Povoado Deserto: um patrimônio histórico, cultural, econômico e social de Piracuruca – 1ª Edição

O artigo a seguir é parte de um amplo estudo que visa rememorar o ano de 1923, com três acontecimentos de grande importância para a cidade de Piracuruca, que são: As inaugurações das Estações de Trem do Povoado Deserto e de Piracuruca e a morte do Senador Gervásio de Brito Passos. Neste ano que marca o centenário desses três acontecimentos, aqui me deterei a falar sobre aspectos relacionados ao Povoado Deserto, a partir de uma visita que fiz em 1º de janeiro de 2023, onde, acompanhado pelo Sr. Joaquim Fontenele de Brito, fizemos um “passeio” desde os tempos áureos do povoado até o momento presente. Essa é uma escrita histórica e genealógica, através de memórias, pesquisas, revelações, relatos e desafios, tudo apresentado em texto, muitos registros fotográficos e infografias. Pela extensividade do material produzido, visando um melhor acompanhamento do leitor, fiz a divisão do conteúdo, abordando os seguintes tópicos: Primeiros ocupantes, Joaquim e Genoveva Brito, Ascendências, Descendências, A EFCP antes da chegada ao Povoado Deserto, Estações de trem de Piracuruca e do Deserto, Retratos do abandono e finalmente, O Povoado Deserto atualmente. Todo esse conteúdo deverá ser aprimorado para edições futuras, podendo vir a ser publicado em livro.

Boa leitura.

Vários trilhos largados, muitos deles encurvados, mais à frente e à direita uma pequena Estação de Trem abandonada e sem cobertura. Essa a visão do caos, que tive ao chegar na entrada do Povoado Deserto na zona rural de Piracuruca-PI. O povoado fica a cerca de 43 km a partir do centro de Piracuruca. Desses, 32 km seguindo sentido norte pela BR 343, rumo ao litoral, até o entroncamento com a PI 309. Já na PI 309, aproximadamente 5,5 km depois encontrei uma entrada à direita e segui mais 5,5 km em estrada carroçável, finalmente avistei a pequena Estação de Trem.

Trilhos largados à frente da antiga Estação. Foto: F Gerson Meneses.
Primeira vista da antiga Estação de Trem do Deserto. Foto: F Gerson Meneses.

Ao olhar à direita da Estação, vi a entrada do Povoado e resolvi avançar. Observando o bonito azul de uma Igreja até onde a vista alcançava, fui contemplando os primeiros casarões e ao mesmo tempo sentindo falta de pessoas, talvez pelo fato de ser o dia 1º de janeiro de 2023, além de feriado (dia de ano), era um domingo. Mesmo assim eu continuei avançando.

Vista da entrada do Povoado Deserto. Foto: F Gerson Meneses.
Entrada do povoado vista do alto. Foto: F Gerson Meneses.

Mais à frente, encontrei na varanda de uma das primeiras casas, um simpático casal, era um Sr. de nome Joaquim Fontenele de Brito e sua esposa, que me receberam muito bem. A partir de então comecei um diálogo que me oportunizou conhecer o povoado e mudar a minha visão inicial, do caos para uma exuberante riqueza que me fez intitular o artigo que trago aqui para vocês de: Povoado Deserto: um patrimônio histórico, cultural, econômico e social de Piracuruca. 

Primeiros ocupantes

O Senhor Joaquim Fontenele de Brito, meu cicerone na incursão ao Povoado Deserto, é um legítimo descendente dos primeiros moradores do Povoado, nasceu em 22 de julho de 1948 e uma grande parte de sua vida passou no povoado, ele é filho de Benício de Brito Magalhães (1917 – 2006) e Olinda Rosa Fontenele (1917 – 2011), neto paterno de Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães e bisneto paterno do Capitão Antônio Avelino de Brito e Milarinda Rosa de Mello (3). Segundo ele: “…nossa vida aqui desde sempre foi lutar com roça e gado”. Além disso, o Sr. Joaquim tem um pequeno comércio e um carro que faz horário para Piracuruca nos dias de feira. E completa com orgulho: “O Deserto é conhecido como Deserto dos Brito”.

De fato, historicamente a ligação do povoado Deserto com a família Brito é muito forte, pois a família foi decisiva na criação do povoado desde o início da ocupação das terras. Para simbolizar a afirmação acima de forma bem clara, há um cartão de visita logo na chegada, quando um imenso brasão português da família Brito ornamenta a varanda de uma das casas, na entrada do povoado.

Destaque para o Brasão da Família Brito, exposto na varanda da casa pertencente a Cícero de Sousa Brito, filho de Antônio de Brito Magalhães (14/06/1909 – 29/05/2000) e Olga Alves de Souza Brito (04/01/1925 – 10/07/2015). Antônio de Brito Magalhães era o filho mais velho de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Britto Magalhães. Foto: F Gerson Meneses.

Pesquisando a história de ocupação das terras do Deserto, no livro do Registro Eclesiástico de Piracuruca de 1854, no item de número 92, o Deserto aparece como sendo de propriedade de Pedro de Britto Passos, cadastro feito em 20 de outubro de 1855. Conforme imagem e transcrição abaixo:

Recorte do livro do Registro Eclesiástico de Piracuruca de 1854, mostrando que em 1855 as terras da região do Deserto pertenciam ao patriarca dos Brito, Pedro de Britto Passos (8). Transcrição: Ricardo Medeiros.

Porém, a ligação dos “Britto Passos” com as terras do Deserto vão mais além, e continuaram com os descendentes de Pedro de Britto Passos. Em outro documento, o Deserto aparece como morada de Francisco de Brito Passos, um dos filhos de Pedro de Britto Passos e Ana Maria de Cerqueira. Conforme recorte abaixo, que mostra o assento de morte de Francisco, ele era morador no lugar Deserto, onde faleceu em 12 de fevereiro de 1905, aos 78 anos. Deixou testamento para 7 filhos maiores e já era viúvo de Dona Mariana Rita de Jesus.

Registro da morte do Capitão Francisco de Brito Passos, morador do Deserto. Francisco de Brito Passos (Capitão Chico Brito) está sepultado no cemitério da localidade Jacareí de Baixo (11). Um cenário histórico que além do cemitério, inclui uma capela datada de 1885.
Capela e cemitério do Jacareí de Baixo, em destaque o túmulo de Francisco de Brito Passos. Diz na lápide que ele deixou 7 filhos, 53 netos e 2 bisnetos quando faleceu. Foto: F Gerson Meneses.
Visitei o histórico local no Jacareí de Baixo, em setembro de 2022. Foto: acervo do autor.

