUITAS DEPENDÊNCIAS, TERRAS HOJE CEARENSES: O POVOADO PIRANHAS (2) QUE POSTERIORMENTE RECEBERIA O NOME DE PRINCIPE IMPERIAL E POR FIM CRATEÚS; POVOADO “PELO SINAL” (3), HOJE INDEPENDÊNCIA. “CARTA CHOROGRÁPHICA DA PROVINCIA DO CEARÁ”, ORGANIZADA PELO DR. PEDRO THEBERG, 1861. 

As incessantes notícias e pesquisas para aquelas vastidões nos últimos 200 anos apontam, se não promissoras e salomônicas jazidas, pelo menos incontáveis ocorrências minerais.

Segundo o ouvidor da Capitania do Piauí, Antônio de Morais Durão (? – ?) escreveu em 1722, no antigo Castelo do Piauí teria sido descoberto ouro aluvionar em seus riachos. Hoje sabemos que o nobre metal ocorre inclusive no leito do rio Poti, embora em quantidades insignificantes, onde foi pesquisado. É possível que os veios que por erosão deram origem ao ouro aluvionar estejam a montante do rio, em suas nascentes no Ceará.

Em 23 de setembro de 1798, o governador da Capitania do Piauí enviou um ofício ao comandante da Vila de Marvão, incumbindo-o da exploração de jazidas de prata que teriam sido descobertas na região.

O padre português Manuel Aires de Casal (1854-1921) publicou em 1817 um tratado onde confirma as promissoras notícias sobre os metais valiosos na freguesia de Marvão.

No dia 10 de junho de 1829 o governador provincial determinou ao tenente Aleixo Muniz Barreto (? – ?)  e a Francisco Irineu Gomes Correia (? – ?) explorarem uma jazida de prata, que se descobriu no mesmo Enjeitado dos holandeses, pertencente a Correia, também prefeito do Marvão.

Em 27 de abril de 1883, os engenheiros Augusto Carlos da Silva Teles (1851 – 1923), Luís Godofredo d’Escragnolle Taunay (1853-1942) e Eliseu de Sousa Martins (? – ?) solicitaram ao Governo Imperial permissão para explorarem minas de cobre e de outros metais no vale do rio Poti, naquelas terras.

Como se percebe, as autoridades coloniais e imperiais sempre tiveram em alta consideração o antigo Marvão como uma terá de cobiçadas riquezas metálicas.

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IMAGEM ILUSTRATIVA. ARTE DO LUSO-ITALIANO CARLOS JULIÃO (1770-1811) MOSTRANDO UMA CENA DE MINERAÇÃO NO BRASIL COLONIAL.

Se hoje, após tantas notícias de vestígios, não se encontram mais opulentas jazidas minerais por ali, resulta que ou os informes eram fantasiosos ou precipitados, ou ainda que os minérios foram exauridos por intensas explorações pretéritas, restando apenas algumas ocorrências.

Mas seriam mesmo aqueles vestígios indícios de mineração dos holandeses? É provável que parcialmente tenham sido. Também haveria resquícios de antigas explorações coloniais ou imperiais? Talvez!

Mas o que não nos foge a suspeita é que os holandeses e luso-brasileiros foram tão somente os “últimos da fila”. Talvez só tivesse pegado o rejeito ou algumas porções marginais de riquezas minerais do antigo Marvão.

E o “filé” das supostas jazidas de ouro e prata? Bem este parece ter sido explorado não apenas antes dos holandeses ou da chagada de Cabral ao Brasil, mas antes mesmo da era cristã. Explorações minerais feitas por povos de outras partes do mundo e hoje desaparecidos, mas que deixaram suas impressões na prodigiosa arte rupestre do município de Castelo do Piauí. A existência de incontáveis furnas e crateras no solo do antigo Marvão parece confirmar esta suspeita.

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POVOADO PICOS, CASTELO DO PIAUÍ, A ANTIGA MARVÃO. NESTE ABRIGO RUPESTRE UM DOS DESENHOS NOS LEMBRA UM NAVIO DE DUAS VELAS TRIANGULARES. MEMÓRIA DE QUEM VEIO DE LONGE?

Que os intrépidos e decididos holandeses tenham rasgado os sertões do norte piauiense em explorações de pesquisa ou até lavra de minério, não duvidamos. Mas há um fenômeno psicossocial interessante de se atribuir aos batavos todo e qualquer vestígio inusitado ou mistério antigo encontrado nas solidões rurais do Nordeste.

É comum aos crédulos e inocentes sertanejos atribuir aos holandeses tudo que não conseguem explicar ou entender racionalmente no sertão. As pinturas rupestres e os monumentos rochosos artificiais (megalitos) ainda hoje são reputados como sendo marcos indicativos de reluzentes tesouros enterrados por jesuítas ou holandeses. Até ossadas da megafauna encontradas em caldeirões dos rios ou em grutas da Paraíba e Rio grande do Norte são interpretadas como sendo restos dos “cavalos dos holandeses”….

Na falta de uma explicação razoável para a origem da população “fogoió” (louros) dos sertões nordestinos, apela-se para os providenciais holandeses.

Assim, os mistérios intrigantes de nossa pré-história são parcialmente mascarados pela presença holandesa nos sertões. E a intensa exploração mineral na região do Marvão se constitui num destes complexos enigmas.

Matéria reeditada a partir do texto: “Holandeses no Piauí”, de autoria de Reinaldo Coutinho, publicado originalmente no jornal Meio Norte, Teresina 14 de novembro de 1999.

Fontes:

Alencastre, José Martins Pereira de. Histórica e Geográfica de Província do Piauí. Cia. Ed. Do Piauí, 1981.
Casal, Manuel Aires de. Corografia brasílica…Rio de Janeiro, 1862.
Coutinho, Reinaldo. Na Terra dos Castelos. Teresina, 2000.
Nunes, Odilon. Pesquisas para a História do Piauí. Vols. I, II e III. Teresina, 1966.
Pereira da Costa, Francisco Augusto. Cronologia histórica do estado do Piauí. Vols. I e II. Teresina, 1909.