O ilustre piracuruquense Senador Gervásio de Brito Passos

Antigo Retrato da Rua Senador Gervásio em Piracuruca
(Fonte: Piracuruca Túnel do Tempo (Thiago Alves))

Filho de Pedro de Britto Passos e Anna Maria Machado de Cerqueira, nasceu em Piracuruca(PI) em 23 de junho de 1837.

Em 1855, aos 18 anos de idade, alistou-se no Partido Conservador. Esse ato marcou oficialmente o início da extensa carreira política de Gervásio. Estava patente que havia herdado do pai, dentre outros valores, um grande senso de liderança. Sua capacidade nata de lidar com a coisa pública, facilitada pelo grande prestígio e hegemonia política que gozava sua família, o conduziria, indubitavelmente, à liderança dos destinos do partido e da comunidade piracuruquense.

Tamanha vocação o transformaria num político de renome, não apenas no âmbito municipal, mas nas esferas estadual e nacional. Ocuparia os cargos de Vereador, Presidente da Câmara Municipal, Deputado Provincial em cinco legislaturas na monarquia, Deputado Estadual em quatro legislaturas na república, Presidente da Câmara dos Deputados em uma legislatura, Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional e Senador da República.

No mesmo ano, ingressou na Guarda Nacional, no posto de Tenente. Naquele tempo, havia correlação implícita entre a “patente” e o cargo ou função que determinado cidadão detinha no cenário político.

Casou-se, em 04 de novembro de 1856, na Igreja Matriz de Piracuruca, com Carlota Maria de Moraes, filha de Joaquim Jozé de Moraes e Joanna Maria de Moraes, Na oportunidade, foram testemunhas os Srs. João Martiniano Fontenele, Domingos de Britto Passos e Higina Maria de Moraes. Dessa união nasceriam os seguintes filhos: Pedro Melquiades de Morais Britto, Teófilo de Morais Britto, Joaquim de Morais Britto, Antonio de Morais Britto, Leonília de Morais Britto, Rosa de Morais Britto, Luiza de Morais Britto, Joana de Morais Britto, Maria de Morais Britto, Vicência de Morais Britto e Benedita de Morais Britto.

Foi promovido a Coronel, em Carta-Patente datada de 03 de fevereiro de 1860.

O Partido Liberal tomou o poder no Brasil em 1862. Gervásio, contudo manteve-se fiel aos seus correligionários Simplício Mendes, Odorico Rosa e Antônio Gentil, mergulhando com eles num amargo ostracismo na política regional. “Revelou-se perfeitamente impermeável ao fascínio das posições governamentais que lhe foram oferecidas em troca de sua lealdade. Naquela hora de adversidade se alteou sua firmeza de homem incorruptível”. Foi longo e penoso o ostracismo. Durante muito tempo em Piracuruca excogitou-se toda a sorte de vexames e humilhações para molestá-lo, em vão.

Em 1864, ajudado pela função que vinha desempenhando de Presidente da Mesa Paroquial, foi eleito Juiz de Paz, cargo que deteve até 1876.

Ainda em 1864 foi promovido a Major.

Em Carta-Patente referendada pelo grande político e literato José de Alencar, em 1869 foi promovido a Tenente-Coronel. Naquela oportunidade, Gervásio já havia atingido, então o ápice de sua influência política no município.

Os relatos dos familiares e conterrâneos, atribuem a Gervásio um porte altivo e elegante. Tinha altura de 1,88m e vestia-se com impecável sobriedade.

Qualidades tais como firmeza de caráter, personalidade marcante, grande inteligência e extremo bom senso encarregaram-se de compensar sua pouca cultura. Tais atributos conferiram-lhe, também, o rótulo de autoritário, tal a firmeza que imprimia aos seus atos e decisões.

Uma amostra da grandeza de seu espírito de justiça foi dada no seguinte episódio: Em determinada ocasião, em pleito memorável, fora eleito Deputado Geral o Dr. Simplício Coelho de Resende, seu adversário. A Junta Apuradora de Parnaíba, da qual fazia parte Gervásio, depurou-se, porém, negando-lhe o diploma. A voz que se levantou protestando energicamente contra aquele esbulho foi, precisamente, a do Juiz de Paz de Piracuruca.