Joaquim e Genoveva Brito

Entre tantos descendentes da família Britto (ou Brito), um casal se destaca como sendo os formadores de uma grande prole a partir do Povoado Deserto, trata-se do casal Joaquim Avelino de Britto (1886 – 1962) e Genoveva de Britto Magalhães (1879 – 1940). Conforme supracitado, são os avós do Sr. Joaquim Fontenele de Brito.

Assento de casamento de Joaquim e Jenoveva (aqui escrito com “J”), que ocorreu em 23 de outubro de 1906. Conforme destaque, Joaquim era residente na Fazenda Deserto e foi lá que o casal fixou residência (7).
Casal Genoveva de Britto Magalhães e Joaquim Avelino de Brito. Foto: acervo Alcionéa Brito (1).
Certidão de óbito de Joaquim Avelino de Brito. Sua morte ocorreu em 22 de junho de 1962, no lugar Deserto e lá também foi sepultado (7).

Ascendência de Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães

Ao traçar a ascendência do casal Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães, perceberemos que ambos descendem diretamente da família Brito, porém, de ramos a princípio diferentes, conforme digo adiante.

Joaquim Avelino de Brito: era filho do Capitão Antônio Avelino de Brito (≈1869 – ?) e Milarinda Rosa de Mello (≈1863 – 1946) (3), eram moradores na localidade Deserto (7). Joaquim e seu pai Antônio aparecem na relação de proprietários de estabelecimentos rurais recenseados do Piauí. No levantamento que foi feito em 1920 ambos estão como proprietários da localidade Deserto, conforme figura abaixo:

Recorte com uma parte dos proprietários de terras de Piracuruca no Censo Rural de 1920. Em destaque, os de números 184 e 185, respectivamente Antônio Avelino de Brito e Joaquim Avelino de Brito, assinalados como proprietários da localidade Deserto (6).

Em (3), constam 6 filhos do casal Antônio Avelino de Brito e Milarinda Rosa de Mello, além de Joaquim Avelino de Brito, aparecem também os seguintes:

  • Avelina de Brito Mello;
  • Felina de Britto Mello;
  • Gerancina de Brito Mello;
  • Mariano de Brito Mello;
  • Pedro Avelino de Brito.

Em tempo: Sobre Mariano de Brito Mello, irmão de Joaquim Avelino de Brito, ele foi destaque como homem público na primeira metade do século passado, entre outros cargos que ocupou, foi Intendente de Piracuruca em 1919 e Juiz de Piracuruca em 1930 (14).

Dona Milarinda vem da família Mello, por parte de mãe. A família Mello é outra muito representativa na região de Piracuruca, Milarinda era filha de Benício Paulo de Alencar (1830 – 1904) e Avelina Rosa de Mello (1842 – 1920). Ainda da parte materna a sua ascendência é a seguinte: era neta de Diógenes Benício de Mello (1820 – ?) e Geracina Rosa de Melo (≈1821 – 1891) e bisneta dos pernambucanos Onofre José de Mello (1794 – 1889) e Cecília Maria das Virgens (1799 – 1898) (3).

Em tempo: De acordo com (12), Onofre José de Mello e Cecília Maria das Virgens são os progenitores de toda a família Melo do Piauí e fundadores da Casa do Desterro na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca.

Já Antônio vem da família “Avelino de Brito”, até o momento não encontrei dados concretos sobre a ascendência familiar e geográfica de Antônio Avelino de Brito. Porém, em (9) constam informações de membros dessa família em cidades da região de Juazeiro do Norte – CE. Há também dados, a partir de (3), que apontam que a ascendência geográfica e familiar de Antônio é originária do Rio Grande do Sul. Ocorrem também relatos sem confirmação de fontes, que seus antecedentes migraram do Rio Grande do Sul para São Paulo e em seguida para o nordeste do Brasil.

Em tempo: Essa questão da possibilidade da ascendência familiar e geográfica de Antônio Avelino de Brito estar ligada ao Rio Grande do Sul me remete a meados dos anos 1980, precisamente em 1985 quando o jornalista gaúcho Antônio Britto deixou a Rede Globo para ser secretário de imprensa de Tancredo Neves. Na época, Antônio Britto teve uma grande visibilidade na TV, informando diariamente à população sobre o estado de saúde do então presidente eleito do Brasil. Tancredo veio a falecer e Antônio Britto fez o comunicado oficial da morte em 21 de abril de 1985, meses depois publicou o livro “Assim Morreu Tancredo”. Na época os rumores na cidade de Piracuruca eram que Antônio Britto tinha parentes próximos em Piracuruca e isso ficou na minha lembrança. Tais rumores se davam pelo sobrenome “Britto” e também pelas suas feições físicas que mostram uma certa semelhança com membros da família Brito de Piracuruca e particularmente do Povoado Deserto. Depois da morte do presidente Tancredo Neves, Antônio Britto deu continuidade à sua carreira política, foi deputado federal, ministro e governador do Rio Grande do Sul, eleito em 1994. Hoje trabalha na iniciativa privada. Dados biográficos de Antônio Britto obtidos em (10).

O jornalista Antônio Britto, quando era repórter da Rede Globo.

Importante: Antônio Britto é filho de Antônio Saturnino Correia de Britto (1902 – 30/08/1963) e Yolanda Britto (1929 – 10/09/2020). O pai Antônio Saturnino Correia de Britto, era natural do Rio Grande do Sul e morador de Santana do Livramento – RS, era filho de Bernardo Floriano Corrêa de Britto, natural de Pernambuco e de Cândida Arruda de Britto, natural do Rio Grande do Sul. Já a mãe Yolanda Britto, era natural de Pelotas-RS e filha do imigrante libanês Pedro Karam e de Constança Siqueira (7, 10, 22). Portanto, se houver algum vínculo genealógico entre os Brito do Deserto e o Jornalista Antônio Britto, é provável que seja a partir do pernambucano Bernardo Floriano Corrêa de Britto, avô do jornalista. Porém, qualquer certeza sobre esse assunto só pode ser obtida a partir de um estudo genealógico mais aprofundado.

Árvore genealógica de Joaquim Avelino de Brito até o terceiro grau. Como se observa, até o momento não encontrei os seus ascendentes paternos de 2º e 3º graus (3).

Genoveva de Britto Magalhães: começo a sua genealogia a partir dos portugueses Agostinho de Brito Passos e Joana Pereira de Sousa (≈1730 – ?). Agostinho nasceu no dia 10 de junho de 1710, no lugar de Brito, Freguesia de Santa Eulália de Paços de Ferreira, Porto – Portugal e faleceu em Granja – Ceará – Brasil, no dia 26 de fevereiro de 1781. Ao se aventurar por terras brasileiras, Agostinho trouxe o nome da sua terra natal (‘Paços’ que passou a escrever ‘Passos’) e agregou ao seu sobrenome, formando um dos sobrenomes de maior expressão da Ibiapaba (os “Britto Passos”) tanto do lado cearense como do lado piauiense. Isso, a partir da segunda metade do século XVIII (2, 5).

Em destaque, a Região da freguesia de Santa Eulália de Paços, cidade de Paços de Ferreira, distrito do Porto – Portugal. Região de origem de Agostinho de Britto Passos. Infografia: F Gerson Meneses.

Da união conjugal de Agostinho de Brito Passos e Joana Pereira de Sousa nasceram 15 filhos, entre eles um homônimo ao pai. Agostinho de Brito Passos Júnior (≈1780 – ?), nascido em Granja-CE, que casou-se com Ana Rodrigues Ramos e daí nasceu Pedro de Brito Passos (1794 – 1875). Pedro casou-se com Ana Maria de Cerqueira, que era filha do também granjense Capitão Gonçalo Machado de Cerqueira (1752 – 1834) e de Bárbara Maria da Rocha (≈1760 – ≈1825) (2,3).

Agostinho Filho (pai de Pedro) e Gonçalo (pai de Ana), foram pioneiros em desbravar o norte do Piauí, seguindo as ribeiras dos rios Piracuruca, Jacareí e Pirangi e coube aos seus filhos Pedro de Brito Passos e Ana Maria de Cerqueira, já casados, fixarem residência na Fazenda Chafariz nas antigas terras de Piracuruca que hoje pertencem ao município de Cocal dos Alves. Tiveram 9 filhos e daí deram início a uma das famílias mais importantes do norte do Piauí (2), trazendo uma valorosa e ilustre descendência, como por exemplo as personalidades abaixo:

Alguns personagens da valorosa descendência de Pedro De Britto Passos. Infografia: F Gerson Meneses.

Em tempo: no final desse artigo tem os links para matérias específicas sobre Gervásio de Brito Passos, Anísio Brito, Hermínio Conde e Gerson Boson.

Pedro de Brito Passos se tornou um dos homens mais ricos do Piauí, uma fortuna só superada pela de Simplício Dias da Silva da Parnaíba. De acordo com Vicente Miranda, a riqueza de Pedro era estimada em quatro milhões de dólares (2). Entre tantos descendentes de Pedro de Brito Passos e Ana Maria de Cerqueira, aqui destaco o filho Antônio de Brito Passos (1824 – 1903), irmão do supracitado Francisco de Brito Passos (Capitão Chico Brito).

Certidão de óbito do Capitão Antônio de Britto Passos, que faleceu em 16 de abril de 1903 na Fazenda Tabuleiro Grande em Piracuruca. Deixou 9 filhos, destaque para Brígida de Britto Passos “Magalhães” (7).

O Capitão Antônio de Britto Passos casou-se com Anna Cardoso da Conceição (1825 – 1907), Dona Ana era natural de Viçosa-CE e tem uma pequena variação no nome em alguns documentos, chegando a se chamar também Ana Cardoso de Jesus (4). De acordo com Vicente Miranda, o casal Antônio e Anna são os fundadores do município piauiense de Cocal do Alves (4). Esse município ao se emancipar, foi composto por terras do município de Piracuruca. Saliento aqui a proximidade entre a sede do município de Cocal dos Alves e o Povoado Deserto, menos de 17 km em linha reta, como também entre a Fazenda Chafariz (hoje parte de Cocal dos Alves) e o Povoado Deserto, menos de 18 km em linha reta.

Recorte que mostra a proximidade entre o Povoado Deserto, a sede do município de Cocal dos Alves e a Fazenda Chafariz. Os três locais compreendiam as antigas terras dos Brito Passos. Chafariz foi onde moraram Pedro de Britto Passos e Ana Maria de Cerqueira. Infografia: F. Gerson Meneses.

Sobre Dona Brígida de Brito Passos, filha do Capitão Antônio de Britto Passos e Anna Cardoso da Conceição, ela casou-se com o Major Joaquim Rodrigues Magalhães (1850 – 1933) e juntos são os pais de Genoveva de Brito Magalhães, esposa de Joaquim Avelino de Brito. Conforme se observa, o Major Joaquim Rodrigues Magalhães trouxe o sobrenome Magalhães. Assim, formou-se o sobrenome “Brito Magalhães” que foi usado pelos filhos de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Brito Magalhães.

Em tempo: Conforme (13), os Magalhães da Serra da Ibiapaba e provavelmente da Piracuruca, descendem do casal Inácia Maria do Nascimento, nascida em 1748, casada com Antônio do Espírito Santo de Oliveira Barcelos. Ainda segundo a mesma fonte, a origem se dá em Siupé – São Gonçalo do Amarante-(CE), onde em 5 de março de 1738 foi realizado o casamento do capitão Antônio Rodrigues Magalhães, natural de Sergipe e Quitéria Marques de Jesus, natural do Rio Grande do Norte (Antônio e Quitéria são os pais de Inácia Maria do Nascimento). Esse é o tronco secular da família Magalhães no Ceará.

Árvore genealógica de Genoveva de Britto Magalhães até o terceiro grau (3).