Prestou serviços à nação quando da Guerra do Paraguai, atuando como responsável pelo recrutamento de soldados na região.

Por força das circunstâncias, aceitou, em 1878, o cargo de Presidente da Câmara de Vereadores, tendo feito com grande sacrifício, uma vez que era do estilo da época que o chefe dominasse todas as posições municipais através de seus prepostos.

O prestígio de Gervásio era tanto que, mesmo com o desgaste experimentado por si por seus correligionários, no cenário regional, pelo domínio do Partido Liberal, venceu as eleições em 1880, conseguindo a renovação de seu mandato e, ainda, a Presidência da Câmara.

Em pleitos renhidos, consegue reeleger-se em 1881 e 1882. Na mesma época, volta a assumir o cargo de Juiz da Paz.

Recebeu a promoção a Coronel da Guarda Nacional em 18 de julho de 1888, patente referendada por Ferreira Viana.

Por sua já extensa lista de serviços prestados à coisa pública, foi agraciado, pelo imperador D. Pedro II, com a Comenda da Ordem da Rosa.

Em 15 de novembro de 1889, veio a Proclamação da República. A exemplo de todos os políticos Piauienses, Gervásio aderiu logo ao novo regime.

Em tempos de grandes mudanças no cenário político nacional, muitos chegaram a cogitar que havia chegado a hora da aposentadoria do velho político piracuruquense. Pensaram que se recolheria a uma vida mais tranqüila. Gervásio, ao contrário, manteve-se forte e atuante. Era enorme a preocupação que tinha com o seu povo. Pensava mais nos outros do que em si próprio. Entendia que seu afastamento do centro das decisões deixaria sem proteção muitos dos seus humildes amigos do município. “Correr da luta, naquela hora, seria abandona-los à boca do lobo. E ei-lo novamente enterrado até o pescoço nas tricas eleitorais violentas que então se faziam. A parada era dura. Valia tudo naquelas pugnas. A corrupção campeava livre, muito pior do que no tempo do império”. Mais uma vez o experiente timoneiro sereno e firme em meio àquele mar proceloso.

Com o Partido Conservador “de cima” o seu domínio sobre os destinos de Piracuruca era absoluto. “nada se podia mover ou fazer ali sem a sua anuência”.

Em 14 de agosto de 1890, Gervásio sofreu um duro golpe. Faleceu sua esposa, D. Carlota. Com a perda da grande companheira, não quis mais, porém, aventurar-se a um novo casamento. Preferiu o aconchego da família que gerou e em cujo ambiente se refugiava nas suas horas de recolhimento voluntário. Foi um modelo de patriarca, sempre bem humorado e generoso para com seus serviçais.

De 1890 a 1896, voltou a exercer o mandato de Deputado Estadual. Defendeu, com firmeza, a autonomia municipal, contra aqueles que queriam transformar os intendentes em simples prepostos do executivo estadual. Assumiu a Presidência da Câmara Legislativa. Ao final do mandato, porém, decidiu não continuar na Câmara, elegendo um de seus filhos.

Sem se afastar totalmente da política, passou a se dedicar mais aos seus negócios particulares. Era possuidor de uma considerável fortuna para a época e região, composta de numerosas propriedades urbanas e rurais, bem como de grande quantidade de gado bovino.

O afastamento das lutas eleitorais acabaria em 1907, quando se elegeu, novamente, Deputado Estadual. Foi durante essa legislatura que foi convidado a candidatar-se ao Senado da República.

Em 1908, elege-se Senador, para um mandato de sete anos. A deficiência intelectual a ele atribuída poderia parecer grave empecilho ao exercício de mandato na câmara alta do País. Mas Gervásio não se constituía, absolutamente, numa exceção. Em contrapartida, aliás, era ele possuidor de muitas outras qualidades positivas que compensavam o seu suposto despreparo. Se não chegou a ser brilhante, também não desonrou ou comprometeu o nome do Piauí. Votava sempre com o seu partido e, vez por outra, aparteava com bonomia os oradores.