Descendência de Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães

Portanto, conforme observado acima, o casal Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães eram descendentes da família Brito, a princípio, por vias diferentes. Joaquim descende dos “Avelino de Brito” e Genoveva descende dos “Brito Passos”. Tiveram 10 filhos os quais estão listados abaixo (1):

  • Antônio de Brito Magalhães
  • Benício de Brito Magalhães
  • Brígida de Brito Magalhães
  • Eliseu de Brito Magalhães (Major)
  • Francisca de Brito Magalhães
  • Luiz de Brito Magalhães
  • Maria de Brito Magalhães
  • Nair de Brito Magalhães
  • Raimundo de Brito Magalhães (Bidoca)
  • Tomaz de Brito Magalhães
O casal Joaquim Avelino de Britto e Genoveva de Britto Magalhães com os filhos. Foto: acervo Alcionéa Brito (1), colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.
Sr. Joaquim Fontenele de Brito me leva até o casarão onde morou o seu avô Joaquim Avelino de Brito. Diz ele: “meu avô herdou essa casa do pai dele, é muito grande, tem muitos quartos, atualmente está sendo reformado.” Foto: F Gerson Meneses.
Diante da entrada do casarão, o Sr. Joaquim Fontenele de Brito, resgata memórias da infância quando diz: “eu vi o meu avô morrer aqui”. Foto: F Gerson Meneses.
Telhas do velho casarão retiradas durante a reforma e guardadas por Alcionéa Brito. Foto: acervo Alcionéa Brito (1). Segundo o Sr. Joaquim Fontenele de Brito, as telhas da casa vieram para Luis Correia de navio e de lá para o Deserto em lombo de burro.

Dessa família formou-se uma grande descendência que em muito contribuiu e contribui com o desenvolvimento social, econômico e político de todo o norte do Piauí e região. Nessa histórica fotografia acima, além do casal Joaquim e Dona Genoveva, destaco o filho mais velho, o supracitado Antônio de Brito Magalhães (1909 – 2000) e a filha mais velha, Nair de Brito Magalhães (1913 – 1995). Além deles apresento alguns outros descendentes de Joaquim e Genoveva, muitos outros devem ser adicionados a partir do continuar dessa pesquisa.

Antônio de Brito Magalhães (23).

Sobre Antônio de Brito Magalhães, o Sr. Joaquim Fontenele de Brito diz:

Antônio de Brito Magalhães era meu tio, irmão mais velho de meu pai Benício de Brito Magalhães. Meu tio Antônio tinha um grande comércio, na época do trem era muito movimentado aqui, ele comprava cera, tucum, etc. Fornecia lenha e dormentes para a Estrada de Ferro, de Luís Correia até São Luiz. Tinha muitas posses, ganhou muito dinheiro através da REFSA e mandou os filhos estudarem fora.

Antônio de Brito Magalhães. Foto: acervo Cícero Brito (23).
Esse casarão logo na entrada do Povoado é mantido pelos descendentes de Antônio de Brito Magalhães e foi construído no local onde funcionava o antigo comércio. Foto: F Gerson Meneses.
Uma pintura que mostra detalhes de como era o casarão. Registro: acervo Cícero Brito (23).
Antônio de Brito Magalhães, ladeado pelo filho Cícero de Sousa Brito e esposa Dona Olga Alves de Souza Brito (23). Cícero e sua esposa Maria Adriana da Silva Brito são os cuidadores dos bens deixados por Antônio de Brito Magalhães, incluindo o Casarão e as Capelas vistas a seguir. Foto: acerto Cícero Brito (23).

Antônio de Brito Magalhães e Dona Olga Alves de Souza Brito estão sepultados em uma capela, ao lado da capela principal do povoado.

Capela onde está sepultado o casal Sr. Antônio de Brito Magalhães e Dona Olga Alves de Souza Brito, fica na área principal do Povoado e foi construída por Dona Olga, para abrigar o corpo do esposo (23). Foto: F Gerson Meneses.
A capela fica próxima à capela principal do povoado que é dedicada a Nossa Senhora da Imaculada Conceição (23). Foto: F Gerson Meneses.
Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição que é a Padroeira do Povoado, foi construída por Antônio de Brito Magalhães. Todos os anos é comemorado o festejo da padroeira (23). Foto: F Gerson Meneses.
Detalhes da Capela: o cruzeiro principal, a luminária, o sino e a estátua de São Francisco. Apesar de não ser o Padroeiro, a estátua foi colocada na lateral frontal da Capela. A colocação se deu em virtude de uma promessa feita por Cícero de Sousa Brito, filho de Antônio de Brito Magalhães. Anteriormente essa imagem de São Francisco ficava exposta no Bairro Guarita em Parnaíba (23). Foto: F Gerson Meneses.

Já Nair de Brito Magalhães nasceu em 2 de maio de 1913, casou-se em 10 de junho de 1936 com Francelino Valente da Costa Filho (Mestre Branco) (N. 18/08/1907 – F. 09/06/2006). Dona Nair faleceu em 22 de agosto de 1995 (20).

Nair de Brito Magalhães (23).
Casamento de Francelino Valente da Costa Filho “Mestre Branco” e Dona Nair de Brito Magalhães Costa em 10/06/1936 (20). Foto obtida de (14), colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.

Mestre Branco e Dona Nair são os pais do Desembargador e intelectual José Magalhães da Costa (in memoriam).

Desembargador Magalhães da Costa (19). Nascido em Piracuruca a 18 de maio de 1937, foi o primeiro filho de Mestre Branco e Dona Nair. Portanto, era neto materno de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Britto Magalhães (20).

Magalhães da Costa era amante do Direito e da Literatura, no Direito, foi juiz em várias cidades do Piauí e alcançou o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí e na Literatura, desde a universidade mostrou-se um dos mais fecundos representantes da literatura regional, com publicações em várias antologias, seus contos podem ser encontrados em várias obras, entre elas: Estação das Manobras (1986), Casos Contados e outros Contos (1996). Titular da cadeira 34 da Academia Piauiense de Letras, sua prosa tornou-se mais popular com a indicação do livro Traquinagem (1999) para o vestibular da Universidade Estadual do Piauí – UESPI (20, 21).

Em tempo: Sobre Magalhães da Costa, destaco os contos “Retrato de São Joaquim Caçador”, em que escreve sobre uma visita que fez aos avós Joaquim e Genoveva (Veva) no casarão do Deserto e “Os funerais do meu avô”, um conto que descreve um conjunto de episódios que ocorreram entre a morte e o sepultamento do seu avô Joaquim de Brito Avelino. Magalhães da Costa faleceu em 18 de junho de 2002 e hoje dá nome ao Auditório da UESPI em Parnaíba, ao Fórum da cidade de Pio IX-PI, a uma praça no centro de Piracuruca-PI e a uma rua em Teresina-PI.

Uma pintura de Joaquim Avelino de Brito. A figura mostra o autêntico “Joaquim Caçador” vindo da caça e trazendo um preá. Foto: acerto de Cícero Brito (23). 
Dois outros filhos de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Britto Magalhães, à esquerda Eliseu de Brito Magalhães (Major) e ao lado Luiz de Brito Magalhães (ambos In Memoriam). Foto: acervo de Cícero Brito (23).
Nesse registro, o Sr. Luiz de Brito Magalhães aparece ao lado de sua esposa Dona Clementina Gomes de Cerqueira, no dia do casamento do filho Chico Brito. Chico Brito, neto de Joaquim Avelino de Brito, casou-se com Alcionéa Brito, ao lado de Alcionéa está a sua mãe Dona Adelaide (1).  Foto: acervo de Alcionéa Brito (1), colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.

De acordo com Alcionéa Brito, o seu sogro Luiz de Brito Magalhães foi o doador do terreno usado para a construção do grupo escolar da comunidade.

Grupo Escolar Joaquim Avelino de Brito. Foto: F Gerson Meneses.

Segundo o Sr. Joaquim Fontenele de Brito o grupo escolar foi construído na gestão do prefeito Gonçalinho, e mais recentemente foi reformado por uma empresa que atua na região, que estruturou a escola. Ainda segundo o Sr. Joaquim o grupo escolar não funciona como escola, pois os alunos da comunidade estudam em outra localidade. A escola funciona como posto de atendimento, quando o médico vem atender na comunidade.

Nas minhas andanças pelo povoado, sempre acompanhado pelo Sr. Joaquim Fontenele de Brito, passamos por um lugar muito importante para ele, é o local onde estão sepultados os seus pais. Diz ele: “quando meu pai estava para morrer pediu para ser enterrado onde dava de comer as vacas dele e assim foi feito, no local foi construída essa capela”.

Capela onde está sepultado mais um filho de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Britto Magalhães, aqui descansa Benício de Brito Magalhães (1917 – 2006) e sua esposa Olinda Rosa Fontenele (1917 – 2011). Foto: F Gerson Meneses.
O Casal Benício de Brito Magalhães e Olinda Rosa Fontenele, estão sepultados dentro da capela.
Sr. Joaquim Fontenele de Brito, entre os túmulos dos seus pais. Foto: F Gerson Meneses.
Sr. Joaquim Fontenele de Brito em um casarão próximo à capela. Diz ele: “é a casa onde morou meus pais, aqui nasceram eu e meus irmãos…meu pai morreu aqui nessa casa.” Foto: F Gerson Meneses.
O Sr. Benício de Brito Magalhães ornamentou a varanda da sua casa com uma pintura que retratava o seu cotidiano. Na figura, ele sendo o vaqueiro contemplando o seu rebanho de gado. De acordo com o Sr Joaquim Fontenele de Brito: “o pintor morava no Ceará, essas pinturas eram uma tradição da família”. Foto: F Gerson Meneses.

Chama a atenção próximo à Capela, uma estátua em homenagem a Francisco Fontenele de Brito (Chico Benício) (1942 – 2016), ele era irmão do Sr Joaquim Fontenele de Brito. Chico Benício também está sepultado na mesma capela onde estão seus pais.

Estátua de Chico Benício, filho de Benício de Brito Magalhães e Olinda Rosa Fontenele. Foto: F Gerson Meneses.

A EFCP antes de chegar ao Povoado Deserto

Ainda em 1920, antes da chegada ao Povoado Deserto que se deu em 1923, o trem já apitava no litoral do Piauí, porém foi a partir de 1922 que a Estrada de Ferro Central do Piauí – EFCP passou a se estender. Saindo de Parnaíba, os trilhos avançaram até a cidade de Piracuruca, passando por vários povoados, dentre eles: Boa Vista, Marruás, Bom Princípio, Frecheiras, Cocal e Deserto. Esta foi a ampliação até 1923. Em algumas paradas foram construídas estações ou uma pequena plataforma, caixa d`água e poço para abastecer as locomotivas (18).

Duas locomotivas chegando em Amarração de navio e sendo desembarcadas em 1920. Segundo o Sr. Joaquim Fontenele de Brito: “para a passagem da Estrada de Ferro os donos de terra da época doaram 30 metros de terra acompanhando a linha”. Foto colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.
Antiga locomotiva da Estrada de Ferro Central do Piauí – EFCP (18). Foto colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.

No caso das Estações do trecho entre Parnaíba e Deserto, o avanço da EFCP se deu com as seguintes distâncias: 37 km de Parnaíba até Bom Princípio, 12 km de Bom Princípio até Frecheiras, 12 km de Frecheiras até Cocal e finalmente 22 km de Cocal até a Estação do Deserto (17).

Estações do Trecho entre Parnaíba e Cocal: 1 – Parnaíba, 2 – Bom Princípio, 3 – Frecheiras, 4 – Cocal. Com essas Paradas e Estações, formaram-se cidades como Bom Princípio e Cocal. Após o encerramento da linha, a maioria dos prédios dessas Estações foram reutilizados e usados como sedes de órgãos públicos e/ou museus, com exceção da Estação de Frecheiras.

Em tempo: No final desse texto, tem links para matérias relacionadas à Esplanada da Estação de Parnaíba e a Estação de Floriópolis.

Estações de Trem de Piracuruca e do Deserto

A chegada do trem na estação de Piracuruca ocorreu às onze horas do dia 19 de novembro de 1923 foi um evento memorável, era uma locomotiva movida a lenha, toda enfeitada de fitas e bandeirolas que fez a sua triunfal parada na gare da estação. A vibração dos presentes transformou-se em emoção e alegria regada a champanhe. Nesse dia ainda teve um almoço e encerrou-se com um baile ocorrido na sede da antiga intendência (14, 15, 16).

Estação Piracuruca, de arquitetura inglesa (14). Nessa fotografia do passado piracuruquense, observa-se o movimento da chegada do trem na Estação. No destaque, o cidadão Francisco de Brito Magalhães (Chico Brito). Foto: Acervo da Casa de Cultura de Piracuruca e colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.

O grande sonho dos trilhos chegarem até Piracuruca foi realizado graças principalmente ao empenho do Senador Gervásio de Britto Passos (23/06/1837 – 07/02/1923), filho de Pedro de Britto Passos. Gervásio colocou esse projeto como prioridade e foi um dos maiores incentivadores, a partir do momento em que tomou posse no Senado Federal em 1908. Porém, Gervásio não participou da triunfal chegada do trem, pois morreu em 7 de fevereiro do mesmo ano, cerca de 8 meses antes da chegada do primeiro trem (14 ,15, 16).