Gozava de grande estima no Senado.

Para exercer o mandato de Senador, Gervásio fez várias viagens ao Rio de Janeiro, utilizando-se dos “vapores” que servia à linha de navegação costeira, na rota Rio de Janeiro – Belém do Pará – Rio de Janeiro, que tinha diversas escalas, inclusive em Parnaíba e em Tutóia. Durante suas ausências, o comando político local ficava dividido, entre os tenentes-coronéis Luiz de Britto Mello, Antônio (Tote) Raimundo Machado e João Facundo de Rezende, sobrinho, genro e sobrinho, respectivamente.

A construção de um ramal ferroviário ligando o porto de Amarração à cidade de Paraíba, com prolongamento ao interior, rumo à capital, Teresina, era um velho sonho do político, que se transformou na maior bandeira de luta do Senador. A ferrovia que possibilitaria o escoamento das grandes riquezas do Estado na época – o gado e a cera-de-carnaúba – era uma reivindicação justa e transformou-se em projeto, que teve em Gervásio seu mais ardoroso defensor. O projeto recebeu, dotação orçamentária e a obra, após a superação de vários entraves, foi finalmente construída.

No anedotário político do Senador Gervásio, entre outros fatos, conta-se que, certa feita, ele aparteou seu colega Rui Barbosa. Surpreendido com aquela “ousadia”, o grande tribuno baiano teria exclamado: “Ora vejam só! Fiat lux!” E nosso nobre biografado, ironicamente, teria gritado bem alto: “Ora, mestre Rui, não vejo vantagem! Isto é latim de caixa de fósforos!…”.

Ao final do seu mandato, Gervásio afastou-se, definitivamente, da política. Jamais, porém deixou de ser “ouvido” pelas autoridades máximas do Estado, quando se tratasse de assunto delicado de nossa vida política administrativa.

No ano de 1919, quando era Intendente de Piracuruca o Sr. Mariano de Brito, a cidade tributou a Gervásio grandes homenagens, atentando para a grande quantidade de anos de relevantes serviços prestados por ele ao povo de sua terra natal. No dia em que completou oitenta e dois anos de idade – 23 de junho – foi patrocinada a circulação de um jornal, de edição única, com o título incomum de Jornal Vinte e Três de Junho. Todas as páginas foram ocupadas com mensagens de congratulações e de engrandecimento ao estimado chefe político. Artigos, poemas, acrósticos e telegramas louvaram a personalidade de Gervásio.

Naqueles anos, a saúde do velho político já dava indícios de grande decaimento. E todas as homenagens que lhe foram oferecidas, além de justas, foram prestadas em tempo oportuno.

A 7 de fevereiro de 1923, contando oitenta e cinco anos, no leito de sua residência em Piracuruca e cercado dos seus familiares mais próximos, faleceu Gervásio. Durante todo o dia, os sinos da Igreja Matriz de Piracuruca repicaram em dobre compassado. Ao sepultamento, no Cemitério Campo da Saudade, compareceu toda a população piracuruquense. Fazendo cumprir, expressamente, uma das suas vontades, foram distribuídas milhares de moedas ao povo simples que participou daquela última homenagem. O povo, que fora a razão de toda a sua luta, da luta de toda a sua vida.

“Vivendo, honrou sua terra natal. Embora não fosse um homem culto, era inteligente e notável pelo bom senso que sempre demonstrou no trato com os homens e com a coisa pública”. Sem sombra de dúvidas, foi o mais nobre filho de Piracuruca.

Busto do Senador Gervásio
Praça Irmãos Dantas, de frente à Igreja Matriz de N. S. do Carmo em Piracuruca.

Texto de Augusto Brito

Anísio Brito esteve no lançamento da pedra fundamental do busto em homenagem a Gervásio de Brito Passos em Piracuruca no ano de 1937