A estação ferroviária era o símbolo da ferrovia, cujo objetivo era o escoamento dos produtos líderes da economia da região, tais como o gado e a cera de carnaúba, rumo aos mercados compradores, inclusive ao exterior. Muitos chegaram a prever que a chegada do trem marcaria o alvorecer de uma nova era. De fato, a partir do 19 de novembro, com a ligação por trem até o litoral, Piracuruca deu início a um período de grande prosperidade, com melhorias econômicas e sociais, foi um sopro de progresso (14, 15, 16).

Ferroviários sobre uma locomotiva a vapor. Essa fotografia foi obtida por mim em 2002 para a matéria “Estação do Abandono” na Revista Ateneu 1. Pertencia ao acervo da esposa de um ex-ferroviário que morava em Teresina-PI. Foto colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.
Pessoas posando para foto tendo por trás uma locomotiva, em destaque o Sr. Antônio Carvalho de Brito (Tonico) (1936 – 2015), natural do Deserto e funcionário da REFSA. Antônio Carvalho de Brito era esposo de Francisca das Chagas Fontenele Brito (1945 – 2020), Francisca era filha de Benício de Brito Magalhães, portanto, neta de Joaquim Avelino de Brito. Foto do acervo de Valéria Fontenele (24) e colorizada digitalmente por F Gerson Meneses.

Piracuruca ficou sendo parada final da ferrovia até 1936, quando foi inaugurado o trecho até Brasileira, depois em 1937 até Piripiri e em seguida 1952 até Campo Maior. Assim, a ferrovia seguiu lentamente se estendendo até 1969, quando chegou a Teresina. Aí sim, a Estrada de Ferro Central do Piauí ligava o litoral até a capital do Estado do Piauí, sendo intensificado o transporte de passageiros (16).

A Estação Ferroviária de Piracuruca, registros de 10 de setembro de 2022, atualmente o prédio está restaurado e é ocupado e cuidado pela APAE de Piracuruca.

Porém, 39 km antes da chegada à Estação de Trem da Piracuruca, no histórico dia 19 de novembro de 1923, a Maria Fumaça passou por outra Estação recém inaugurada na época e em um local de bastante relevância. Foi o Povoado Deserto, o escolhido para abrigar uma outra Estação menor que a de Piracuruca, mas de arquitetura bem parecida.

A Estação Ferroviária do Povoado Deserto. Registros de 1º de janeiro de 2023, conforme se observa, o prédio vem penosamente sofrendo pelo abandono. Fotos: F Gerson Meneses.

Em tempo: Portanto, assim como a Estação de Trem de Piracuruca, a Estação de Trem do Povoado Deserto também é datada de 1923. Assim, o ano de 2023 marca o centenário de ambas, de acordo com as datações expostas em seus frontões.

A partir de 1923 com o início do movimento na ferrovia, a passagem do trem pelo Povoado Deserto deu um ar de prosperidade para o lugar, o progresso foi em todas as áreas, principalmente nas áreas social e econômica. Portanto, a Estação do Povoado era um ponto de embarque e desembarque que atendia a várias comunidades do entorno para o transporte de pessoas e mercadorias. A princípio o destino era Piracuruca (ao sul) e o litoral (ao norte) e depois, com o avanço da linha de ferro rumo ao interior do estado, o destino também passou a ser a cidade de Teresina. Contemporâneo desses tempos prósperos, o Sr. Joaquim Fontenele de Brito lembra com saudade do período do trem, dos moradores mais antigos ele é o que ainda mora mais perto do antigo prédio da Estação. Diz ele:

“A estrada de ferro era muito importante e quando acabou nós sentimos muita falta, tinha o transporte na porta, mercadorias, vendas dos bichos, a economia mudou com a falta do trem, só que também a máquina matava muitos bichos no meio da linha, tinha prejuízo também, mesmo assim era bom, muito movimento, tinham muitos “cassacos” (trabalhadores da linha de ferro) morando aqui e se fornecendo… quando o trem começou a andar por aqui ainda era a maria fumaça, movida a lenha, eram dois homens jogando lenha, era viajando e os homens jogando lenha… eu viajava muito para Teresina e para Parnaíba, meu pai José Benício comprava gado e levava para vender em Parnaíba, o gado ia no trem, tinha um vagão próprio para carregar gado, tinha a plataforma própria para o embarque do gado, eu ia acompanhando meu pai, ia em um dia e voltava no outro, ia no meio-dia e saia de lá no outro dia cedinho”.

Sr. Joaquim na plataforma de embarque da velha Estação, apontando para a direção do litoral e lembrando dos áureos tempos do trem. Foto: F Gerson Meneses.

Para o Sr. Joaquim, o período melhor para a economia do Povoado foi quando funcionou a linha:

“…próximo da Estação tinham umas banquinhas com mulheres vendendo coalhadas, galinhas, ovos, bolos, tudo para os passageiros do trem, aqui tinha fartura…eu era pequeno e lembro, tinha dia que tinha 50 a 60 jumentos com cangalha cheia de cera e tucum, o meu tio Antônio de Brito Magalhães comprava tudo e vendia para Parnaíba…era movimentado o comércio aqui”.

Mantém-se o timbre da REFSA em uma das paredes da Estação do Deserto. Foto: F Gerson Meneses.
Marcações da Altitude e Posição Quilométrica da Estação do Deserto. Foto: F Gerson Meneses.

Sr. Joaquim me relata como funcionava o movimento da Estação:

“…era vendido as passagens, tinha a cabine de vender passagem, já o gado era por cabeça e mercadoria era na carga…tinha o sino, quando o trem saia de Piracuruca tinha a badalada para avisar ao povo…tinha o curral de embarcar o gado, lugar onde embarcava os bois, a gente pedia um carro quando era muito gado para levar, cada carro levava 25 gados de cada vez, quando tinha 25 gados a gente já reservava o carro”.

Aqui ficava o cofre onde era colocado o dinheiro e documentos. Foto: F Gerson Meneses.
Local onde ficava o telefone, “A nossa Estação se comunicava com as demais Estações de Teresina a Parnaíba… para cada uma Estação tinha uma chamada diferente” diz Sr. Joaquim. Foto: F Gerson Meneses.
Janela da antiga casa do encarregado da Estação, sobre ela o Sr. Joaquim diz: “havia a casa do agente e a do cassaco, o agente morava com a família…a melhor casa que tinha aqui era a da REFSA, tinha um piso de primeira, muito bem repartida”. Foto: F Gerson Meneses.

De acordo com o Sr. Joaquim, “o último trem passou na Estação no início dos anos de 1990 e com o fim da linha muita gente foi embora e a população do povoado diminuiu e agora com o abandono estão tirando os trilhos, cerrando com maçaricos e levando embora para vender”.

Para o Sr. Joaquim, não há esperanças de que a Estrada de Ferro volte a funcionar. “O dinheiro já veio várias vezes para isso e não foi feito”, diz ele. Foto: F Gerson Meneses.

Retratos do abandono

A Estação de Trem do Deserto, datada de 1923. Foto: F Gerson Meneses, registro de 1º de janeiro de 2023.

A partir do final da década de 1970, quando começou a desativação, aos poucos a Ferrovia foi entrando em desuso até o seu total abandono e assim, todo o patrimônio da Estrada de Ferro ficou entregue ao tempo, sem o mínimo de investimento e sem um projeto sério para a sua reativação.

A LEI Nº 11.483, de 31 de MAIO DE 2007, trata da transferência dos bens imóveis da extinta REFSA para a união entre outros assuntos relacionados à antiga Rede Ferroviária (25). Entre esses bens imóveis, em Piracuruca dois deles constam na lista de bens declarados como de valor histórico, artístico e cultural. São eles: A Estação Ferroviária de Piracuruca e a Esplanada da Estação de Piracuruca, já a Estação de Trem do Deserto não consta nesta lista.

Assim, conforme vimos, alguns prédios de Estações foram reutilizados como a Estação de Trem de Piracuruca, já outros como a Estação de Trem do Deserto está abandonada, acumula várias promessas de reforma do prédio ao longo do tempo, mas o que observei na minha visita foi uma total desolação que mostrarei em fotos a seguir:

Frontão da Estação que apresenta rachaduras em sua estrutura. Foto: F Gerson Meneses.
O prédio está descoberto. Foto: F Gerson Meneses.
Um mandacaru sobre o teto do prédio da Estação Ferroviária. Foto: F Gerson Meneses.
As telhas estão dentro de um dos salões da Estação. Foto: F Gerson Meneses.
Uma imensa rachadura a partir do teto da Estação até o piso. Foto: F Gerson Meneses.
Outras rachaduras comprometem seriamente o prédio. Foto: F Gerson Meneses.
Ao lado da Estação, a casa do encarregado também está abandonada. Foto: F Gerson Meneses.
Vista da casa do encarregado que também está abandonada. Foto: F Gerson Meneses.

Também estão abandonados ou já foram eliminados outros itens da infraestrutura da Estação, como a caixa d’água, o poço e o motor.

O Povoado Deserto atualmente

Após ter perdido grande parte dos seus moradores e ter tido um relevante decréscimo econômico com o encerramento da linha férrea, o Povoado Deserto segue sendo um grande arcabouço de memórias sustentadas por alguns dos integrantes da Família Brito, como por exemplo o Sr. Joaquim Fontenele de Brito, que me acompanhou nesta empreitada de visita ao povoado e a quem eu aproveito para agradecer pela hospitalidade e presteza.

Paisagem rural do Povoado Deserto. Foto: F Gerson Meneses.
Vista aérea do centro do Povoado, de dentro para fora, com a Estação Ferroviária sendo observada ao fundo. Foto: F Gerson Meneses
Alguns dos vários casarões centenários do Povoado Deserto. Fotos: F Gerson Meneses.

Apesar de não haver mais toda a abundância de outrora, muitos dos moradores ainda mantêm os pilares básicos que sempre prevaleceram na economia do Povoado, que são a criação de gado e a agricultura.

Currais de gado ainda são vistos pelo povoado. Foto aérea: F Gerson Meneses.

Um dos legados que os antigos moradores do povoado deixaram para a posteridade foi um açude, conforme me relatou o Sr. Joaquim Fontenele de Brito: “o açude foi feito manual, a lama foi tirada em couro de boi, dois homens de um lado e dois homens de outro, tirando a lama”.

O açude, que acumula a água da chuva e a mantém durante o verão, é mais um símbolo da prosperidade e abundância que havia no Povoado, Sr Joaquim relata que havia muito peixe e que em outros tempos vinha muita gente de todo lugar para pescar no açude. Ele diz: “era grande o açude, aqui se andava de balsa, tinha traíra, curimatã, piranha…se juntava de 30 a 40 pescadores e todos saiam com seus peixes… tinha o dia da pescaria e tudo era controlado, hoje está mais liberado, mas naquele tempo era diferente”.

O Sr. Joaquim lembra do dia em que salvou um rapaz de morrer afogado no açude. “…eu salvei um rapaz de afogamento aqui, ele não sabia nadar, um outro rapaz empurrou ele dentro e ele não sabia nadar, eu peguei por baixo e salvei ele, ele vomitou muita água. Foto: F Gerson Meneses.

Além das memórias, o Povoado vive dias em que o agronegócio bateu à porta, a instalação de uma empresa nas proximidades alterou consideravelmente a rotina dos moradores. De acordo com o Sr. Joaquim:

“A empresa fica há uns poucos km de distância daqui e os caminhões passam aqui dentro da comunidade, levantando poeira, é um sofrimento para todos devido a poeira, alguns moradores inclusive já foram embora da comunidade por causa desta questão, as vezes passam 10 bitrens carregadas levantando poeira, coisa que 500 metros de calçamento resolveria, mas estou preparando um abaixo assinado para pedir ao prefeito que tome providências…minha casa é um das que ficam mais expostas a essa poeira.”

Proximidade entre o Povoado Deserto e área desmatada para o agronegócio. Uma grande parte das terras hoje pertencentes à empresa foram adquiridas a partir de descendentes da Família Brito. Infografia: F Gerson Meneses.

Apesar de tudo, houve benefícios após a chegada da empresa, como: a energia elétrica, alguns empregos que são gerados e benfeitorias como a melhoria que foi feita na infraestrutura do Grupo Escolar Joaquim Avelino de Brito. Inclusive a empresa chegou a anunciar a restauração do prédio da Estação Ferroviária, o que até agora não ocorreu.

Apesar de ter um prédio em condições, a escola da comunidade não funciona. Assim, os alunos moradores no Povoado Deserto tem que se deslocar para outra localidade para estudar. Foto: F Gerson Meneses.

Em tempo: Sobre a chegada da empresa na região, é fato que o progresso tarda, mas uma hora vem e traz consigo uma preocupação com relação às questões ambientais. Assim, é essencial que o manejo ambiental seja correto, com o devido equilíbrio e limites relacionados à proteção da fauna e da flora, para que o dano ambiental seja o mínimo possível. Para mediar essa situação, existem os órgãos ambientais tanto no âmbito municipal, estadual e federal para fazerem as devidas ponderações e são eles que serão cobrados, principalmente pelas gerações futuras, caso haja qualquer descontrole e exagero vindo a afetar drasticamente o meio ambiente e o ecossistema como um todo.

Um exemplo bem claro sobre o impacto no aspecto ambiental é que boa parte da área desmatada para o agronegócio fica na bacia do Rio Jacareí, que é um dos principais afluentes do Rio Piracuruca.

Em destaque um dos cursos d’água formadores do Rio Jacareí e a sua proximidade com as áreas desmatadas para o agronegócio. Infografia: F Gerson Meneses.

Assim, o Povoado Deserto vive entre as glórias do passado, quando de um lado foi uma das principais paragens do trem, tornando-se um importante centro comercial na região, do outro lado, as incertezas sobre o futuro, com o agronegócio batendo à porta e aumentando cada dia a sua área de abrangência territorial. No cotidiano atual, o Povoado precisa de uma melhor convivência com o progresso que chega, precisa do básico que é escola e um posto de saúde, além da apoio para preservar a sua memória, para isso, o primeiro passo seria a RESTAURAÇÃO DO PRÉDIO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA.

 

Sr. Joaquim se despede e volta para casa dizendo ter esperança de ver pelo menos o velho prédio da Estação reformado e transformado em alguma benfeitoria para a comunidade, por exemplo um Posto de Saúde. Foto: F Gerson Meneses.

— F I M —

Links:

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Um homem múltiplo: A trajetória de Gerson Boson o piracuruquense que fez história em Minas Gerais

Um breve passeio pela Esplanada da Estação Ferroviária da Parnahyba

A charmosa estação de trem de Floriópolis em Parnaíba – Piauí

 

 


Fontes consultadas:
1 – Dados e acervo Alcionéa Brito.
2 – GASPAR, J. B. Revista Ateneu Nº 3. Coronel Pedro de Britto, nos “Passos da História”. Gráfica e Editora SIEART, 2021.
3 – FAMILY SEARCH. Árvore Genealógica de Joaquim Avelino de Brito e Genoveva de Britto Magalhães. Disponível em: https://www.familysearch.org/tree/pedigree/landscape/LDP1-DB4. Acesso em: janeiro de 2023.
4 – MIRANDA, V. O Arraial de Paris. Halley SA Gráfica e Editora. Teresina Piauí, 2019.
5 – LIMA, F. A. A. Siará Grande: Uma província portuguesa no nordeste oriental do Brasil. Fortaleza-CE, 2016.
6 – RECENSEAMENTO DO BRAZIL. Realizado em 1 de setembro de 1920. Relação dos Proprietários de Estabelecimentos Rurais Recenseados do Piauí. Rio de Janeiro, 1926.
7 – FAMILY SEARCH. Encontre sua família. Descubra a si mesmo. Disponível em: https://www.familysearch.org/. Acesso em: janeiro de 2023.
8 – Registro Eclesiástico das terras ocupadas na Freguesia de Nossa Senhora do Carmo em Piracuruca, 1854 – 1858.
9 – FAMÍLIA AVELINO DE BRITO. Disponível em: https://niceoshiro.wordpress.com/2022/05/09/familia-avelino-de-brito/. Acesso em: janeiro de 2023.
10 – MEMÓRIA GLOBO. Antônio Brito. Disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/perfil/antonio-britto/noticia/antonio-britto.ghtml. Acesso em: janeiro de 2023.
11 – MIRANDA, V. Três séculos de caminhada. Teresina-PI, Editora Halley, 2001.
12 – CARVALHO, E. Casa do Desterro. Disponível em: http://poetaelmar.blogspot.com/2015/07/casa-do-desterro.html. Acesso em: janeiro de 2023.
13 – MENESES, F. G. O berço da família Magalhães da Serra da Ibiapaba e na Piracuruca. Disponível em: https://portalpiracuruca.com/sobrenomes-e-heraldica/o-berco-da-familia-magalhaes-na-serra-da-ibiapaba-e-na-piracuruca/. Acesso em: janeiro de 2023.
14 – BRITO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú. Piripiri: Gráfica Ideal, 2003.
15 – BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos históricos da Piracuruca. Teresina: COMEPI, 1989.
16 – MENESES, F. G. Revista Ateneu Nº 4. 2023 é o ano de dois centenários marcantes para a Piracuruca. Gráfica e Editora SIEART, 2022.
17 – TEIXEIRA, M. L. G. Teresina 1890 – 1920 | Indústria, Ferrovia e Arquitetura. Dissertação de Mestrado – IAU USP, 2019.
18 – CERQUEIRA, M. D. F. Entre trilhos e dormentes: a Estrada de Ferro Central do Piauí na história e na memória dos parnaibanos (1960-1980). Dissertação de Mestrado, UFPI, 2015.
19 – COSTA, M. 50 Contos de Magalhães da Costa. Organizada por Joseli Lima Magalhães. Academia Piauiense de Letras. Coleção Centenário 130.
20 – MENESES, F. G. Ensaio histórico e genealógico dos Meneses da Piracuruca. SIEART Gráfica e Editora, Parnaíba 2022.
21 – MENESES, F. G. Revista Ateneu Nº 1. Alguns que fizeram história. Gráfica do Povo, 2003.
22 – GZH GERAL. Yolanda Britto, mãe do ex-governador Antônio Britto, morre aos 91 anos. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/09/yolanda-britto-mae-do-ex-governador-antonio-britto-morre-aos-91-anos-ckeyugiqy000401617dc8u0v9.html. Acesso em: janeiro de 2023.
23 – Dados e acervo Cícero de Sousa Brito e Maria Adriana da Silva Brito.
24 – Acervo de Valéria Fontenele.
25 – PORTAL IPHAN. Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2014-11-28%20-%20Veja%20aqui_%20Lista%20do%20Patrimonio%20Cultural%20Ferroviario.pdf?fbclid=IwAR0BEQZ1nalM6wjsoqgo9QPSPGuT3bChzbRBn4X2NEt7RqlodTWT8n82EvQ. Acesso em: janeiro de 2023.


Material em formato e-book:

Povoado Deserto: um patrimônio piracuruquense